domingo, 27 de novembro de 2016

Teoria da Conspiração (I)

Na grande mansão os alarmes não paravam de tinir. O apreciador de pontapés em jornalistas andava escada abaixo, escada acima, como barata tonta, com as notícias das várias frentes a surgirem invariavelmente preocupantes. O desastre estava iminente.
O Diabo, apesar de invocado  por bruxos e adivinhos, não viera em auxílio do exército laranja e os eventuais aliados, em Belém ou em Bruxelas, tinham-se escusado a enviar batalhões em seu auxílio. O cerco apertava-se cada vez mais  e o general dava sinais de desespero, perdendo dia-a-dia mais cabelo.
Da sombra emergiu um dos lugares-tenentes, um tal Morgado com conhecimentos privilegiados num Instituto reconhecido como especialista nas análises das questões da guerra.
- Talvez haja forma de dar volta a isto!
Os outros olharam-no, primeiro com espanto, porque tratava-se de quem mais lamuriava do que mostrava indícios de genialidade guerreira mas o desespero em que se encontravam alimentou-lhes uma pontinha de esperança no olhar. Por isso deixaram o Morgado prosseguir:
- Ponho os meus amigos desse Instituto a fazer uma análise com toda a aparência de seriedade em como o exército do governo já não precisa dos que os outros partidos mobilizaram para os apoiar.
- E o que isso altera no cerco em que nos encontramos? - perguntou o Amaro ainda a recuperar de novo ataque agudo da sua conhecida disfunção cognitiva temporária em vias de se tornar permanente.
O Morgado olhou para os outros como se fossem um bando de idiotas a quem tivesse de fazer o desenho todo.
- Pomos depois os nossos amigos nas televisões e nos jornais a repetir a toda a hora, que o exército do governo, não precisando dos outros e tendo-nos quase derrotados, logo se virará contra eles.
O general começou a esboçar um sorriso, que o apreciador de pontapés em jornalistas conhecia bem. Quando ele se desenhava no rosto havia perfídia certa a percorrer-lhe a mente.  E como ele delirava quando ela se constituía e revelava logo a seguir! Era tiro certo no campo inimigo, como dias antes constatara, quando aligeirara a asfixia com a história da Caixa Geral dos Depósitos.
Na cabeça do general o filme tornou-se mais nítido: as baterias dispostas contra aquele reduto, subitamente a virarem de posição, a dispararem umas contra as outras. O caos total. O aliado de Belém a discursar que, aquilo que considerara fazer sentido momentos atrás, deixara de o ter e seriam necessárias eleições antecipadas. O amigo do Brasil chamado de emergência para organizar campanha tão bem sucedida como a última quando, apesar de tudo quanto lhes fizera, os donos dos votos não o tinham deixado mal. E, no dia decisivo, o resultado ansiado: os acordos inimigos definitivamente rasgados, e o general contrário a ter que com ele conferenciar para, juntos, regressarem ao bom caminho momentaneamente abandonado. Aquele em que ele e os seus amigos poderiam continuar a prosperar e os odiados reformados e funcionários públicos pagariam com língua de palmo o desaforo de terem recuperado o que lhes havia sonegado.
- Sim! Essa estratégia pode resultar! Avance com ela, oh Morgado, e esperemos que os inimigos sejam suficientemente estúpidos para cair nessa armadilha! 
Sousa Lopes

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