terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Sermos ou não imortais, eis a questão!

Anuncia-se uma nova evolução tecnológica nas redes sociais: em função dos conteúdos produzidos pelos detentores das respetivas páginas, os algoritmos mágicos serão capazes de eternizar-lhes as presenças mesmo depois de mortos. Isto significa que eu poderia manter um fluxo de textos militantes em prol da causa socialista (aquela que mais me é querida na vertente ideológica!) e adaptados às circunstâncias, que nem sequer imaginaria virem a acontecer. Prosseguiria, assim, o debate com quem costuma interagir nessas páginas, uns a partilharem a ânsia de uma sociedade mais justa e igualitária, outros a serem até acintosos na forma como a repudiam.
Ao contrário dos que contestam esta novidade por perversão da identidade de quem já faleceu, não estou assim tão certo da maldade congénita da invenção. É que a minha identidade, sendo única, resulta do somatório de todas as vivências e influências, que recolhi. Não é uma “alma” como pretendem os cristãos, nem lhe atribuo particulares conotações transcendentais. As doutrinas orientais, que suportariam essa possibilidade, são um logro tão vetusto como qualquer outra crença em inexistentes divindades. Vejo-me mais facilmente como um ser matemático: se um qualquer deus tem substância esconde-se decerto na magia dos números. Por isso um algoritmo sério, blindado contra a possibilidade de ser manipulado e pervertido, até constituiria alternativa a levar em conta para satisfazer o eventual desejo de imortalidade.
A dúvida reside, porém, aí: até que ponto uma liderança totalitária não cuidaria de alterar a gestão dos dados recolhidos do defunto de forma a pô-lo a defender teses opostas às por ele sempre defendidas? Será quase impossível a garantia de ter nos criadores dos algoritmos quem da evolução social possua uma mundividência suficientemente desapaixonada para evitar a inserção de fatores corretivos no modelo desviando-os de acordo com ela. Reside aí o meu ceticismo que só poderia diluir-se se essa criação decorresse da intervenção exclusiva de uma máquina. Mas surgiria então outro receio não menos despiciendo: quem nos garante que o temor suscitado pelo computador de bordo de «2001, Odisseia no Espaço» não tem fundamento?
Por uma questão de prudência mais valerá que se comece por cuidar desses avatares com a reserva reconhecida aos direitos de autor: que cada um disponha da sua disponibilidade ou não para permitir essa existência virtual para além da morte. Que disponha de si, incluindo da identidade virtual, conforme lhe aprouver: quem quiser assim sobreviver além da morte, que o autorize. Quem o rejeitar, que o proíba.

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