sábado, 30 de abril de 2016

A explicação para uma tão longa noite

Há cerca de um mês a Associação Gandaia (da Costa da Caparica) organizou um encontro com Fernando Dacosta em que esteve muito em causa o que era o salazarismo. E alguém na assistência questionava o escritor sobre uma preocupação que, há muito, o acompanhava: como foi possível que um regime assim durasse tantos anos?
Se o convidado fosse outro Fernando, mas de apelido Rosas, a resposta seria fácil de dar, porque o historiador jubilado esta semana andou anos e anos a estudar essa questão e a encontrar-lhe respostas, hoje tidas como incontestáveis para quase toda a gente à exceção do núcleo de revisionistas, que insistem em apagar os efeitos mais criminosos do regime e sugerir que se tratava de um conservadorismo algo musculado.
Nestes últimos anos tem sido dada exagerada importância a sucessivas publicações de estudos de gente ideologicamente de direita, que procura dar continuidade ao legado do sinistro José Hermano Saraiva e que tem em Rui Ramos um dos seus principais mentores. E, por uma razão bastante evidente: da forma como a História for lida, assim se pode influenciar num ou noutro sentido a evolução política do presente. Porque o cavaquismo, à pala do qual muitos desses manipuladores têm singrado, mais não constituiu do que uma adaptação de muitos dos valores salazaristas a uma conjuntura onde eles dificilmente conseguem ser aceites. Mas sempre com o mesmo objetivo: garantir uma paz podre para benefício dos empreendedores (sobretudo os do tipo BPN) criando todas as condições possíveis para impedir qualquer veleidade de contestação social.
Daí o afã em dar importância a um Conselho de Concertação Social onde os patrões dominam em número e influência e à UGT está destinado o papel dos antigos Sindicatos Nacionais do período salazarista, que só tinham de acrescentar a assinatura ao que o Ministro das Corporações impusesse.
Para os “historiadores” com poiso garantido no «Sol» ou no «Observador» a intenção é normalizar o regime anterior a 1974 e fazer acreditar que estamos a sofrer os efeitos da “nefasta” Revolução de Abril, que ousara destruir o “equilíbrio” e relação de forças, que imperara até então. O tal país no diminutivo onde juizinho é que era preciso!
A importância do contributo de Fernando Rosas como historiador assusta os que apostam na substituição do capitalismo keynesiano por uma nova ordem, que teve nos quatro anos da governação de Passos Coelho e Paulo Portas algumas das suas principais características: a redução do Estado ao mínimo e a privação de direitos a quem trabalha ou trabalhou.
Numa altura em que a direita pretende escamotear as batalhas ideológicas que determinam, atualmente, o futuro que virá, olhar para a História numa perspetiva objetiva e racional como o tem feito Fernando Rosas ou deturpadora do que a tem caracterizado, decorre desse combate, que as esquerdas plurais não podem perder. Mais: que as deve cimentar na matriz que as está a fazer impedir o retrocesso social e económico, que a direita trataria de retomar.
Por tudo isso Fernando Rosas é um dos nossos melhores historiadores contemporâneos e deveria ser merecedor de todos os Prémios, que Pacheco Pereira sugeriu, mas que lhos não atribuirão. É que, a começar no Prémio Pessoa, como seria possível ao seu principal patrocinador, Balsemão, consagrar tudo aquilo que os seus jornais, revistas e televisões fazem por evitar?


Acabar com o negócio dos que brincam à caridadezinha

Vivemos num Estado laico, mas, acaso ainda continuasse no governo, Passos Coelho trataria de entregar às Misericórdias, intimamente ligadas à Igreja Católica, não só um conjunto de hospitais - assim, retirados do âmbito do Serviço Nacional de Saúde -, mas também muitas das competências da Segurança Social, nomeadamente nas que se relacionam com o apoio a idosos domiciliados.
É o que se entende de uma notícia pouco divulgada dos últimos dias: sob a alegação de haver fundos europeus disponíveis para gastar com esse objetivo, Mota Soares dinamizou a contratação de «técnicos» por parte desse tipo de instituições «caritativas» para cumprirem objetivos, que só ao Estado incumbem.
Esse ministro do CDS foi um cultor entusiástico do principio salazarista de brincar à caridadezinha. Se tivesse nascido no tempo da outra senhora adivinhar-se-ia a sua ajuda entusiasmada junto de “tias de bom coração”, capazes de reservar uma tarde por semana para darem um chazinho, umas bolachinhas e umas roupinhas (sempre usando o diminutivo) em segunda ou terceira mão aos pobrezinhos, que se revelassem muito agradecidos.
Ora o apoio aos idosos não deve ser um ato de caridade, mas um direito, que lhes assiste. Até porque quem conhece essas Misericórdias sabe bem quanto elas gastam o mínimo possível com os utentes para garantirem para si lucros máximos. Num caso que conheci  pessoalmente esses «técnicos» mais não eram do que desempregados recrutados aos Centros de Emprego, pagos miseravelmente com um subsídio que não chegava a metade do salário mínimo para um horário de trabalho de 40 horas semanais, apesar da instituição em causa receber mais de 1100 euros mensais dos familiares da idosa em causa.
A História tem-nos mostrado vezes demais a hipocrisia e a falta de escrúpulos de quem se autoelogia pelas boas ações, que resultam afinal em indisfarçável proveito próprio.
Por isso mesmo, e numa altura em que o governo de António Costa anda a devolver ao Estado as competências, que lhe cabem na Educação e na Saúde, também será decisiva a sua intervenção para que a Segurança Social volte a cumprir esta missão com os seus próprios técnicos.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A solução? Combater as offshores e os que defraudam a Segurança Social

Os números que se vêm conhecendo nos últimos dias falam por si e não precisam de grandes comentários:
- desde 2005 a Segurança Social não cobrou 8800 milhões de euros por fraude, evasão contributiva, isenções excessivas e dívida não cobrada;
- segundo a Autoridade Tarifária e Aduaneira, entre 2010 e 2014, escaparam-se 10200 milhões de euros para offshores localizadas em paraísos fiscais, 4000 dos quais em 2011, quando a troika veio aplicar o seu programa de cortes nos rendimentos das famílias;
Podemo-nos, então, perguntar: como estaria o país se tais situações não se tivessem verificado? Estaria a economia tão devastada como ficou nos quatro anos em que a direita foi poder? Existiriam mais de seiscentos mil desempregados? Teria acontecido a emigração de grande parte dos jovens por não terem encontrado solução de sobrevivência em Portugal?
Não custa presumir que muitos dos que defraudaram a Segurança Social integram a longa lista dos clientes dos paraísos fiscais. Gente que vive luxuosamente e paga menos impostos que muitos dos que ainda merecem a designação da quase extinta “classe média”. Graças a uma comunicação social a soldo dos interesses de tais delinquentes a grande maioria dos portugueses empobreceu nos anos mais recentes.
É por isso que a direita não precisa de se incomodar muito em exigir reformas na Segurança Social, que tornar-se-á tanto mais sustentável quanto para ela descontarem corretamente os que se têm furtado a tal. E para o equilíbrio das contas públicas, muito contribuirá o aumento da receita fiscal inerente ao combate determinado contra as práticas dos que estabelecem sedes fictícias na Holanda, no Luxemburgo, no Liechtenstein e outros sítios que tais, a fim de pagarem muito menos do que seriam obrigados a satisfazer se aqui - onde efetuaram as vendas dos seus produtos e serviços - cumprissem o seu dever. Afinal os mesmos que detém as grandes cadeias de distribuição e agravam as dificuldades dos pequenos e médios agricultores ao importarem de outras paragens o que aqui poderiam adquirir com menos custos ecológicos e maior qualidade.
Durante os quatro anos de passismo, indignámo-nos muitas vezes com as provocações do dono do Pingo Doce e outros biltres da mesma igualha, que aproveitavam a tribuna de José Gomes Ferreira para aconselharem os portugueses a apertarem o cinto e não serem tão despesistas. Agora é tempo de acabar com a complacência do poder político, que lhes tem permitido alimentar a ganância à custa das carteiras dos contribuintes. Umas inspeções rigorosas às condições de trabalho, que impõem aos seus empregados, à sua cadeia logística e à conservação dos seus armazéns podem e devem constituir o ponto de partida de uma imposição da legalidade democrática no setor do retalho.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A caranguejola a gripar

O debate desta tarde na Assembleia da República voltou a mostrar uma direita à deriva sem encontrar assuntos, que não resultem em ricochetes certeiros aos tiros, que pretendia disparar.
Montenegro falou, comeu e calou e Assunção Cristas só conseguiu melhor por ter apanhado  António Costa desprevenido quanto à sua habilidade para gerir tempos e deixá-lo sem margem para lhe responder devidamente logo após fazer mais uma das suas habituais prédicas em favor da revisão na Segurança Social, que passaria sempre por cortes nas pensões. Mas, mais adiante, nas respostas a Heloísa Apolónia e a Carlos César, ele deu-lhe o devido troco, denunciando-lhe a estratégia propagandística, semelhante à história do Pedro e do Lobo, sem que este último sequer pareça andar por perto.
Neste momento, o governo socialista tem um rumo bem definido quanto aos objetivos a atingir dentro dos constrangimentos internos e externos, que circunstancialmente o limitam, ao contrário dessa direita à deriva, sobre cujos programas nada de substantivo se sabe excetuando a teimosia em privatizar tudo quanto ainda é público - nomeadamente a educação, o ensino e a segurança social -, e manter-se provedora dos interesses de quem foge aos impostos transferindo milhões de euros para paraísos fiscais exigindo isenções que mais não significam ter a classe média a pagar-lhe o que só lhes cabe pagar.
O que irrita a direita parlamentar é a constatação da estabilidade da «geringonça», que não figurava nos seus piores pesadelos de há cinco meses atrás. As convergências e as divergências nesta esquerda plural estão bem definidas e prometem fazê-la perdurar nos quatro anos da legislatura. Já as caranguejolas, sobretudo a alaranjada, dá sinais de ter o motor quase a gripar sem que pareça haver lubrificante milagroso, que a salve.  Politicamente Passos Coelho e os seus indeferíveis apoiantes são cadáveres adiados com funeral marcado para logo a seguir às autárquicas de 2017. Altura em que o PSD lembrará os «espadalhões» saídos de fábrica, muito resplandecentes e a prometerem infinita felicidade a quem nele quiser embarcar mas, como sempre, com os defeitos congénitos da sua marca. Mas será então, que António Costa terá de se exceder nos dotes de tribuno do projeto de país, que defende.

Para acabar de uma vez por todas com um candidato a «querido líder»

Um dos livros mais conhecidos de Woody Allen intitulou-se «Para Acabar de uma vez por todas com a Cultura» no qual ele disparava o seu humor mais viperino contra algumas das mais sagradas instituições intelectuais.
Esta semana, ainda embalado nos harmoniosos sons escutados nos Dias da Música e nas estimulantes imagens da dezena de filmes, que já vi no Festival Indie, vejo-me tentado a afrontar uma vez mais o novo Presidente pela irritação, que me suscita a estratégia de concretizar uma campanha de agitação e propaganda, que pede meças aos mais ousados marketeiros da nossa praça.
Anteontem aventava aqui a possibilidade de se tratar de uma mera questão de vaidade pessoal só satisfeita se conseguisse ficar como o Presidente mais kimilsunguizado da História lusa. Mas ontem já temia, que a sua ambição não se ficasse por aqui, deixando implícita uma hipótese, agora mais aprofundada: e se ele pretender alcançar esse protagonismo através da mudança definitiva do rumo do país para a direção pretendida por Passos Coelho, mas com maior inteligência maquiavélica?
Estamos a falar de um ator político, que soube interiorizar os seus fracassos passados e tornar-se no corredor de fundo capaz de andar anos a fio a manter uma persistente campanha eleitoral nos domingos televisivos até a rentabilizar no momento mais oportuno, quando prescindiu dos meios habituais de promoção para conseguir a vitória à primeira volta.  Convenhamos que ele aprendeu a esperar para chegar onde queria...
Agora promete visitar as três mil freguesias do país nos próximos cinco anos, o que dará uma média de quase duas por dia durante este primeiro mandato. Sempre com a garantia de ter as televisões atrás para reportarem as suas habituais performances com os basbaques de circunstância.
A intenção em criar um unanimismo o mais lato possível em seu torno parece tão evidente que lá soará a hora sobre quem terá maior legitimidade para impor a sua ideologia aos portugueses: ele que terá sondagens a condizer com essa contínua atividade de campanha eleitoral, ou os líderes dos partidos políticos a quem cabe o ónus de arcar com os custos de uma governação mais do que condicionada por fatores internos e externos.
É por isso que ando dececionado com o Tempo Novo proclamado por António Costa, porque, uma vez mais, vejo a Direção do PS a conformar-se com uma realidade feita de militantes e simpatizantes apáticos perante a expectativa de haver maioria garantida junto dos eleitores.
No fim da campanha das presidenciais defendi, onde o podia fazer, que estava na altura de não perder o gás à dinâmica então imprimida e agilizar as sedes do PS, ou reabri-las onde elas tivessem deixado de existir, para criar espaços de organização local para contínuas ações de sensibilização junto das populações.
Nesta altura, por exemplo, seria importante que nas estações de comboios e de barcos, nas paragens de autocarros e nos mercados, à porta de centros comerciais e de eventos desportivos, os socialistas em particular, e a esquerda em geral, estivessem a distribuir propaganda explicando as opções estabelecidas no Orçamento Geral do Estado, no Plano de Reformas ou no Plano de Estabilidade. E o quanto eles poderão melhorar a qualidade de vida de todos os protugueses.
Questionarão os do costume, aqueles que não fazem nem deixam fazer: “E dinheiro para concretizar tudo isso?”
E a resposta é simples: a campanha de Sampaio da Nóvoa foi eloquente no surgimento de muitos defensores de uma Cidadania ativa, que nada pretendendo colher da política, estiveram dispostos a pagar do seu bolso muitas das ações então concretizadas.
Era esse grão de asa, que desejava ter visto dar pela Direção Nacional do PS: ser capaz de aproveitar a onda das primárias, das legislativas e das presidenciais para abrir espaço a um movimento social de apoio à governação, que compensasse o contínuo trabalho da sua desvalorização por parte da SIC, do «Expresso» e da generalidade dos demais órgãos da comunicação social.
Ao apostar exclusivamente na possibilidade de convencer os potenciais eleitores da bondade das políticas implementadas pelo Governo, e sem garantir o respaldo dos militantes e simpatizantes mobilizados em seu apoio, o PS está condenado a manter-se dominado localmente pelos caciques do costume, que só divergem entre si nas mesquinhas rivalidades com que se entretêm.
É nesse sentido que António Costa não tem ainda o Partido à altura da sua Visão, que acabou com um conjunto de cânones políticos tidos como axiomas irrefutáveis. Ele, porque é muito inteligente, já viu mais longe e decidiu reorientar o Partido nessa direção. Mas quem dirige a organização aos seus vários níveis ainda está no Tempo Velho pensando e agindo como costumava fazê-lo até então. Com metodologias que só poderão levar a dolorosas derrotas...

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Não nos deixarmos iludir com papas e bolos!

Em texto anterior, pus em causa a bondade de Marcelo Rebelo de Sousa a respeito da governação de António Costa e tive a reação de muitos amigos a dizerem-me algo do género: “Pois é! Mas, até agora ele tem-se portado sem razão para nenhum reparo!”
Mas será mesmo assim? O facto de ter levado o cravo na mão para a sessão parlamentar de 25 de Abril foi só um pormenor ou reflete o que é, e tenderá  a ser, a postura do Presidente durante os próximos quatro anos?
Essa minudência surge acompanhada de outra característica dos seus discursos nestes últimos dias, que nos devem deixar de sobreaviso para o futuro: a insistência em “consensos de regime”, que mais não significam do que a recauchutagem do malfadado «arco da governação». Os setores sociais, que se reveem nele e que contam com a sua intervenção nos momentos mais críticos, que possam pôr em causa a estabilidade política do atual governo, são os que nunca aceitarão a solução governativa agora implementada. Pelo que não faltarão as insistências dos amigos e conhecidos, sempre que para tal tiverem oportunidade.
Se um Catroga não tem escrúpulo nenhum em pressionar António Costa em frente às câmaras de televisão para beneficiar os interesses dos acionistas chineses da EDP, como se comportarão outros Catrogas no recato das reuniões e encontros entre amigos? E como poderá Marcelo resistir a tão “simpáticas” sugestões?
Quando repete a rábula de Cavaco Silva sobre essa convergência necessária «a bem do País», Marcelo quer esquecer o essencial: as potenciais dissensões hoje percetíveis entre o Partido Socialista e os parceiros da restante esquerda parlamentar - sobre o que será o futuro da União Europeia ou o pagamento da dívida - são bem menores do que as sentidas com uma direita para a qual as «reformas estruturais» significam a redução do Estado Social ao apoio assistencialista aos mais desfavorecidos dos desfavorecidos, com o que isso implica de cortes nos rendimentos dos reformados, no despedimento de funcionários públicos, na privatização do pouco que ainda subsiste na propriedade do Estado e na crença inabalável na tal «mão invisível» por que se designa eufemisticamente o capitalismo mais selvagem.
Por agora Marcelo Rebelo de Sousa prega apenas para todos aqueles comentadores políticos, que defenderam com unhas e dentes a austeridade como via para chegar a amanhãs que cantam, e, mesmo confrontados com o falhanço dessa receita se revelam bem mais burros do que os próprios burros, porque não está provado que estes não sejam capaz de mudar de rumo, quando é inóspito aquele por que teimaram a seguir.
Por essas razões não manifesto qualquer confiança num Presidente em quem não votei e no qual continuaria a não votar. Porque Marcelo Rebelo de Sousa continua a representar um tipo de ideologia e de valores, que estão em total contradição com os que defendo. Apenas lhe posso reconhecer uma inteligência muito superior ao do antecessor que representava tanto mais obviamente essa ideologia e esses valores, que mereceram do atual o apoio nas três vezes que se candidatou a Belém...

terça-feira, 26 de abril de 2016

Nunca fiando ...

Manuel Alegre é um exagerado e, por isso mesmo, tem criado alguns problemas sérios ao Partido Socialista. Agora deu-lhe para prever a possibilidade de votar em Marcelo Rebelo de Sousa na eventual recandidatura a Belém. Ainda este quase não se sentou na cadeira à secretária do gabinete de trabalho e já o poeta lhe promete apoios?
Mais cauteloso Vasco Lourenço, manteve o prudente «ver para crer», porque o futuro adivinha-se difícil e nunca podemos conjeturar quando o atual inquilino de Belém sentirá tentações de puxar o tapete a António Costa, cujas ideias estão-lhe quase nos antípodas.  É que, da fábula, sempre retemos a ideia segundo a qual um escorpião, por mais enrascado que se sinta, não consegue travar a sua verdadeira natureza. E Marcelo revelou-a no pequeno pormenor de não querer colocar o cravo vermelho à lapela na sessão organizada na Assembleia da República limitando-se a agarrá-lo desajeitadamente na mão.
Mas poderá ele vir a ser um excelente Presidente com iniciativas como a que acaba de anunciar ao promover a merecidíssima homenagem póstuma a Salgueiro Maia?  Pode, por uma razão fundamental e que tem a ver com a sua personalidade: vaidoso por natureza, ele gostaria de superar Mário Soares em popularidade nem que se veja obrigado a refrear os preconceitos ideológicos, que o tenderiam a obstaculizar a governação da esquerda. Enquanto esta for eficaz e competente, Marcelo colar-se-lhe-á como lapa à rocha, tanto mais que os seus antigos companheiros de partido continuam a dar sucessivos tiros nos pés. Mas conjuguem-se fatores complicados na política externa com eventuais inabilidades de alguns ministros para o adivinharmos muito ativo no incentivo a eventuais candidatos à sucessão de Passos Coelho.
Por ora, entre António Costa e Marcelo o entendimento parece inquestionável. Mas até quando não o podemos imaginar.
Ainda assim, e por mera hipótese académica, imaginemos que essa lua-de-mel dura os quatro anos da legislatura de Costa, e com este a reforçar a maioria de esquerda nas legislativas de 2019. Estaria o Partido Socialista em condições de abdicar da apresentação de um candidato próprio para apoiar um Presidente que sempre o teria apoiado? Segundo Manuel Alegre sim. Duvido é que seria esse o posicionamento de muitos outros socialistas.
É que os mandatos presidenciais são como os melões: só lhes adivinhamos o gosto (ou a falta dele!), quando os abrimos. E de Marcelo nunca nos poderemos fiar! Mesmo parecendo por agora irrepreensível no seu posicionamento institucional...

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O meu 25 de abril

Em 2 de março de 2013 vivi um dos meus piores. Ao contrário do que sucedera a 15 de setembro do ano anterior, os poucos milhares de manifestantes, que percorreram as ruas da Baixa Pombalina até S. Bento em protesto contra as políticas da troika, iam cabisbaixos, cientes de nada conseguirem mudar com a quixotesca vontade de manter na rua a indignação.
A crença profunda pelo fim do governo de Passos Coelho -  que só parecera bastar um pequeno empurrão para nos deixar de atanazar - fora substituída pela sensação de o adivinharmos capaz de prosseguir no ataque contínuo aos direitos constitucionais e a redução do que restava do Estado Social a uma mera caricatura.
Se nesse dia alguém nos dissesse que, três anos depois, o país estaria a ser governado pelo Partido Socialista com o acordo parlamentar de toda a esquerda, seríamos tentados a utilizar a expressão de uma sitcom britânica em que duas garbosas indianas costumavam invetivar os supostos assediadores com o “In your dreams buddy!”.
E, no entanto é esta a realidade: por muito que a situação se afigure particularmente improvável, ela ajusta-se amiudadas vezes aos nossos melhores sonhos.
Sucedeu isso mesmo a 25 de abril de 1974: apesar de apenas contar 17 anos quando triunfou a Revolução, tive a sorte de ganhar consciência antifascista muito antes, graças a um meio onde volta e meia a Pide vinha recolher alguns vizinhos durante a madrugada, e às lições de Democracia dadas por um padre de vistas largas, chamado Augusto Sobral, que muito contribuiu para o esclarecimento de dezenas de jovens do então Liceu de Almada.
No entanto, goradas rapidamente as ilusões de uma suposta primavera marcelista, que afinal apenas significara a aparência de um inverno mais suportável, desesperáramos com a durabilidade do regime, cujo fim não se conseguia prever.
Adorávamos então um longo poema de Daniel Filipe, que acabava com a transcrição de dois versos de Paul Éluard: “ Au bout du chagrin, une fenêtre ouverte/ une fenêtre éclairée!”. O sofrimento parecia, porém, interminável, sem que nenhuma janela se abrisse!
E, eis que a tal manhã clara de Sophia rompeu a noite. “Aquele que está vivo, não diga nunca NUNCA!”, tinha sido outra lição que aprendêramos, sem nela ousarmos acreditar, por muito que vinda do admirado Brecht.
O meu 25 de abril foi igual ao de milhares de outros portugueses: agarrado ao rádio a ouvir a reportagem de Adelino Gomes e a acompanhar em ânsias a súbita concretização do que mais desejávamos. “Será mesmo desta?” E não é que foi mesmo?!
No dia a seguir o céu parecia mais claro, o ar bastante mais respirável e todas os sonhos passavam a ser possíveis.
Os meses e anos que se seguiram morigeraram-me as ilusões, mas raramente perdi a confiança num futuro mais esperançoso, porque justo e igualitário. Esse foi, é e será o meu programa ideológico de toda a vida.
Reconheço que naquele início de março de há três anos tive uma recaída. Esqueci-me dos versos de Éluard, do conselho de Brecht e das memórias dos dias em que valia a pena ser realista pedindo o impossível. Mas o governo de António Costa reiterou-me o ensinamento de não valer a pena desesperar. “Atrás de tempos, tempos vêm”, como diria o Fausto. E os atuais, aqueles em que pretendemos ver os nossos sonhos aproximarem-se da realidade, têm de ser defendidos com a maior das determinações. É que, como constatamos em tantos exemplos históricos, reconquistar o poder é a parte mais fácil: o difícil é consolidá-lo o bastante para tornar irreversíveis as conquistas implementadas em prol dos que delas mais necessitam...
Mas fica a maior das lições do 25 de abril: por muito escura que seja a noite, vale a pena acreditar nas manhãs claras! 

sábado, 23 de abril de 2016

São hienas e atacam em grupo

As hienas são animais feios, cobardes por natureza, que conseguem prevalecer através dos ataques em grupo contra as suas presas. Ladras por natureza, até tratam de andar à coca relativamente à caça das leoas para as espoliarem do alimento por elas trabalhosamente conseguido para as suas crias.
Por esta altura já o incauto leitor anda a pensar que ando a querer substituir o já provecto David Attenborough, mas está enganado: tendo a televisão acesa, mas com o som cortado para não me afetar a inspiração, vi passar nela uma imagem do Montenegro a rir-se na primeira fila da bancada laranja e foi inevitavelmente associar essa expressão a uma velha anedota de Juca Chaves: «Ri de quê?».
É que o «Público» trouxe ontem uma elucidativa revelação a respeito da estratégia do PSD em fazer fogo sobre Mário Centeno, por ser essa a forma de desviar as atenções sobre as suas reais responsabilidades no Banif.
Dificilmente se livrará do ónus causado aos contribuintes pela forma negligente, senão mesmo criminosa, como Maria Luís Albuquerque foi empurrando o imbróglio para as calendas para que não fosse posta em causa a “saída limpa” da troika. Mas se a atenção passar a focar-se na questão de  Centeno ter ou não mentido (e todos quantos viram as imagens constatam, que isso não sucedeu! ) à Comissão Parlamentar nem que para tal se conte com a cumplicidade de Joana Marques Vidal, não sobram dúvidas sobre a escandalosa falta de escrúpulos de Marques Guedes e Cª.
Mário Centeno irá sofrer as passas do Algarve nas próximas semanas, porque outras hienas estão a atacar ao mesmo tempo: alguma vez se pode acreditar ter sido uma gaffe a substituição da sua fotografia numa publicação do Eurogrupo pela do tinhoso da SIC? E será coincidência a “notícia” do “Expresso” sobre o irmão de Centeno, que integra outra matilha igualmente ruidosa de hienas comandada pela execrável Teodora Cardoso?
Vale-nos que Mário Centeno tem mostrado ter estofo para tudo isso e muito mais, por muito que as olheiras se nos afigurem algumas vezes demasiado vincadas.
Nestes como noutros casos, que agitem estas hienas, a caravana passa enquanto elas dão as suas características risadas. O problema é que elas têm estômagos bastante coriáceos, capazes de deglutir os piores (dis)sabores. Por isso, apesar de sucessivos êxitos do governo, elas continuarão a atacar insistentemente sempre que possam … mesmo rindo cada vez mais sozinhas para si próprias!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

As coisas que não sabia e passei a saber

Todos os dias temos a oportunidade para aprender algo que previamente não conhecíamos.
Pessoalmente, e de ontem para hoje, pude ler muitos textos sobre Prince, cuja música sempre me foi perfeitamente indiferente mas, como todos os epifenómenos, que se sobrepõem ao seu real significado e  ganham relevância no imaginário coletivo.
O fenómeno rock só teve importância até ao início dos anos 80, quando outros sons se sobrepuseram no meu gosto pessoal. A música erudita, o jazz e a worldmusic passaram a recolher a minha preferência, muito embora permaneça atento a potenciais transformações sociais oriundas dos movimentos que vão aparecendo. Por exemplo, não tendo nenhum prazer em ouvir hiphop tenho de reconhecer que passa por aí muita da vontade de mudança inerente à antiga música de intervenção.
Quanto a Prince em si, do que li não me faz pensar que fique duradouramente nas memórias. É que constituiu um tal efeito de moda nos anos 80, que pode subsistir enquanto viveu, mas rapidamente será substituído por quem vai fazendo as novas capas da Rolling Stone”.
Daí julgue exagerada a importância dada pelo «Público» para dele fazer tema de capa na edição de hoje.
Mas, no mesmo jornal, um interessante artigo da Ana Gerschenfeld sobre a possibilidade de ter-se começado a compilar o que viria a ser depois a Bíblia há dois mil e seiscentos anos, elucidou-me sobre a origem da palavra “ostracismo”: os óstracos eram peças de cerâmica então utilizadas para escrever nos territórios situados onde hoje fica Israel e a Palestina, e bem mais baratos do que o papiro ou o couro.
Diga-se de passagem que a origem da palavra “ostracismo” — punição aplicada no sistema político da antiga Atenas e que, por votação, forçava ao exílio os dirigentes considerados uma ameaça para a democracia — se deve ao facto de terem sido usados óstracos para votar…”
Outro débito à minha ignorância foi a personalidade de Harriet Tubman, a antiga escrava negra, que passará a figurar na note de 20 dólares.
A coragem de ter fugido da plantação onde tanto sofrera, e sobretudo a de ali regressar amiudadas vezes para servir de guia a centenas de outros fugitivos, é bem merecedora da homenagem agora promovida pelo governo federal norte-americano.
É que a sua coerência foi a de toda a sua vida, porque, mais tarde, ainda serviu de espia aos unionistas na Guerra da Secessão e bateu-se pelo direito pelo voto das mulheres. Por isso proclamava que “até ao meu último fôlego, combaterei pela liberdade.

A génese de um jiadista

«Ivres paradis, bonheurs heroïques» é o novo livro do psiquiatra Boris Cyrulnik lançado ontem em França pela editora Odile Jacob. O tema é o heroísmo e as suas representações neste início do século XXI. Mas ele começa por explicar como se inicia o processo de criar um “herói”, aproveitando para tal o exemplo de Hitler.
Antes da crise económica de 1929 os alemães tinham uma das mais sofisticadas culturas da Europa e troçavam desse homenzinho ridículo cujas teorias, sobre a humilhação sofrida no fim da 1ª Guerra com o Tratado de Versalhes, pareciam oriundas de um lunático.
A bancarrota e a propaganda, que o apresentou como salvador do povo, infletiu essa opinião coletiva. Porque, como diz Michelet, quando o Estado falha, aparecem as bruxas.  E o resultado foi a sucessão de tragédias, que culminaram na 2ª Guerra Mundial.
Algo de parecido passa-se hoje no Próximo Oriente, com Estados falhados, que empurram as populações para seitas sectárias lideradas por outros supostos salvadores. Alguns deles dizem-se capazes de morrer para salvar os seus discípulos, que passam a competir por se lhe equivalerem em se assumirem como mártires dispostos a sacrificarem-se pelo “bem comum”. É esta a lógica dos que fazem atentados suicidas.
Num espaço geográfico onde existem 14 milhões de crianças traumatizadas, órfãos, mutilados, abandonados, analfabetos ou sobrevivendo em famílias miseráveis não é difícil encontrar carne para canhão de tais estratégias terroristas.
É nesse caos, que crescem tais “heróis” a quem os condutores de almas indicam o caminho a seguir, a causa do mal e os meios para o superar. Nessas circunstâncias podemos admirar-nos de surgirem tantos jovens a consentirem ser armas de tal “redenção”?
Não existindo estrutura familiar ou cultural, ressurgem muito rapidamente os processos arcaicos de sociabilização, assentes na “lei do mais forte”.
Todos esses miúdos andavam à procura de uma forma de identificação e de sentido para as respetivas vidas, porque sentiam-se extremamente infelizes. Sem projeto de vida, nem estrutura afetiva, só sabiam falar do seu ressentimento. Ficam, então, vulneráveis ao recrutamento: dizendo-se “revolucionários” ou “braços armados de Deus”, não são mais do que marionetas incultas.
O cérebro tanto pode ser alterado por uma doença como pelo empobrecimento de um contexto cultural. Incapazes de não passarem à ação, falta-lhes a capacidade de distanciamento para refletirem sobre o que se dispõem a fazer. São presas fáceis para um chefe totalitário, que quer impor a sua lei. Basta-lhes fazer crer que se tornarão heróis e viverão junto de Deus depois da morte para colocarem o cinto na cintura com a maior das alegrias.
E não se pense que se trata de um processo lento: uma epidemia de crentes pode ser desencadeada em poucos dias.
Para o “herói” a morte é uma promoção . Morrer dessa forma é uma dádiva ao grupo, uma consagração quase divina. Eis porque os fanáticos fazem-se explodir no seio de uma multidão para levarem consigo o maior numero possível de “inimigos”.