quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O outro lado dos números do INE

Os últimos dias tem sido férteis em declarações dos partidos da direita a respeito dos recentes números do INE sobre o desempenho da economia portuguesa no segundo trimestre.
O veredito é repetitivo, sem qualquer nuance quanto ao que eles vêm revelando. Assim Passos e Cristas dizem que as políticas do governo não funcionam, que o crescimento é anémico e o investimento quase não existe. E é esse o discurso dos próprios noticiários televisivos, que empolam os fatores mais favoráveis à argumentação da direita, sobretudo quando dão enfase ao recuo no consumo interno. Hoje ainda vêm com o argumento complementar da dívida soberana ter atingido novo valor record.
Será mesmo assim ou, uma vez mais, estamos perante uma mistificação dos números apresentados, diabolizando os que são mais favoráveis aos que contestam o governo e esquecendo os que vão no sentido contrário?
Por exemplo os do emprego que não só aumentou em volume como decresceu em percentagem dos que ainda o não têm.
Mas optemos pelos argumentos dos detratores a começar pelo consumo privado. Não é por acaso que a sua redução coincidiu com um claro recuo nas importações que, concluiu-se agora, valeram menos do que as exportações, fazendo a economia regressar a uma balança comercial positiva com o exterior.
Que tipo de produtos deverão ter sido menos comprados e por isso mesmo menos vendidos aos privados? A resposta só pode ser a dos automóveis com que as empresas de aluguer se tiveram de precaver para o mais que previsível crescimento da vinda de turistas para Portugal, e que tiveram um boom  neste terceiro trimestre.
Não existem, pois, razões para a direita lançar foguetes: a descida do consumo interno é compensada pela redução dos custos com as importações, o que só traz benefícios imediatos ao andamento da economia. Ademais esse comprovado crescimento do turismo, que será em números neste terceiro trimestre, poderá alavancar a percentagem no PIB para os tais 1,4%, que consta das previsões da Comissão Europeia, e bastante acima dos 0,9% atualmente verificados em termos homólogos.
Estamos, pois, num pequeno intervalo em que a direita ainda pode usar as carrancas fechadas da Maria Luís Albuquerque e da Assunção Cristas para reiterarem a vinda do Diabo prometido por Passos Coelho para este mês, mas os números do final do terceiro trimestre poderão causar-lhes sérios engulhos.
Mas aproveitemos também para lembrar como a mistificação em torno da nossa suposta dívida record face ao exterior, mais não constituir do que uma preventiva atitude de quem se responsabiliza pela sua gestão para aproveitar os juros mais baixos atualmente constatáveis no mercado para, com vantagens óbvias, substituir a componente ainda remanescente da época em que eles eram bem mais elevados.
Trata-se daquele fenómeno das transformações físicas em que uma tendência, antes de descer abruptamente, conhecer um derradeiro ímpeto no sentido em que vinha a verificar-se: é para que essa queda abrupta na dívida se verifique e se torne mais sustentável, que se têm verificado estas sucessivas emissões de obrigações, avidamente disputadas pelos investidores institucionais e internacionais.

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