domingo, 11 de setembro de 2016

E ainda há quem não quer acreditar no que vê

São vinte mil os quilómetros quadrados de costas norte-americanas ameaçadas pelos efeitos do aquecimento global, sobretudo se se confirmarem as previsões dos cientistas, apostados em considerar provável a subida de 1,5 metros no nível das águas oceânicas até ao final deste século.
Em Outer Banks, na Carolina do Norte, o paraíso que muitos julgaram aí encontrar, está a transformar-se num autêntico inferno para os proprietários das casas mais expostas. A própria ponte principal de acesso à península está em risco de ruir pelos esforços conjugados adas margens por ela ligadas.
Muitos dos donos das casas, que os sucessivos furacões vão danificando, tentam evitar o fatal desenlace com o uso intensivo de sacos de areia, mas não é fácil concluir, que apenas conseguem iludir-se a si mesmos. Para quem ali investiu as poupanças de toda uma vida de trabalho, a perspetiva de bancarrota justifica o seu desespero.
Na Florida o risco ainda se revela mais complicado, porque os dois mil quilómetros de praias são o cartaz turístico, que atraem milhões de dólares em receitas todos os anos. Ora, apesar da contínua reposição de areias levadas pelas marés mais vivas, o mar avança inapelavelmente. Daí que haja associações ecologistas a processar o Estado por impedir a expansão das praias para as zonas ainda recentemente objeto de grande especulação imobiliária. Nomeadamente nas chamadas ilhas barreira, construídas artificialmente para contenção das águas, mas hoje completamente cobertas por edifícios e os seus acessos. Ora, a legislação em vigor isenta os especuladores de qualquer risco, porque se o mar lhes levar algumas das construções, elas devem ser repostas tal qual existiam, e exatamente no mesmo sítio. Quer isto dizer que os barões do setor imobiliário conseguiram que os contribuintes lhes pagassem os prejuízos causados anualmente pelas tempestades, apesar da falta de lógica das construções, que edificaram.
Hoje em Miami Beach a maior parte dos novos prédios estão a ser construídos 1 metro abaixo do nível do mar. Como será quando esse desfasamento atingir os 2,5 metros? Parece que poucos se inquietam com tal probabilidade.
Na Louisiana, o furacão Katrina submergiu Nova Orleães em 2005. Morreram 1500 pessoas, acumularam-se prejuízos de mais de 150 mil milhões de dólares em prejuízos. O Sétimo Distrito, anos depois dessa devastação, continuava a ser um bairro fantasma, onde não sobrou vivalma disposta a ali residir.
 É que, rodeada de diques, a maior parte da cidade fica abaixo do nível do mar e ninguém afiança a possibilidade deles resistirem a tempestades mais e mais violentas.
No lado do Oceano Pacífico, São Francisco assiste à gula do mesmo tipo de especuladores, que pretendem apossar-se dos terrenos outrora pertencentes à base militar de Treasure Island. Uma vez mais ignoram ostensivamente a certeza de serem os edifícios ali construídos os primeiros a serem levados pelo avanço das águas.
Se fosse necessária prova factual quanto  à incapacidade do capitalismo planear a construção e utilização dos edifícios a um prazo mais alargado, que evitasse a perda futura de ativos, quer para privados, quer para os contribuintes em geral, estes exemplos falam por si. E tornam trágica, e risível ao mesmo tempo, a pacóvia convicção de muitos em como a América está lamentavelmente enfeudada a grupos de interesses ostensivamente alheios ao interesse público. 

Sem comentários:

Enviar um comentário