domingo, 15 de maio de 2016

Sonho californiano em perigo de extinção?

A Califórnia não é um Estado como os outros. Na cultura popular, constitui um dos mais fortes símbolos do sonho americano, muito embora sobre ele pairem sérias ameaças.
Fazendo fronteira a sul com o México e banhada pelo Oceano Pacífico tem a capital administrativa em Sacramento e estende-se por 400 mil km2, vivendo aí 39 milhões de habitantes.
Em 2015 o PIB era semelhante ao da França atingindo os 2300 milhões de dólares, que só por si correspondiam a 13% do total desse indicador para o conjunto dos Estados Unidos.
 Se fosse independente a Califórnia seria, hoje, a 8ª maior potência mundial, atrás da França, mas acima da Índia e da Rússia.
Para a sua importância económica influem diversos fatores, a começar pela localização geográfica, que a torna ideal para as trocas comerciais com a América do Sul e com os países asiáticos. Hoje os portos de Los Angeles e de Long Beach são os que movimentam maiores volumes de carga do país, nomeadamente no tráfego de contentores.
Há também o clima favorável que possibilitou transformá-la no Estado com maior produção agrícola dos EUA, particularmente em fruta e viticultura. 90% da produção de vinho nos EUA vem daqui.
O turismo é outro dos motores da economia californiana, com estações balneárias (Santa Mónica), de ski (Bear Mountin), parques nacionais (Yosemite) de atrações (Dysneyland) e paisagens urbanas (San Francisco). Em 2014, a Califórnia atraía 1/5 das receitas turísticas norte-americanas num total de 7 milhões de visitantes.
O clima também explicou que a indústria cinematográfica se tivesse aqui vindo instalar no início do século XX. Os principais estúdios continuam localizados em Hollywood, um dos bairros de Los Angeles.
Perto de San Francisco fica o influente Silicon Valley , onde se concentram as principais indústrias de high tech, que concentram cerca de 1,5 milhão de empregos. Este polo de desenvolvimento concentrou-se em torno de Stanford, uma das principais universidades dos EUA e representa um dos exemplos mais eloquentes da conjugação da investigação com o risco, do empreendedorismo com a inovação, incluindo os novos recursos em energias renováveis e biotecnológicos.
Toda esta realidade conjugou-se com os avanços culturais e sociais simbolizados em San Francisco, onde surgiram sucessivamente os movimentos da beat generation, dos hippies, do free speech (em nome da liberdade de expressão nos campus universitários), dos Black Panthers, ou da cena gay do bairro Castro.
Se a maioria desses movimentos estão inativos, permitiu à cidade manter a reputação de vanguardista. Em 2008 foi o 2º Estado Federal a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e em 2015 passou a reconhecer o direito ao suicídio assistido.
Foi essa abertura e dinamismo económico, que atraiu gente de todas as latitudes, quer internas, quer do estrangeiro, em busca do sonho americano.
O fenómeno data de há muito, conhecendo acelerações e travagens em função de fenómenos específicos: a corrida ao ouro a meio do século XIX, a migração dos agricultores do Oklahoma nos anos 30 depois de arruinados pela Grande Depressão e a chegada maciça de emigrantes da América Central e do México a partir dos anos 60. O resultado foi ter-se tornado no Estado mais multicultural dos Estados Unidos.
Em 2014 os Brancos representavam 38,5% da população, menos do que os latinos (38,6%). Os asiáticos eram 14,4% enquanto os afroamericanos só constituíam 6,5%.
Este multiculturalismo teve um impacto na vida política. Em 2005 Los Angeles teve o seu primeiro Presidente da Câmara de origem hispânica, António Villaraigosa e em 2011, San Francisco teve o primeiro mayor norte-americano de origem asiática, Edwin M. Lee.
Este multiculturalismo não significa, porém, uma coabitação pacífica entre as diversas comunidades: recusando a miscigenação com as outras etnias os Brancos endinheirados foram fixar-se nos condados mais a norte e a leste do Estado, deixando os do sul para esse caldo de culturas.
No plano político isso traduziu-se em 2012, durante a eleição presidencial, na opção republicana no nordeste e na dos Democratas a sudoeste.
Quando se trata da emigração ilegal as divergências de opinião agudizam-se tanto mais que o fenómeno já abarca cerca de 2,5 milhões de pessoas. Daí o ter-se construído o ignóbil muro de separação na fronteira com o México.
Para além dessa segregação entre etnias, vigora igualmente a que se verifica entre classes sociais. A Califórnia é o Estado onde são maiores as desigualdades, com um número significativo de multimilionários (111), enquanto 16% da população vive na pobreza. Existem, portanto, grandes mansões para os que tudo têm e bairros da lata para os que não atingem um padrão mínimo de sobrevivência.
Os riscos que pendem sobre este sonho americano não se limitam aos suscitados pelas desigualdades. Há, igualmente, que contar com a probabilidade de catástrofes naturais, sobretudo sismos, provocados pela diversas falhas tectónicas que percorrem o Estado de norte a sul, sendo a principal a de San Andreas. Por isso os habitantes vivem sempre na expectativa do Big One, um sismo da dimensão destruidora do de 1906. Ora, tendo em conta a atual densidade da população, ele seria devastador.

Pode-se, igualmente, ponderar nos efeitos da atividade humana, e muito em particular da seca. Os recursos hídricos do Estado e os seus lençóis freáticos estão exauridos pelo consumo excessivo, sobretudo na agricultura. Os impactos no ambiente são enormes com incêndios e a progressiva aridez dos solos. Dai que, há já alguns anos, que vigora um sistema de racionamento para as urbes e para os agricultores, insuficiente para a maioria dos especialistas, que preveem a iminente mudança do modo de vida californiano.
Resumindo: de um lado temos dinamismo económico, criatividade, multiculturalismo e vanguardismo nas ideias. Mas este eldorado está reservado a uma percentagem irrisória de uma elite, de que se vê ostracizada a maioria da população. As desigualdades aumentam, o que leva a colocar-se a dúvida quanto à sustentabilidade deste modelo no plano social, político e ambiental.
Não é uma questão académica a de se prever no que se tornará a Califórnia quando esgotar todas as suas reservas de água. Razões para acreditar que o sonho, que ela ainda representa, é muito frágil.

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