terça-feira, 6 de dezembro de 2016

As lições que andamos a dar

Embora fazer história contra factual seja sempre estulta atitude perante o efetivamente ocorrido, podemos adivinhar uma derrota do candidato do centrão austríaco perante o de matriz nazifascista, se não tivesse surgido Alexander Van der Bellen para propor algo de completamente diferente. A forma como os eleitores reduziram conservadores e sociais-democratas a 20% nos resultados da primeira volta revela bem a falta de apoio para com soluções em que os políticos buscam a convergência nesse mirífico, que abrem espaço para propostas ganhadoras nos extremos.
Nesse sentido impressiona atentar na teimosia quixotesca de um Francisco Assis continuando sozinho no meio de nenhures a procurar moinhos de vento contra que investir. E que outros «socialistas» como Manuel Valls o imitem nessa mesma obstinação de considerarem atraente para o eleitorado que a suposta esquerda se lhe apresente com exatamente o mesmo programa que qualquer político de direita não enjeitaria avocar se esse setor já não tivesse derivado tão para o extremo como sucedeu com Marine Le Pen ou François Fillon.
Desejosos de mudança perante uma realidade que os insatisfaz e lhes sonega qualquer tipo de esperança, os eleitores agarram-se aos Trumps e aos fascistas de diversos matizes, por os ouvirem dizer aquilo que desejam: que irão cercear o conúbio indecoroso entre o poder político e a alta finança e impedir que os empregos se volatilizem por efeito da globalização. A reportagem do futuro presidente norte-americano na fábrica da Career, que impediu de deslocalizar para o México, é um bom exemplo do que leva muitos trabalhadores, não só norte-americanos como europeus, a dizerem para si mesmos, que é esse o caminho certo por nada se poder equivaler à preservação do seu direito ao trabalho.
O problema que os diversos governos da União Europeia estão a ter com os referendos e as eleições, que invariavelmente vão incrementando o medo pelas novas ditaduras, é olharem para a governabilidade como um exercício macroeconómico sem darem a devida atenção às pessoas, que dele se tornam indefesas vítimas. Nesse sentido volta a fazer todo o sentido aquela expressão da proposta governativa de António Guterres segundo a qual as pessoas não são meros números.
A diferença entre Alexander Van der Bellen e os seus rivais dos dois partidos da coligação de governo, que consubstanciam esse centrão sem alma, é que as suas propostas eram, efetivamente, de esquerda e assentavam em devolver às populações expetativa positiva sobre o seu devir. Perante as ameaças do futuro propôs-lhe caminhos em que elas se reconheceram.
Compreende-se, pois, o porquê de não existir em Portugal um movimento de extrema-direita com algum significado. É que, de forma pioneira para toda a Europa, as diversas esquerdas souberam convergir nos máximos denominadores comuns diminuindo a relevância do que verdadeiramente as dividem. O bem comum sobrepôs-se à frívola defesa dos tais princípios que, em tempos, pareciam trincheiras absolutamente inamovíveis atrás das quais se mantinham inflexíveis os seus defensores.
Trata-se de caminho tormentoso, que se vai construindo enquanto se percorre, mas os acontecimentos provam já não existir outro. E que enjeita totalmente o outro, em que se agudizam injustiças e desigualdades.
Esperemos que, por toda a Europa, os que defendem os valores republicanos saibam atentar no exemplo português e o decidam imitar.
Carlos Botelho, «Lisboa e o Tejo»

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