terça-feira, 23 de agosto de 2016

Problemas no Paraíso

Inicio agora a leitura de «Problemas no Paraíso», o livro que o filósofo Slavoj Žižek escreveu para abordar a nossa contemporaneidade em que, parafraseando Brecht, “o que é o roubo de um banco quando comparado com a criação de um banco?”
Nada pois que ver com «Trouble in Paradise», o filme que Ernst Lubitsch assinou em 1932, e em que os problemas do título tinham mais a ver com equívocos sexuais.
O Paraíso de Žižek era o que Francis Fukuyama anunciava como sendo o do fim da História por pressupor a aceitação universal do capitalismo liberal democrático como constituindo a melhor ordem social possível. Uma ilusão que até o seu proponente já abandonou!
Um bom exemplo do que poderia ilustrar essa Utopia neoliberal é a que se apresenta na Coreia do Sul, porém desmistificada por um texto de Franco Berardi: “o capitalismo high tech implica naturalmente um aumento constante da produtividade e uma intensificação incessante dos ritmos de trabalho, mas é também a condição que tornou possível um aumento impressionante da qualidade de vida, da alimentação e do consumo.” Mas “a intensificação do ritmo de trabalho, a desertificação da paisagem e a virtualização da vida emocional convergem para criar um nível de solidão e desespero que é difícil recusar e a que é difícil criar oposição de modo convincente.”
Os números são mais elucidativos quanto à colateralidade negativa de tal «Paraíso»: o suicídio é a segunda causa da morte dos cidadãos sul-coreanos abaixo dos 40 anos.
Uma constatação que temos de considerar nesta análise à forma tão globalizada de «paraíso neoliberal» é a capacidade de se acomodar a todas as civilizações, de cristãos a hindus e a budistas, de leste a oeste. Mais difícil tem sido a sua entrada nos países condicionados pelo islamismo: enquanto a ocidente essa modernização foi gradual a sua súbita aplicação a realidades muçulmanas causou reações de pânico, traduzidas no fundamentalismo que, mais não é do que “ a reafirmação psicótico-delirante e incestuosa da religião como a compreensão direta do Real divino, com todas as terríveis consequências que essa reafirmação traz consigo.”
Hoje estamos tão imersos na nossa realidade, que não a conseguimos ver no que tem de contraditório com tudo quanto dela deveríamos exigir. Somos capazes de achar risíveis as imagens de idolatria dos norte-coreanos pelos seus líderes, mas nós próprios revelamos idêntica submissão a rituais que conformam a aceitação de um sistema, que deveríamos constantemente subverter. 


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