segunda-feira, 4 de abril de 2016

E a verdade é que se move...

1. Foi Camões quem, num célebre soneto, reconheceu que “todo o mundo é composto de mudança,/ tomando sempre novas qualidades”.
Admito que Passos Coelho tenha sido suficientemente cábula para não ter ligado às aulas de português em que essa certeza foi anunciada de forma tão poética. E até conjeturo que nenhum dos autores dos livros de autoajuda em que fundamentou muitas das certezas sobre o pequeno mundo, que quis mudar à sua imagem e semelhança, não tenham dado grande enfase à mutação constante das circunstâncias.
Tivesse ele lido alguma coisa de marxismo no curto período da juventude em que andou a namorar o PCP, e provavelmente aprenderia que a chave para a interpretação da História reside na interligação entre a Dialética de Hegel e a luta de classes sempre existente desde a alvorada das primeiras civilizações. Saberia assim, que todas as mudanças são fruto do embate entre sucessivas contradições que, tão só resolvidas, logo avançam para novas oposições. 
No Congresso de Espinho ele sentiu abundantemente outros dois versos do mesmo soneto do nosso vate: “do mal ficam as mágoas na lembrança,/e do bem, se algum houve, as saudades.” Saudades, que eram exclusivamente suas e de alguns, que ali estavam, porque nenhumas deixou a todos os demais.
Mas tudo quanto ali sucedeu, desde a mornidão do ambiente à teimosia na eleição de Maria Luís, da realidade espelhada na percentagem conseguida pelos que passam a pertencer à Comissão Nacional até à insinceridade da profissão de fé na social-democracia, ficou claro que Passos Coelho é aquele que não podendo travar o mundo para que fique em 3 de outubro de 2015, vive a ansiedade de vê-lo retroceder ao que era então, como se todas as mudanças ocorridas nestes seis meses não tivessem mudado todas as variáveis em que assenta a nossa realidade política.
O ainda presidente do PSD não percebeu que é um cadáver adiado a quem só falta encomendar o funeral.
2. Fazendo hoje seis meses que as eleições legislativas definiram um quadro parlamentar com uma maioria oposta à que prevalecera nos quatro anos anteriores, ainda me continua a fazer impressão a teimosia de muitos socialistas, que verbalizam ter então acontecido uma vitória da direita.
Perdoem-me, por breves instantes, um súbito acesso de cavaquismo, lembrando o que escrevi nessa noite:
“Embora possa haver quem não achasse que existissem razões para tal, a garrafa de espumante guardada no frigorífico destinada a celebrar a vitória do PS,  já está vazia, porque não deixei de encontrar motivo bastante para, neste 5 de outubro, congratular-me com a derrota efetiva da coligação da Direita.”
Teria sido uma vitória se a direita tivesse conseguido aprovar o seu (des)governo e mantivesse os portugueses amarrados à lógica austeritária, que os estava a empobrecer. Assim não!
Em definitivo, no dia 4 de outubro a esquerda conseguiu a mais saborosa das vitórias de quantas teve neste milénio. Porque, pela primeira vez desde a recuperação da Democracia, está em condições de mudar o país, pondo em sentido os que dele se têm aproveitado para os seus exclusivos interesses particulares!
3. E a propósito desse aproveitamento do poder para enriquecimento ilícito de uma plutocracia mais ou menos qualificável como “direita dos negócios” será curioso ver o que nos revelarão os «Panama papers». Não só pelos portugueses, que neles possam figurar, mas sobretudo por constituir mais um argumento superlativo para os que combatem a desregulação bancária a nível global,  e dos seus efeitos danosos nos crimes mais hediondos, desde o terrorismo até aos vários tráficos (armamento, drogas, pessoas) responsáveis pelo sofrimento de tantos milhões de pessoas.
Sendo cedo para anunciar que nada ficará como está, avança-se algo mais para exigir um mundo mais justo e igualitário.


Sem comentários:

Enviar um comentário