sexta-feira, 17 de junho de 2016

O trágico efeito dos pasquins

Se há uns anos costumava azucrinar a cabeça dos trabalhadores, que chegavam à empresa de que era diretor, com o «Correio da Manhã» debaixo do braço, não era só porque tinha a perversa satisfação de começar o dia a manifestar-lhes a relação hierárquica, que subjazia à nossa convivência.
Pelo contrário: embora não enjeitando essa realidade na vida da empresa, o que me indignava era o acederem com tal facilidade ao veneno neles instilado por um tipo de desinformação, que os tenderia a aceitar mais facilmente um estado de coisas, que já se adivinhava vir a ser o da perda de direitos e remunerações, que um outro quadro político prometia. E, no entanto, alguns deles até se diziam votantes no Partido Comunista.
Só que, por essa altura, já podia atirar-lhes com o exemplo francês em que muitos dos anteriores apoiantes do Partido de Maurice Thorez e Georges Marchais eram os mesmos que, chegados ao fim da carreira profissional, aderiam em massa às teses da família Le Pen.
Se continuo a ter uma antipatia extrema pelo pasquim matinal da Cofina não é apenas pela perseguição execrável, que assumiu para com José Sócrates, cuja condenação no imaginário coletivo dificilmente se apagará por muito que procuradores e juízes venham a reconhecer, que estavam «equivocados» e não tinham motivo algum para o porem na condição de arguido, quanto mais para o prenderem durante quase um ano.
O que o «Correio da Manhã», e já agora os programas televisivos dos canais generalistas apresentados de manhã e depois do almoço mais fomentam, é essa cultura de analisar os acontecimentos e as realidades de cada momento de uma forma manifestamente primária e preconceituosa. O recente episódio de uma taróloga a aconselhar uma espectadora a reagir às agressões do marido com mimo, mais não constituiu do que uma caricatura aproximada de uma normalidade discursiva, que se replica em muitos outros exemplos.
Tudo isto tem a ver com o cobarde assassinato, que vitimou a deputada trabalhista Jo Cox e resultou da campanha de ódio perpetrada diariamente pelos «Correios da Manhã» ingleses. Mesmo com provas evidentes de que ficarão mais pobres, e provavelmente mais sozinhos - já que a Escócia não tardará a dissociar-se do Reino Desunido para manter as vantagens de integrar a União Europeia - os ingleses acolherão muito provavelmente as teses do UKIP e de Boris Johnson, votando maioritariamente pela saída. Esses jornalecos poderão congratular-se com o sucesso da sua persistente tarefa de alienação, mas não se livrarão de serem moralmente cúmplices do crime que matou uma mãe de duas crianças, cujo «crime» seria, a ser ver, o de apoiar os refugiados a quem muitos dos seus manipulados leitores não enjeitariam aplicar uma reedição da «Solução Final».
Porque importa evitar que esse horror atinja idêntica dimensão no nosso país deveremos manter um ataque cerrado ao tipo de imprensa, que visa impor uma agenda ideológica de caracter fascizante. Às vezes podemos pensar, que dar muita importância a tais pasquins, só os ajuda a sentirem-se mais fortes na influência que criam, mas esse é um falso argumento: já que a Entidade Reguladora da Comunicação Social não cumpre a tarefa de castigar os permanentes atentados ao código deontológico, que esses insultos em forma de papel constituem, denunciá-los é tarefa quotidiana. Para que não se repitam crimes como o que marcou ontem a campanha eleitoral para o referendo da próxima semana.

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