domingo, 23 de abril de 2017

Diálogos à esquerda

Porque não há Democracia sem contraditório - e embora os textos em causa estejam igualmente disponíveis nas caixas de comentário dos respetivos posts -, importa assegurar maior divulgação aos comentários emitidos pelo nosso leitor Jaime Santos a alguns dos posts aqui emitidos durante esta semana.
O primeiro refere-se ao texto «Regressando aos temas dos vilões e da primeira-ministra troca-tintas». Sobre os constrangimentos, que justificam as atuais políticas do governo apesar dos remoques retóricos do PCP e do BE estamos quase inteiramente de acordo. Só considero que ambos os partidos, que integram a maioria parlamentar sabem bem os limites do que podem propor e assim no-lo demonstra o artigo de Francisco Louçã no «Público» de ontem onde zurze precisamente a pretensão das direitas em que essas esquerdas, ditas mais radicais,  lhes fizessem o favor de abreviar a duração da legislatura. Sobre as eleições inglesas faço votos de que Jaime Santos esteja enganado e seja eu a ver confirmado o vaticínio otimista:
Sobre o meu primeiro comentário, eu compartilho exatamente da sua opinião. As condições objetivas (onde se incluem as relações de força, sendo que Portugal está por ora do lado fraco da corda) devem determinar as políticas aplicadas.
Portugal poderia crescer mais se dispusesse da possibilidade de praticar uma política mais expansionista, onde pelo menos a redução do défice fosse mais ligeira de ano para ano. Mais do que isso, isso permitiria não apenas devolver rendimentos mas aumentá-los àqueles Portugueses que certamente não viveram acima das suas possibilidades e dispor de uma verdadeira política de investimento público.
Só que infelizmente o País está, não há como dizê-lo de outra maneira, efetivamente refém das agências de rating e só pode deixar de o estar quando reduzir a dívida.
Ora, se eu defendo uma renegociação dessa dívida, não me parece que ela se possa fazer sem condições (leia-se austeridade). Daí que a melhor maneira de a conseguir é justamente dispor de fortes argumentos de que os credores têm boas razões para confiar na República.
PCP-PEV e BE não são capazes de fazer uma coisa simples que é admitir que as suas alternativas também têm custos e implicam riscos.
Quanto a Corbyn e May, a segunda diz que não quer mostrar a sua estratégia para o Brexit para não comprometer a posição britânica nas negociações, mas eu pessoalmente não acredito que disponha de facto de uma estratégia. Mas que tem conseguido marcar a agenda e Corbyn mais não tem feito do que ir atrás dela, é uma verdade.
E só agora Corbyn foi capaz de produzir um pequeno conjunto de propostas políticas dignas do maior Partido da Oposição. Para todos os efeitos, o manifesto do Labour ainda é o de 2015.
Corbyn é um ativista e não um líder político. Falta-lhe 'killer instinct' e experiência ministerial, que May dispõe a rodos (de facto, as suas posições enquanto secretária do Interior são de estarrecer). E depois, os tabloides irão fazer a Corbyn o que antes fizeram com Kinnock e Miliband... Prepare-se…”
No comentário ao texto intitulado “os nervos de aço que irritam as direitas” estamos perante maiores discordâncias: mantenho ser João Rodrigues um dos que escrevem sobre a atual realidade, que  leio com particular atenção, mesmo que ainda não dê por inteiramente mortos o euro ou a União Europeia. E também não classificaria de liberal a governação de António Costa, porque não reconheço neles os pressupostos ideológicos da doutrina: segue-lhes a receita nalgumas das políticas implementadas, por compreensíveis motivos táticos, mas adivinho no âmago do nosso primeiro-ministro a convicção … socialista! E que tenha os objetivos definidos por essa filiação ideológica como eixo fundamental da sua orientação futura. Passemos então ao texto de Jaime Santos:
“O João Rodrigues, mau grado o agit-prop e a falta de detalhe relativamente às alternativas, característica das Esquerdas, que se recusam sempre a assumir que essas alternativas têm custos e implicam riscos (e que já foram tentadas e falharam, vezes sem conta), tem pelo menos a virtude da coerência. Ele é um Marxista que considera que o País deve não apenas abandonar o Euro como a UE.
Ao mesmo tempo, julgo que compreende que o PCP e o BE nada têm a ganhar pela interrupção do apoio à presente solução governativa. Como muitos, espera que os desenvolvimentos externos obriguem o PS a dar uma guinada à Esquerda e a 'ver a luz'. Ou seja, tal como Passos Coelho, está à espera do diabo, com objetivos bem distintos, bem entendido.
O meu caro, por seu turno, insiste em tomar a nuvem por Juno. O insuspeito Ricardo Cabral tinha isto a escrever ontem no Público: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/04/19/pec-2017-2021-ir-para-alem-da-troika-novamente/.
Pessoalmente, acho também que Centeno está a exagerar. Mas, na minha sincera opinião, o principal constrangimento do País não é o Euro, é e será a dívida pelo que é preciso reduzi-la e depressa. Agora, tomar o programa do PS como mais do que algo razoavelmente ortodoxo em termos europeus é deixar-se levar pelo 'wishful-thinking'.
Nas condições presentes, a governação do PS nem sequer é social-democrata, é liberal. E as Esquerdas estão reféns do executivo enquanto as coisas correrem bem. Agora, valia a pena que quem não está refém da ideologia lesse o artigo da tribuna do Le Monde assinado por vários Economistas galardoados com o Nobel, críticos da UEM na sua forma presente. Foi escrito contra o aproveitamento abusivo do pensamento de algumas destas pessoas por Marine Le Pen, mas as críticas que faz vão cair direitinhas no colinho das Esquerdas, João Rodrigues incluído: http://www.lemonde.fr/idees/article/2017/04/18/25-nobel-d-economie-denoncent-les-programmes-anti-europeens_5112711_3232.html.
Cuidado com o que se deseja…”
A concluir fica o comentário ao texto «O capitalismo a morder a própria cauda», em que estamos totalmente consonantes, incluindo nos aspetos acrescentados pelo nosso leitor:
“Um excelente resumo dos nossos males presentes (não posso discordar em tudo), chegando ao fim assinalando aquela que é porventura a única arma que resta aos Governos para pôr cobro a esta situação, ou seja, uma política fiscal mais justa. Claro, em Portugal, o Governo consegue arrecadar mais dinheiro recorrendo ao IVA do que ao IRS, sendo o primeiro bem mais regressivo que o segundo. Também falta implementar verdadeiramente um imposto sobre transações financeiras à escala europeia e cabe lembrar que o RU foi sempre o maior opositor de tal medida... Por isso, haverá seguramente vantagens do Brexit... “
Por certo que prosseguirão estes debates de ideias entre este blogue e Jaime Santos, ficando aqui o desafio para que surjam outras perspetivas alternativas dentro das esquerdas, - quiçá mesmo das direitas, se inteligentes e cordatas! - para que os Ventos Semeados se tornem mais enriquecedores, quer para quem os lê, quer para quem os escreve.

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