quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Utopias, distopias e outras questões mais concretas

1. 18 de janeiro de 1934 foi a data da revolta da Marinha Grande, que fez tremer o regime salazarista, quando ele ainda mal se consolidara com a implementação da Constituição de 1933.
Infelizmente a efeméride vai sendo cada vez mais esquecida, mas continua a representar a demonstração do princípio de, nas circunstâncias mais difíceis, haver sempre quem seja capaz de dizer Não! Mesmo sob pena de grandes sacrifícios em perspetiva para quem assumisse tal audácia.
Valerá, por isso, mesmo evoca-la como exemplo a não esquecer, quanto mais não seja pelo respeito por quem pretendeu e lutou por um país bem diferente do ocorrido durante os 48 anos de ditadura.
2. Um dos mais eloquentes textos das redes sociais das últimas horas é da lavra de Ricardo Paes Mamede, que olhou ironicamente para o facto de ter havido venda de dívida pública a juros negativos sem que os suspeitos do costume «dessem» por isso:
“Para sabermos se as taxas de juro da dívida pública portuguesa estão a subir ou descer não precisamos de seguir as informações financeiras - basta consultar as redes sociais. Se os juros estiverem a subir, não faltarão alarmes sobre os impactos devastadores que o governo apoiado pelas esquerdas está a ter no país. Se estiverem a descer, os mesmos observadores atentos e preocupados tiram férias das redes sociais. Mas, afinal, por que variam as taxas de juro sobre a dívida portuguesa?”
3. Um dos críticos mais frequentes deste blogue é o Jaime Santos que, a propósito do texto sobre valer ou não a pena o medo pelo futuro, escreveu o seguinte:
“Mas com base nessa crença os ditos bolcheviques transformaram o Socialismo em Despotismo em nome do Comunismo e sujaram as mãos de (muito) sangue no processo. O meu caro não quer perceber que as Utopias são todas distópicas, porque colocam o amanhã à frente da preservação das vidas dos seres humanos do presente.”
Estas palavras lembram-me o poema do Brecht em que os poderosos diziam aos humilhados e ofendidos, que não valeria tentarem o impossível, porque “as coisas continuarão a ser como são”.
A desvalorização, que o Jaime Santos faz da Utopia como argumento mobilizador da transformação é a melhor desculpa para nada fazer.
É verdade que acena sempre com os benefícios colhidos pelas sociedades, quando ensaiaram as receitas ditas “social-democratas”, mas nunca conseguiu responder à questão de saber como repetir modelos, que só fizeram sentido, quando existia o medo dos «paraísos soviéticos» a motivar os patrões a serem menos exploradores do que passaram a ser depois da queda do muro de Berlim. Ou como poderão ser concretizáveis tais modelos num tipo de economia global e digital, onde a financeirização se substituiu à da produção de bens transacionáveis.
As condições materiais, que tornaram possíveis os Trinta Gloriosos Anos, onde já vão elas!
A tendência para a diabolização das receitas falhadas da aplicação do socialismo em diversas latitudes, durante o século XX, prende-nos ao raciocínio da tendência conformista muito própria da arte de ser português a respeito do «sempre foi assim».
Apetece, pois dizer-lhes que pode de facto ter sido sempre assim até agora, mas nada impede que possa vir a ser diferente. Daí que as Utopias façam sentido, porque não nos contentamos com menos do que com os impossíveis. E eles, surpreendentemente, acabam por acontecer, muitas vezes em nosso desfavor, mas aqui e além dando-nos as alegrias das revoluções capazes de propiciarem novos rumos à História dos povos.
4. Emmanuel Macron: não simpatizo nada com o seu tipo de bétinho convencido, que Valls contratou para o governo dito socialista, mas com a função de nele aplicar todo o cardápio da lógica neoliberal. E, no entanto, aposto - a menos de quatro meses de distância! - que será ele o próximo presidente francês, porque as campanhas dos principais rivais vão definhando e esta é a única em notório crescimento junto do eleitorado.
Infelizmente os debates das primárias do Partido Socialista só serviram de tiro de partida para a definição da sua futura liderança, que pertencerá a um dos representantes da sua ala mais à esquerda (Montebourg ou Hamon), que não conseguiram recriar a dinâmica potencialmente vencedora, personificada por Bernie Sanders no outro lado do Atlântico.
Não duvido que Macron depressa constituirá um erro de casting por se mostrar disposto a respeitar o austeritarismo já esgotado nas experiências levadas a cabo noutros países do sul da Europa. Mas talvez as esquerdas gaulesas necessitem de um intervalo para resolverem os ódiozinhos de estimação, que as impede de unirem-se em torno de um programa comum, e surgirem mais eficazes e inteligentes daqui a cinco anos.
Macron será, a esse respeito, o mal menor...

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