terça-feira, 27 de setembro de 2016

Discordâncias dentro do mesmo lado ideológico

Um dos leitores mais atentos e críticos do blogue é o Jaime Santos (ele confirmou que posso designá-lo pelo nome e não pelas iniciais como anteriormente!), cujos textos vou passar aqui a transcrever em itálico, porque valem a pena ser lidos como contraponto às opiniões aqui formuladas. Eis o texto por ele enviado como comentário ao que escrevera sobre a morte da social-democracia face ao definhamento dos Partidos Socialistas europeus, e ao qual  só tomei a liberdade de o dividir em parágrafos mais curtos por facilidade de leitura:

“Orwell dizia que o Comunista e o Católico (referia-se aos leninistas e aos católicos apoiantes do fascismo) nunca conseguiam conduzir uma discussão considerando que o seu adversário era simultaneamente honesto e inteligente. E o meu caro infelizmente vai no bom caminho de cometer o mesmo erro.
Nos anos 20 e 30, a Esquerda Radical combateu o Liberalismo e a dita 'Democracia Burguesa' e acabou por dar espaço aos Fascismos (não esquecer nunca o infame pacto Ribbentrop-Molotov).
Olhando para como algumas pessoas hoje em dia à Esquerda parecem entusiasmadas com a vitória dos populismos de Direita (não é felizmente o seu caso), porque eles podem contribuir para afundar a UE, vamos a ver se a História não se repete, esperemos que desta vez apenas como farsa (aqui só estou parcialmente de acordo com Karl Marx).
Eu também acredito no velho Heráclito, mas mais do que ele, acredito na infinita capacidade humana para cometer os mesmos erros vezes sem conta. E isto porque o dito ser humano não passa de um primata mal adaptado à vida numa comunidade planetária.
Quanto a Corbyn, olhando para o apoio que deu ao IRA, as suas ligações ao Irão, esse exemplo egrégio de laicismo humanista, e para a incompetência da sua direção, a começar pelo seu 'Chanceler-Sombra' para as finanças, e atendendo às sondagens, eu diria que Theresa May, que quer que o RU continue a ser um campeão do comércio livre depois do Brexit, pode dormir descansada. E quem sofrerá, claro está, serão os mais desfavorecidos. Mas que interessa isso perante a intransigente defesa de princípios socialistas?
Quanto à Espanha, não entendo como um socialista pode exultar com o definhar do PSOE. Espera que Iglesias seja o futuro líder da Esquerda? Deus nos livre! Eu espero que Costa não alinhe nunca neste canto de sereia dos Esquerdismos, porque a partir desse dia o PS nunca mais leva o meu voto. Quando Seguro era SG, pensei em votar no Livre, felizmente esse Partido ainda existe, porque nunca se sabe... Posso ficar em minoria, mas paciência, às vezes é preferível perder a luta a perder a razão...“

O que nos une, a mim e ao Jaime, é muito mais do que aquilo que nos desune: ambos queremos uma sociedade mais justa e igualitária, onde haja respeito pelas liberdades fundamentais, e o mais universal possível no acesso à saúde, à educação, à habitação, ao emprego.
O que nos desune é ele acreditar na via social-democrata e eu apostar na socialista, no que esta se sustém no modelo formulado por Marx e Engels nos seus textos fundamentais.
Temos, igualmente, entendimentos diferentes da História: eu enquadro o pacto germano-soviético dentro das circunstâncias desse período. Não esqueçamos que na Inglaterra de Chamberlain, e depois de Churchill, a classe dirigente preferiria um acordo com os nazis do que com Estaline, o que só poderia estimular as desconfianças paranoicas deste último, temeroso de se ver subitamente atacado por todos os lados e com um Exército enfraquecido pelas purgas dos anos anteriores. Por isso mesmo discordo do conceito de «infame», porque essa é uma perspetiva de quem olha o passado com os olhos de hoje, quando uma análise honesta obriga a colocarmo-nos na de então.
Discordamos também na repetição do erro, sempre da mesma maneira, como se fôssemos o Bill Murphy de um filme de há muitos anos, quando acordava todas as manhãs no hotel  para repetir o dia em que a marmota iria revelar como seriam meteorologicamente os meses seguintes.
A própria Ciência demonstra-nos que nunca se chegará à verdade absoluta, seja em que área de investigação se tratar, mas, de ensaio em ensaio, de falhanço em falhanço lá chegaremos muito próximo. O falhar sempre, falhar sempre melhor, é tão válido nas ciências políticas como nas naturais. Por isso mesmo será estulta a ambição de chegar à sociedade sem classes, prometida pelo texto mais conhecido de Marx e de Engels, mas devemo-nos dela aproximar por sucessivas tentativas. Podem falhar estrondosamente como se viu na Europa de Leste, em Cuba ou no Chile de Allende, mas há a obrigação de ir aprendendo com os erros e evitá-los nas tentativas seguintes. Errar não pode ser de modo algum uma fatalidade impeditiva de continuarmos a tentar.
Por isso mesmo a diabolização de Corbyn não colhe qualquer acordo da minha pessoa: nem enjeito a legitimidade do IRA para se libertar do colonialismo britânico, embora preze a solução de partilha de poder conseguida na Irlanda do Norte há já alguns anos - e não esqueçamos que numa guerra como a ali existente cumpre-se o provérbio de «dar e levar», tanto mais que o terrorismo católico era replicado pelo do lado protestante! - nem contesto os projetos de nacionalizações, mormente dos transportes ferroviários, defendidos pelos trabalhistas.
Quanto aos resultados lamentáveis do PSOE não é possível sentir nos meus textos qualquer regozijo com eles. Limitei-me sim, a exemplo do que já fizera com o Pasok grego, ou não tardarei a fazer com o PS francês e com o Partido Democrático italiano, a constatar que a social-democratização de tais partidos só afasta os eleitores, que procuram respostas mais esperançosas, mesmo que xenófobas, mesmo que absurdamente demagógicas, em partidos sem projetos capazes de lhes darem satisfação a essas aspirações.
Mais uma razão para as esquerdas mudarem de discurso, acenando com objetivos tangíveis, que vão ao encontro do que os eleitorados pretendam ouvir.
Estou confiante que a razão do sucesso da governação da atual maioria parlamentar tem a ver precisamente com as pessoas sentirem que estão a recuperar rendimentos e melhores serviços públicos, maior acesso a empregos e possibilidade de verem os filhos e netos não precisarem de emigrar para aqui se realizarem profissionalmente.  António Costa consegue ser o líder que cumpre o que prometeu, razão bastante para consolidar a sua credibilidade e apoio popular.
Ora, entre um Pasok, que não conseguiu convencer o eleitorado de uma verdade inquestionável (os governos da Nova Democracia foram mais culpados na crise grega do que os socialistas, porque foram eles quem mascararam as contas!), entre um Partido Socialista francês, que está a cumprir todos os passos já por nós conhecidos do austericídio, liderados por um primeiro-ministro, que lhe queria mudar o nome por se saber já sem qualquer empatia com os valores tradicionais por ele defendidos, ou um PSOE, que tem parecido muito mais preocupado com os jogos politiqueiros internos e externos do que em dar resposta ao que quer o povo espanhol, acredito estar definitivamente condenada a receita da Terceira Via.
O futuro das esquerdas internacionais está em fazer o reboot, corrigir os bugs, entretanto identificados, e tentar de novo. Sem o preconceito de, por ter tido falhanços clamorosos, não possa vir, de futuro, a encontrar implementações mais bem sucedidas.

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