terça-feira, 31 de maio de 2016

É mandá-los ali para os lados dos Restauradores!

1. Sei que, com os meus mais de cem quilos, tenho pouca legitimidade para falar criticamente do assunto, mas a verdade é que o estudo agora conhecido sobre a saúde dos portugueses aponta a obesidade como um dos seus principais problemas: 2/3 dos adultos apresentam excesso de peso, quase o dobro do que se verificava há uma década. Os especialistas explicam essa alteração como o efeito da crise entretanto vivida, porque a comida mais barata é também a mais desequilibrada caloricamente. Mas há quem conteste essa relação causa-efeito e, de facto, o terço de peso que carrego a mais nos ossos explicar-se-á, igualmente, por razões genéticas. Muito embora deva reconhecer que deveria ser mais regular no exercício físico e não me mostrar tão dependente do consumo dos doces. Mas, agora, que chega a época farta dos gelados, como resistir-lhes?
2. No relatório agora emitido pela Walk Free Foundation, Portugal subiu 35 lugares no ranking dos países com maiores índices de escravatura: em 2015 existiriam 12 800 pessoas sujeitas a essa forma odiosa de exploração no nosso país, enquanto em 2014 eram “apenas” 1400.
De entre os 165 países analisados Portugal ocupa agora o 122º, quando era o 157º no ano anterior.
Embora reconheça que, atualmente, o país é dos que maior esforço está a investir para combater o fenómeno, com legislação adequada e o seu Observatório do Tráfico de Seres Humanos, esse retrocesso leva Fiona David a sugerir uma maior pressão do governo junto das empresas a fim de as dissuadir de recorrer a este tipo de mão-de-obra. E não é, propriamente, por ela estar escondida: ainda hoje, durante uma reportagem televisiva sobre a colheita de cerejas na zona do Fundão, constatava-se que os operários agrícolas eram todos asiáticos.
Não seria avisado que a Inspeção Geral do Trabalho fosse verificar in loco as condições contratuais em que eles ali estão comprometidos?
3. Não deixa de ser curiosa a desculpa da tia Jonet a respeito da quebra em 8% das dádivas agora conseguidas com a mais recente recolha de alimentos para a sua organização caritativa. Segundo ela tudo se explicaria pelo facto de ter sido «ponte» e as pessoas terem acorrido em menor número aos hipermercados.

Ora, se a reacionarice não lhe tiver toldado de vez a cabeça, a “caridosa” criatura já deverá ter percebido, que os portugueses estão cada vez menos dispostos a contribuir para uma campanha destinada a permitir às Sonaes, Pingo Doces & Cª o aumento significativo dos seus lucros e do esvaziamento dos seus armazéns, ao mesmo tempo que alivia a consciência de quem olha para os pobrezinhos com o filtro da sua mente assistencialista.
Em definitivo não é com ações caritativas, que se resolvem os problemas da pobreza! Torna-se  necessário, mudar o tipo de sociedade em que vivemos. Mas isso constituiria para as jonets deste país um terrível pesadelo...
4. Basta ver o vídeo que anda a correr nas redes sociais com entrevistas aos participantes no pequeno foco epidémico de domingo no largo entre a Rua de São Bento e a D. Carlos I, para perceber o que lhes ia nas mentes. Não é preciso nenhum comentário, nem explicação: a verborreia troglodita assume tal dimensão, que se compreende bem como nesses defensores de 3% dos colégios privados do país se concentra um exacerbado núcleo de gente de extrema-direita.
Daí que esteja com alguma curiosidade em saber se António Costa acede ao pedido de receber os seus líderes, depois de Alexandra Leitão ter dado o assunto como encerrado. É que, na forma como tudo evoluiu nos últimos dias, o mais asizado seria mandá-los passear até aos Restauradores na esperança de aí encontrarem a placa de toponímia, que mais se lhes ajusta: a Travessa do Fala-Só.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Amarelices e assuncices

1. É no mínimo curiosa a argumentação de Inês Melo Sampaio no site «Geringonça», que alerta para a possibilidade dos colégios, objeto de apoios no âmbito dos contratos de associação, poderem estar a incorrer numa violação dos Tratados Europeus, mormente no que diz respeito às leis sobre a concorrência que, em última análise, os colocaria perante o risco de terem de devolver os muitos milhões de euros recebidos nos últimos anos.
A própria troika já identificara a situação e impusera no memorando de entendimento que tais apoios ilegítimos fossem reduzidos ao mínimo, algo que Nuno Crato ostensivamente ignorou.
O texto, nada inocente, intitula-se: «Alerta amarelo, quem tudo quer, tudo perde» e prefigura uma linha de contra-ataque muito viável, se a contestação não acabar por aqui, como anunciou a secretária de Estado ao concluir que, para o Governo, o assunto era caso encerrado.
Como a direita, e sobretudo a Igreja, andam totalmente atoleimadas atrás de fundamentações, que caem facilmente pela base, ainda não é certo, que ganhem juízo e assumam a regra de qualquer negócio: se tiverem clientes seguem em frente, se os não tiverem abrem falência.  Agora não podem é esperar que seja o Orçamento a continuar-lhes a pagar direitos que as leis nacionais e europeias não lhes reconhecem.
2. A intervenção da Igreja Católica, através da sua Conferência Episcopal, também anda a merecer uma reação contundente dos contribuintes. Afinal se todos os portugueses estão sujeitos ao pagamento do IMI, porque deverá o clero ser dele isento? Quantos milhões estão eles a custar ao erário público com essa benesse, que não se justifica de forma convincente?
Ainda se seguissem o avisado conselho do Papa Francisco e, em vez de se preocuparem com a educação dos betinhos, fossem abrir escolas gratuitas em bairros desfavorecidos onde as crianças pudessem apenas preocupar-se com a aprendizagem, ainda reconheceria o serviço público que prestariam.
Ora, qual é o benefício que as comunidades possuem de ter igrejas no seu seio? Poupanças no psiquiatra, porque a fé significa paliativo mais ou menos razoável para as depressões? É uma hipótese. Mas, mesmo esse serviço às populações deverá ser prioritariamente canalizado para o Serviço Nacional de Saúde. Ou não será?
3. Para quem pudesse ainda ter alguma ilusão quanto à possibilidade de Assunção Cristas representar algo de novo num partido a viver a orfandade do seu putativo inspirador, as declarações e o comportamento da líder do CDS têm suscitado adequado esclarecimento.
A mais recente estratégia assenta nesta lógica: se a realidade não se ajusta aos seus argumentos, faça-se como ela não existisse e prossiga-se em frente. Foi o que sucedeu com a imaginativa sugestão de fechar escolas públicas para garantir a viabilidade das que, privadas, estão mesmo ali ao lado.
É claro que a Constituição proíbe liminarmente essa hipótese, mas para quê nela atardar-se se a convicção com que se dizem as atoardas até a parecem cumular de razão?
Mas, não se ficou por ai, nestes últimos dois dias: cuidando de se pôr em bicos dos pés em frente à minúscula Merkel, para por ela conseguir ser vista, veio ufana desmentir o otimismo de Marcelo algumas horas antes e fazendo depender do comportamento do governo de António Costa a decisão de sanções, ou não, quando o assunto voltar à baila em julho.
Algo assim do género: retome ele a receita passista-portista, que pôs na gaveta e Merkel será magnânima. Caso contrário, lá virá mais uma versão atualizada da história de Pedro e do Lobo.


Um mentecapto persistente

Numa das minhas publicações de leitura semanal obrigatória - a revista «L’Obs» - dou com um destaque imerecido ao orelhudo, que se julga escrevinhador, e anda a testar a nossa paciência com teses cada vez mais imbecis.
Para vender os seus livros quis convencer os entrevistadores da publicação francesa, em como se socorreu da colaboração de um lugar-tenente de Bin Laden, do qual teria recebido as informações necessárias para credibilizar as suas alucinadas teorias. Teria assim garantido que a organização terrorista já validara tudo quanto concebera na sua intrincada imaginação.
O que se anda a passar com tão estulta figura vai atingindo a dimensão do patético, levando-nos a crer que não faltará muito para igualar a de outro seu confrade conhecido por, segundo a lenda, fazer reportagens empolgantes da Guerra do Golfo Pérsico, diretamente da impressionante paisagem do deserto … do areal do Guincho.
A capacidade para manipular a realidade e julgar assim vertê-la de uma forma mais condizente com os seus preconceitos ideológicos, é a mesma, porventura com resultados igualmente desvairados.
Mas se sinto a tolerância esgotar-se é por, no mesmo dia, dar com um artigo de “opinião” do mesmo néscio a convidar os leitores a lerem-lhe os romances para “compreenderem”, que a origem do fascismo teria estado no marxismo.
É óbvio, que não insultei a minha inteligência a aprofundar-lhe a inépcia da argumentação, mas nem lhe darei o gosto de ganhar um cêntimo, que seja com aquele convite à leitura, nem muito menos continuarei a deixar de fazer zapping, sempre que o vejo surgir nos ecrãs.
Sem ignorar que o marxismo deu origem a terríveis perversões durante algumas das suas aplicações durante o século XX - que lhe deram imerecida e lamentável má-fama nalguns círculos intelectuais -, esse pensamento nunca poderá ver-se-associado aos crimes cometidos por Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e outros biltres da mesma cepa, que tinham, pelo contrário, um ódio de morte a tudo quanto significasse luta de classes. Que é igualmente o que parece assustar tanto o mentecapto...

A fútil passeata ictérica até São Bento

Era então essa a tropa ictérica, que se dirigia para a manifestação de defesa de interesses privados na Educação? Cruzei-me com ela em Alcântara, quando ia para a Cordoaria para o último dia da ARCO em Lisboa e essa procissão de carros e de autocarros com betinhos seguia em sentido contrário para a concentração, que se adivinhava concorrida.
Mas a questão, que se me colocou nesse momento, foi esta: quando for à resposta, marcada para 18 de junho, ainda estaremos em tempo útil para surtir algum efeito? É que o evento deste domingo teve todo o sintoma do misterioso fulgor do moribundo antes de fenecer de vez.
Esgotados os argumentos com imediata rejeição maioritária dos que defendem que quem quer colégios privados paga-os. Abandonados pelos partidos da direita, que nem sequer levantaram a questão no debate quinzenal e se fizeram representar nas escadarias de São Bento por segundas figuras. Desmentidos pelo Tribunal de Contas, que rejeitou a leitura enviesada que tinha sido feita de um dos seus documentos de trabalho. Corrigidos por Marcelo Rebelo de Sousa, que deu conta do incómodo de terem vindo para a rua contar as conversações amistosas, que tinham tido com ele.  Tudo situações, que prefiguram a morte anunciada deste movimento.
A escolha de São Bento até fez lembrar aqueles despeitados, que ali mesmo se concentraram seis meses atrás para protestar contra o derrube do aborto em forma de governo de Passos Coelho. Eles ladraram, ladraram, mas a caravana da Geringonça lá passou avec élégance…
Nesse aspeto António Costa tem revelado uma frieza admirável: sabendo que o tempo corre sempre a seu favor, mormente com o fim do ano escolar, goza antecipadamente a vitória política, que lhe reforça a autoridade.
Dirão os derrotados, que ainda contam com os tribunais, com o cardeal Clemente e com a pressão da aceitação de novas matrículas para os anos do início de ciclo. Mas, que a tal se arrisquem, porque tão-só faltem os cheques das verbas agora recusadas, e ei-los a pressionarem os papás dos petizes para que lhes paguem as devidas propinas. Será interessante constatar que apoio então merecerão dos que ainda conseguiram arregimentar desta vez.
De qualquer forma no dia 18 lá estarei a dar o corpo ao manifesto pela defesa da Escola Pública. Just in case e mesmo sabendo que, com este Governo, ela estará superiormente defendida...

domingo, 29 de maio de 2016

A uma semana do Congresso

Antecipando o Congresso do Partido Socialista do próximo fim-de-semana a jornalista do «Público» São José de Almeida foi ouvir vários testemunhos dos que militam no partido ou o olham de fora com a perspetiva analista de quem está à direita (Rui Ramos) ou à esquerda (Pedro Adão e Silva).
A questão subjacente que se coloca nessa leitura é esta: estamos perante o mesmo Partido de Mário Soares, António Guterres ou José Sócrates, ou, pelo contrário, António Costa personifica uma rutura com o passado e algo de novo na sua identidade?
O primeiro-ministro não assume essa descontinuidade, considerando que “a síntese de António Guterres há 20 anos é a que todos os líderes do PS têm seguido, moldada pela personalidade de cada um e pelas conjunturas, mas a matriz é essa.”
Por seu lado Graça Fonseca, secretária de Estado da Modernização Administrativa, parecendo dizer o mesmo - “há uma camada identitária do PS que mudou pouco em quatro décadas, o PS tem um fundo de valores que são estruturais e permanecem, são eles a defesa da liberdade, da igualdade de oportunidades, dos serviços públicos” - toca no verdadeiro busílis da questão: “os partidos também sofrem o impacto da globalização, das conjunturas.”
Foram de facto as mudanças verificadas externamente, que estimularam a verificada no Partido Socialista: o fracasso da Terceira Via, que sustentara ideologicamente os governos de Guterres e de Sócrates , conduziu à crise das sociais-democracias, com a maior parte dos partidos europeus dessa matriz ainda a não terem conseguido livrar-se dessa ilusão apesar de verem os eleitorados extremarem-se, abandonando o centro de que eles se arrogavam fiéis representantes.
É o que constata Pedro Adão e Silva: o arco da governação existia porque havia eleitorado do centro”, o qual está “em erosão por toda a Europa, afastou-se e a única forma de reconstruir um espaço de compromisso é através da cooptação dos extremos”.
Foi o entendimento de tal situação, que terá levado António Costa a entrar em rutura com o beco sem saída para onde Seguro conduzia o partido. Não colocando em causa o memorando da troika e jamais assumindo um discurso de rutura com a austeridade, o anterior secretário-geral não intuiu o quão obsoleto estava já a ser o seu posicionamento político. Algo que continua a ser replicado por um Francisco Assis, como se pode ler nas entrevistas por ele dadas esta semana ao «Diário de Notícias» e ao «Expresso», em que é manifesta a vontade de devolver o PS à tal condição de charneira sem entender que quem nela se reconheceria já lá não está.
O Congresso da próxima semana será, pois, o da consagração do Partido Socialista como o líder do espaço da esquerda plural em Portugal, de acordo com algumas das principais características a ele trazidas pela renovação geracional, como nele deteta o mesmo Pedro Adão e Silva: “um europessimismo e um euroceticismo camuflado”.
Nos próximos anos, ou as esquerdas mantém-se inteligentemente unidas nos mínimos denominadores comuns, que segregam a direita para franjas sociais e políticas inoperantes, ou permitirão, que ela renasça qual fénix moribunda e volte a revelar a sanha predadora, que tem demonstrado para com o que ainda sobrevive como classe média.
Esperemos, igualmente, que os partidos socialistas e sociais-democratas europeus aprendam alguma coisa com o pioneirismo português e consigam voltar a ter, no plano europeu, e até mundial (vide as propostas de Bernie Sanders nos Estados Unidos) a relevância merecida.

A atualidade do Elogio da Dialética

Há um poema de Bertolt Brecht, que mantém a sua plena atualidade, apesar das décadas já decorridas desde que ele o escreveu. É o «Elogio da Dialética».
Ao vermos as cenas provenientes de França em que um governo «socialista», quer impor uma lei laboral, que determina o funeral dos direitos dos trabalhadores reconhecidos em convenções coletivas e lhes acena com a precariedade como incontornável fatalidade, só podemos dar razão ao diagnóstico, que o dramaturgo e poeta alemão faz nos seis primeiros versos:
A injustiça avança hoje a passo firme;
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo.
Se ouvirmos os opinadores das nossas televisões ou os dijsselbloems, que sem os termos elegido, se atrevem a pôr e dispor sobre que tipo de governação deveremos ter, podemos ser levados a crer na futilidade dos nossos esforços para que as coisas mudem, e deixem de continuar a ser como são. Seria a atitude dos oprimidos que baixariam os braços e concluiriam:  Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Mas Brecht apressa-se a considerar que, depois de falarem os dominantes/ falarão os dominados, prosseguindo:
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
Será crença utópica? Nem pensar. Senão esquecemos os que, de entre nós, andámos a temer nos inícios da década de 70, que o marcelismo se aguentasse tanto como o salazarismo e o vimos ruir na manhã clara de Abril do nosso deslumbramento,
Que dizer de Mandela, que terá decerto pensado muitas vezes, que morreria atrás das grades da prisão da Ilha de Robben e ainda conseguiu ver o apartheid deixar de existir.
E pegando na sugestão do escritor Eduardo Pitta, o primeiro a assinalar a importância da série «Uma Aldeia Francesa» em exibição no segundo canal da RTP, quantos resistentes passivos ou ativos à ocupação nazi e ao colaboracionismo de Vichy terão desesperado com a falta de motivos para considerarem exequível a Libertação que veio a ocorrer, transformando em criminosos passíveis de pena de morte os que, durante quatro anos os terão fustigado com o seu poder aparentemente absoluto? 
Em todas essas situações os poderes, que pareciam impossíveis de derrubar, acabaram tombados como se fossem castelos de cartas.
É isso que pode acontecer a breve trecho com uma União Europeia, onde Schäuble & Cª parecem de pedra e cal. Mas, na realidade, as ameaças ao statu quo - com a ascensão da extrema-direita, a estagflação e os refugiados - obrigarão os democratas a arrepiar caminho e a deitar às malvas as falsas soluções neoliberais.
Em Bruxelas e em Estrasburgo já muitos reconhecem a iminência do fim de um ciclo, com algo a mudar por pressão de uma dinâmica, que os líderes do PPE não conseguirão travar.
É que a receita até continua a existir no modelo escandinavo de maior participação cívica dos cidadãos, da importância aí conferida às forças sindicais, dos níveis mais baixos de desigualdade e da incomparável prosperidade económica.
Os últimos anos demonstraram à saciedade o que resulta da desregulamentação financeira e da crença estúpida na tal mão invisível dos mercados.
É tempo de recuperar o prestígio do Estado defendendo sem medos uma sua maior intervenção na economia. Só ele é capaz de criar as condições para uma distribuição mais justa da riqueza produzida, para criar serviços públicos efetivamente ao serviço dos cidadãos e para investir no sentido da correção das assimetrias regionais e sociais.
Ao contrário do que defendem os franciscos assis, cuja permanência no PS só se explica pela capacidade de sabotagem, que ainda se julguem capazes de fazer, importa acabar com a ortodoxia dos que, à esquerda, continuam a crer na bondade da ação dos mercados quando eles parecem tomados de uma crise incurável para a qual nenhum guru parece encontrar cura.
No fundo vale a pena propor as soluções que já muitos andam a considerar como as mais prometedoras: a implementação de um programa assente no marxismo devidamente atualizado às circunstâncias do futuro próximo. Porque, afinal, a história dos povos continua a ser a da luta de classes... 

sábado, 28 de maio de 2016

O Tio Sam nunca perdeu os seus hábitos

José Goulão sempre tem sido um jornalista, que me tem merecido particular atenção apesar de ter sido saneado das publicações dos grandes grupos económicos por não se enquadrar no tipo de discurso ideológico por eles pretendido.
O afastamento compulsivo de profissionais competentes para dar lugar aos que se mostram entusiasmados na condição de “their masters’ voices” foi um fenómeno, que se acentuou na última década com os meios de comunicação cada vez mais concentrados nas mãos de um grupo reduzido de proprietários - Balsemão, SONAE, Igreja Católica, Cofina, plutocratas angolanos .
A tribuna de José Goulão passou a ser o seu blogue - «Mundo Cão», acessível na plataforma «A Viagem dos Argonautas» - onde podem ser lidas algumas opiniões distintas das dos lugares-comuns vigentes nas publicações donde foram expurgadas.
Em texto recente ele anota a coincidência da atual embaixadora norte-americana em Brasília, Liliana Ayalde, ser a mesma, que estava colocada no Paraguai, quando ali se deu o impeachment do presidente Fernando Lugo, o primeiro democrata a assumir a função depois da queda da ditadura de Stroessner e seus descendentes. Aconteceu em 2012 e acabava assim com uma experiência governativa, que suscitara as maiores reservas em Washington, por se tratar de algo assumidamente de esquerda no antigo quintal do tio Sam.
Sabemos que Dilma era vista pela Administração Obama com a mesma desconfiança ao ponto de ter sido uma das chefes de Estado comprovadamente espiadas pela NSA em tudo quanto eram as suas comunicações.  Agora, por singular “coincidência”, viu-se sujeita ao mesmo destino do antigo presidente paraguaio e com a mesma embaixadora.
E para que essas similitudes ainda mais surjam como singulares, enquanto o governo de Dilma foi substituído por uma quadrilha de corruptos, Lugo viu-se sucedido por Horacio Cartes, um banqueiro acusado de lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico, sem que isso levante quaisquer escrúpulos nos que precipitaram a sua ascensão ao poder.
A máscara de Obama há muito caiu, desiludindo os que acreditaram na possibilidade de ele fazer alguma diferença em relação ao comportamento assumidamente imperialista do seu país. A CIA aumentou a sua atividade, a NSA prosseguiu a espionagem global e fez de Snowden um perpétuo foragido, a indústria do armamento fatura como nunca (agora até no Vietname  encontra promissor mercado!) e Wall Street vai preparando novas bolhas especulativas, que enriquecerá os mesmos do costume e massacrará novas gerações de inocentes.
Na América Latina, depois de um conjunto de viragens à esquerda, que pareceriam mudar de paradigma a realidade do continente, as ayaldes a soldo do Departamento de Estado já conseguiram reverter as situações políticas em Assunção, Buenos Aires e Brasília, não tardando a repeti-lo em Caracas.
Goulão coloca pergunta pertinente no final do seu artigo: para onde seguirá a seguir esta embaixatriz especialista em golpes de low profil? Para La Paz, Quito, Montevideu?

Seis meses e um dia depois

1. Alguns dos momentos de maior satisfação das últimas semanas coincidem com os debates quinzenais da Assembleia da República, com António Costa a mostrar que, além de excelente negociador e de possuir um projeto consistente para o futuro do país, também se revela um excelente tribuno, capaz de desbaratar as pífias intervenções da direita parlamentar.
Por muito que nos dê muito jeito uma oposição incapaz de sair da sua lógica maledicente sem revelar nenhuma ideia alternativa aproveitável para o futuro dos portugueses, não deixa de ser triste, que uma parte significativa do espectro político leve a mediocridade a níveis ainda mais baixos do que nele há muito costumamos constatar.  É que olha-se para aquela corte, que rodeia Passos Coelho e os risos alarves ali constatados, são os que qualquer fisionomista não duvidaria em situar no grupo dos idiotas. Ouve-se Assunção Cristas e só se pode imaginar o que ela era, décadas atrás, quando adolescente deveria querer sobressair dos colegas de liceu como uma chica-esperta. Tantos anos depois ainda não conseguiu amadurecer o bastante para se livrar desse tom pespeneta, que irrita e nada diz que se aproveite.
A continuar assim, este governo arrisca-se a passar estes quatro anos a só contar como verdadeira oposição a que vem das instituições europeias e ver as bancadas parlamentares da direita como meras correias de transmissão desses interesses externos.
2. O acordo conseguido pela ministra Ana Paula Vitorino ao estabelecer a paz social entre os operadores portuários e os estivadores é mais uma demonstração da regra: a direita critica, o governo age e resolve.
Nesta altura deve haver uma certa confusão na cabeça de muitos opinadores da direita e de muitos empresários com ela conotados, porque se há algo de que a economia carece para funcionar é de quem crie as condições para a resolução dos potenciais conflitos sociais. Ora, enquanto o PSD e o CDS apostariam na conflitualidade, que pusesse em causa a estabilidade governativa, esta vai-se consolidando com demonstrações sucessivas de existência de quem mostra capacidade e vontade para resolver os problemas em vez de, como sucedia anteriormente, atirá-los para debaixo do tapete a ver se eles se resolviam por si mesmos.
3. O «Expresso» parece ter aberto uma nova secção semanal em que “socialistas” com algum nome fazem o frete de dizer mal de António Costa e do atual governo.
Na semana passada foi Sérgio Sousa Pinto, hoje será a vez de Francisco Assis a cumprir tão triste figura. Não é preciso ser um grande adivinho, quais os nomes que se seguirão: há ainda uns tantos ressabiados dentro do Partido Socialista com o sucesso da «geringonça»!
É claro que são muitos os militantes que colocam a questão: o que é que eles ainda fazem dentro do Partido? Não seria mais avisado, que transitassem para um dos partidos da direita, onde as suas ideias poderiam ser bem melhor aproveitadas? É que, com o vazio ali a imperar, sempre poderiam vir a ser reis em terra de cegos!
4. Um comentário final para o balúrdio de dinheiro posto à disposição de Mourinho para contratar reforços para o Manchester United. Mais do que o orçamento anual do Ministério da Cultura ou do Hospital de Santa Maria. Se isto não é uma enorme obscenidade, não sei o que será...

sexta-feira, 27 de maio de 2016

As contas que queremos conhecer

Há guerras lançadas pelo jornalista José António Cerejo, que me têm desagradado profundamente - não esqueço algumas das suas campanhas contra os governos de José Sócrates! - mas outras em que elas fazem todo o sentido. É o caso da que agora parece encabeçar pelo cumprimento do decreto de 2014, obrigando as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) a publicitar até 31 de maio de cada ano, as contas respeitantes ao ano anterior.
Essa legislação justificava-se em nome da transparência da gestão das sociedades coletivas pois se quisermos conhecer as contas de todas as empresas privadas elas são-nos acessíveis através das conservatórias do registo comercial.
Não se compreende assim que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social entenda que as contas das IPSS são “confidenciais”, por serem de “natureza estritamente privada”.
Ora são muitos os portugueses, que gostariam de conhecer a utilização dos dinheiros públicos, que financiam essas instituições, assim sujeitas às dúvidas legítimas quanto à sua boa gestão. Até porque, muito provavelmente, residem neste setor muitos dos interesses privados, que andam a viver à custa do Orçamento do Estado com as rendas, que este lhes propicia.

Seis meses depois!

Os seis meses de governo, que se comemoraram ontem, nem me souberam a pouco, nem me souberam a tanto, parafraseando uma canção do Sérgio Godinho. Fiquei assim a meio, satisfeito quanto baste, ou seja aliviado por nos termos libertado da tralha direitista, mas inquieto por ver o mar ainda mais alto do que a terra nas questões da conjuntura externa e do peso da dívida, sem que se vislumbrem condições favoráveis para as subalternizar.
Enfrentando uma pesadíssima herança - qual o Executivo, que recebeu logo, para as primeiras impressões, um Banif? - a equipa liderada por António Costa esteve a apagar sucessivos fogos e a cumprir, na medida do possível, as promessas eleitorais e os termos dos acordos firmados com as demais componentes desta esquerda plural.
Nesse sentido esteve bem, até na forma como rapidamente resolveu momentos mais delicados como o foram a substituição de João Soares ou das chefias militares solidarizadas com a homofobia no Colégio Militar. No entanto tem sido assaz prudente na substituição de responsáveis da Administração Pública ali deixados pelo governo anterior e cuja ação de travagem às mudanças não devem ter sido, até agora, de escamotear...
O maior problema é não ter ainda havido a capacidade de criar uma base social de apoio suficientemente militante para contrariar na rua a mobilização, que a direita, conjugada com a Igreja e os media, consegue através dos ictéricos.
Basta ler os textos de um Francisco Assis, de um lado,  ou da líder da moção ao Congresso do Bloco de Esquerda, que tentará contrariar a linha seguida por Catarina Martins, do outro lado, para perceber que o cimento aglutinador desta esquerda ainda é muito frágil. No seu seio permanecem vozes, que vão muito além da legítima discordância, e se colocam no terreno da explicita sabotagem.
Aquilo que se sente em muitos dos apoiantes do atual governo é essa perplexidade por manter-se a política exclusivamente vivida no parlamento, no governo e em conferências ou seminários para uma exígua minoria de participantes, quando se desejaria ver, por exemplo, o atual conflito com os colégios privados, traduzidos em fliers explicativos sobre a defesa da Escola Pública, a serem abundantemente distribuídos nos meios de transporte e nas avenidas e praças das grandes cidades. Ou as explicações sobre quanto a vida do comum dos mortais melhorará substantivamente com a implementação das duas centenas e meia de medidas do Simplex +.
É dos livros, que uma política de sucesso tem de ser acompanhada de marketing adequado, não bastando os sinais trazidos por sucessivas sondagens, que vão apontando para um apoio crescente no eleitorado. E se se deserta das ruas, o vazio nelas criado é ocupado por quem nelas deveria andar mais recatado: é por sentirem essa militância pífia em torno deste governo, que os contestatários - apenas 3% do universo, que dizem representar! - se atrevem a sentir-se com força para virem para a rua alegar as suas falaciosas teses.
António Costa tem razão, quando prioriza a ação e o cumprimento da palavra dada e estigmatiza as falsas promessas em que Passos Coelho era tão pródigo. Mas algo tem de ser feito para contrariar eficientemente a barragem de desinformação, que rodeia mediaticamente o seu governo. Porque se houve algo que precipitou a queda de Dilma Rousseff foi ela nunca ter conseguido anular o efeito perverso do que a Globo, a Veja, e Cª iam debitando sobre o que fazia...