segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O atalho ensaiado pela aldeia com o seu quê de gaulesa

Há quase cem anos havia quem passasse diariamente pelo Palácio de Inverno de São Petersburgo e não imaginasse os dez dias de outubro, que iriam abalar o mundo e fazer dessa residência do czar o símbolo de um mundo a mudar, sob o sortilégio de um impressionante livro publicado meio século atrás.
A esta distância temporal todo o trabalho então iniciado está por fazer. Já estivemos mais perto do sonho utópico prometido como resultado da esforçada viagem política e social percorrida ano a ano, mas todos os caminhos ensaiados desembocaram nos dolorosos becos da desilusão. Cada fracasso significou o recuo para a mesma encruzilhada de onde se tinham dividido todas essas alternativas.
Agora até volvemos mais atrás, não porque quiséssemos, mas para aí nos empurrou a inércia de recuo, que nos não deixou donde pretendíamos testar outro percurso. Por isso reencontramos zombies, que julgávamos enterrados desde a última vez que quase todos os continentes se entrincheiraram em frentes inconstantes, mas todas elas saldadas com muito sangue derramado ou engolido pelas águas revoltas dos oceanos.
Esse retrocesso angustiou quem se despediu do ano findo com o suspiro de alívio de quem completou um ciclo de atentados, de afogados no Mediterrâneo, de massacres aqui e além, de cruzes suásticas e símbolos similares a ousarem retomar os desfiles pelas ruas das atónitas cidades. Como se hoje a situação já não fosse a mesma e todos despertássemos de um pesadelo em que fosse mentira vir a ter quem se prepara para ocupar a Casa Branca e destacar-se nas eleições da Holanda, da França ou da Alemanha.
É nestas alturas que recordo o insensato desespero suicida de Virginia Woolf ou Stefan Zweig, que desacreditaram a tal ponto da possibilidade de dobrar a besta nazi, que desistiram antes de comprovarem o erro do seu julgamento. Em menos de um ano, entre março de 1941 e fevereiro de 1942, deixaram as emoções sobreporem-se à razão, sem adivinharem que bastaria um pouco mais de paciência para verem alegres multidões a proclamarem a esperança num mundo diferente, de respeito pelos mais preciosos direitos humanos.
A História tem este condão: para o bem e para o mal, aquilo que ontem parecia possível, torna-se realidade no dia de amanhã. Que importância terão os protagonistas do nosso tempo, quando se julgam dotados da força bruta ou da manipulação habilidosa das consciências para se perpetuarem no poder quando se descobrirem confrontados com repúdios, que já não saberão como iludir? Um bom exemplo aconteceu agora com a  toda poderosa presidente sul-coreana, que se julgava capaz de replicar o odioso programa do ditador seu pai. Nesta passagem de ano, antes de a comemorarem nas ruas, as multidões de Seul invadiram as ruas a exigir a sua destituição. Algo que quase por certo se repetirá em breve no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, quando se tornar ainda mais insuportável a política indigna de quem, mediante golpe judicial, substituiu a presidente eleita. Ou em Buenos Aires e La Plata, com o milionário, que quis ser presidente, a ver-se impedido pelos sindicatos de impor o tipo de selvajaria capitalista, que prometeu como sendo a mais judiciosa para transformar a vida miserável dos mais desvalidos em algo de mais suportável.
Aquele que está vivo não diga nunca NUNCA! O poema de Brecht recorda-nos a virtude da paciência, conquanto não baixemos os braços. Até porque 2016 fez do nosso cantinho uma réplica da aldeia gaulesa, que encontrou um atalho possível de reencontro com o caminho menos pedregoso para a tal estrada de tijolos amarelos.
Podemos fazer-nos acompanhar de espantalhos, de homens de lata ou de leões cobardes. Até as bruxas más nos podem ameaçar sob a forma de antigas ministras ou de conselheiras financeiras mas, depois de violentos furacões, veremos sinalizado o outro lado do arco-íris. 

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