quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Porque me mantenho em sabática

Haverá quem se iluda que os sucessos eleitorais de Trump, de Farage ou do palhaço Grillo nada têm a ver com o nosso eleitorado. Este, mesmo tolamente dando quase quarenta por cento a Passos Coelho, nunca se deixaria levar por demagogias primárias e pós-verdades, que justificariam a eleição de um qualquer tino de rans.
Engano nosso, sobretudo dos que conjeturam sobre a crescente clarividência dos portugueses perante forma tão diferente de fazer política demonstrada pelo atual governo.
É verdade que António Costa é sábio na forma de tornar negocialmente possível aquilo que, cá dentro ou lá fora, consideravam inviável. E que não será improvável, que repita o sucedido na Câmara de Lisboa onde começou em maioria relativa e de lá saiu com apoio mais do que maioritário, tão consensual se mostrou a alargar convergências.
Mas um grande líder não se basta a si próprio. Necessita de quem replique a sua visão a nível local. Por isso mesmo, na sequência da campanha presidencial em que muitos socialistas apoiaram Sampaio da Nóvoa, propus no Seixal a continuidade da dinâmica então concluída, aproveitando para lançar as condições necessárias e suficientes para derrubar o grupúsculo, que há anos se tem arrogado de ser dono dos socialistas do concelho. Sempre com resultados pífios, pois se o PS ganha em quase todas as freguesias nas eleições legislativas, acontece o contrário nas autárquicas.  Prova mais do que tangível do completo desajuste de tal gente com o povo, que supostamente deveria contar do seu lado.
Infelizmente vi-me quase sozinho nessa proposta. A sede que poderia servir de base de relançamento para as atividades políticas teve de ser entregue a quem a arrendara e a atitude de quem poderia corporizar tal dinâmica, que corresponderia à do Tempo Novo, referenciado por António Costa e Sampaio da Nóvoa, foi a de esperar para ver.
Foi por essa altura que anunciei aqui o meu retiro sabático da militância ativa, que me dispusera a prosseguir com o mesmo entusiasmo das épocas em que ela constituíra um dos polos principais dos meus dias.
Por um momento ainda me deixei seduzir pela possibilidade da proposta de Daniel Adrião corresponder à abertura do Partido aos seus simpatizantes e à população em geral. Engano meu: embora dissesse o contrário, o candidato alternativo a António Costa não enjeitaria assumir-se como rival de verdade, se tivesse contado com apoios bastantes para tal.  A sua proposta de aproximação do Partido aos eleitores apenas se reduziria à aprovação de primárias para o que quer que fosse. Mas pior se revelou, apesar de para tal o ter alertado, da sua aceitação de gente que nada tinha a ver com a visão política de António Costa no anterior Congresso, e que supostamente apenas pretenderíamos levar mais longe. Quando vi aceite quem no Seixal protagonizara tudo quanto a atual liderança socialista defende e tudo fizera para a combater e sabotar, estava clarificado não ser ali que deveria encontrar companhia para o tal Tempo Novo em que me revejo.
E aí voltamos a Trump, a Farage ou a Grillo: olhamos para outros povos e vemos que o facto de os deixar entregues a vigaristas e palhaços é a forma de escamotearmos a incapacidade para deles nos achegarmos, ouvindo-os, compreendendo-lhes as angústias e aspirações e encontrando em conjunto as respostas progressistas para lhes garantirmos futuro.
Nas mais recentes eleições legislativas e presidenciais era evidente o interesse de quem contactávamos nas estações de comboio ou de barcos, nos mercados e nas ruas, quanto às nossas propostas para lhes justificarmos a recuperação da esperança. Mesmo havendo os provocadores do costume, tínhamos constatado, se não a paixão, pelo menos a recuperação do interesse pela política, que só temos de aprofundar. Para que não haja espaço para os populismos, para as inverdades.
Esta manhã recebi mensagem de um amigo a perguntar-me se era mesmo verdadeira a anunciada lista de candidatos às autárquicas decidida por tal grupúsculo sem sequer ter ouvido os militantes. Durante o dia outros vizinhos e conhecidos manifestaram a sua estupefação e afirmaram-me a decisão de, apesar de habituais votantes no PS, a tal se escusarem nas eleições do próximo ano. É que essa lista continua a ser exclusivamente formada por quem tem tido práticas antidemocráticas e de esvaziamento de participação dos militantes nas decisões, que a todos interessa.
É claro que está a ser internamente muito contestada por quem eu ansiara ver ativos há dez meses atrás. Nesta altura há grande troca de mails a pedir reuniões, a que a letárgica direção federativa permanece olimpicamente indiferente.
Infelizmente só confirmo razões para me ter remetido a esta inação sabática. Os resultados autárquicos serão miseráveis mas o grupúsculo manterá a sensação de continuar dono de uma ilha que, tal como as ameaçadas pelo aquecimento global, se tornará mais exígua.
Exigir-se-ia o Tempo Novo, o reencontro com as populações, que nem sequer têm uma sede oficial aberta no concelho onde possam sequer procurar quem se reivindica do Partido. Não é esta a estratégia política que se justifica na conjuntura atual, mas a inepta e continuada prática antidemocrática de quem ainda se mantém no fútil poder com p pequeno, estraga localmente aquilo que António Costa se esforça por, a nível nacional, tornar grandioso. 
Leonid Afremov

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