segunda-feira, 5 de setembro de 2016

A nulidade ideológica da outra trincheira

Começam a surgir artigos assinados por gente insuspeita de qualquer simpatia pelas esquerdas e coincidentes no mesmo veredito: existe uma notória crise de ideias na direita, explicando-se assim os sinais evidentes do seu declínio no favorecimento do eleitorado.
Pedro Santos Guerreiro, o diretor do semanário de Balsemão, dá o mote: anuncia implicitamente a morte política de Passos Coelho por se ter tornado no “Nostradamus da política, com datas de fim do mundo que o fim do mundo não traz”. E acrescenta, a concluir: “o isolamento de Passos é também a insularidade ideológica do PSD. Basta ver a pobreza de pensamento político daqueles que se perfilam como possíveis sucessores, (…) Querer ganhar eleições não é em si mesmo pensamento nenhum”.
Na mesma lógica assina Nuno Garoupa um texto no seu blogue «Insónias». Com este comentador está a passar-se algo de muito curioso: entusiasta das ideias mais conservadoras a nível económico, foi chamado da universidade norte-americana onde lecionava para substituir António Barreto na Fundação do Pingo Doce.
A presença mais assídua em solo português,  e um melhor conhecimento dos seus putativos compagnons de route, talvez explique a evolução singular do seu pensamento político, que justificou o pedido de demissão dessa instituição destinada a ser um think tank da direita, logo agarrada por um Jaime Gama cujas afinidades eletivas com essa área política vão sendo cada vez mais indisfarçáveis.
É, pois, na expectativa quanto à orientação dessa evolução ideológica de Garoupa, que podemos tecer leituras múltiplas sobre o seu texto em que identifica a crise da direita com o momento da derrota do cavaquismo em 1995: “Esgotado o pacote dos fundos comunitários generosamente distribuídos, adiada a modernização das instituições, atrelada ao discurso social imposto pela esquerda, a direita limitou-se a gerir as suas oportunidades eleitorais sem qualquer programa reformista para Portugal.  (…)
E, mais adiante, continua com o diagnóstico de uma doença aparentemente incurável: “Desde 1995, a direita conseguiu duas vezes uma maioria para governar e falhou outras cinco. Duas em sete. Desde 1995, o PS foi sempre reeleito para governar um segundo mandato. A direita nunca foi. Ou seja, a direita só governa quando a esquerda apodrece no poder. E a direita nunca consegue manter a sua base eleitoral de apoio por mais de uma legislatura. A direita é governo por tempo limitado nos tempos mortos da esquerda. A direita é assim uma espécie de suplente da esquerda.”
Temos, pois, uma direita sem qualquer outro projeto, que não seja o acatamento dos ditames vindos das instituições internacionais, como se declinasse a ambição de ser governo soberano de um país, e aceitar, sem estados de alma, o papel de lugares-tenentes de causas alheias.
O perigo reside na possibilidade bem concreta de as esquerdas descansarem sobre essa ausência de discurso ideológico para também alienarem o seu. O perigo esteve perto, quando o PS esteve quase três anos no limbo de uma coisa informe e indefinida personificada no seu anterior secretário-geral.
Só sabendo muito bem o que quer, e como lá chegar - o que torna imprescindível uma análise permanente do contexto e a definição estratégica mais eficaz para nele neutralizar as ameaças e potenciar as oportunidades! - é que as esquerdas conseguirão a almejada transformação do país, governando-o por tanto tempo quanto merecer.

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