terça-feira, 1 de março de 2016

O que nos ensinam os irlandeses

As eleições irlandesas deste fim-de-semana quase passaram despercebidas nas nossas televisões, que apostaram grande parte dos seus noticiários nos assaltos violentos na Grande Lisboa e na polémica sobre a eutanásia. E, no entanto, vale a pena olharmos para o sucedido nesse país da União Europeia por se confirmarem as tendências verificadas noutras eleições, entretanto ocorridas na Grécia, na Espanha e em Portugal.
Em primeiro lugar os eleitorados estão dispostos a penalizar as receitas austeritárias. Muito embora os líderes, que assumiram essa cartilha e a venderam com recurso à demagogia mais despudorada, conseguirem ter a votação relativa mais elevada, ela já é insuficiente para prosseguirem com a receita da TINA.
A exemplo de Passos Coelho e de Mariano Rajoy, Enda Kenny ficou a lamber as feridas do divórcio evidente entre a maioria dos cidadãos e a linha de rumo do seu governo. E de pouco lhe valeu a diabolização da situação portuguesa, porque os irlandeses “ofereceram-lhe” um resultado com menos soluções do que a ocorrida em Portugal a 4 de outubro transato.
Mas o resultado irlandês também confirma o que aqui tenho reiteradamente escrito: quando a esquerda da matriz socialista, representada pelos Trabalhistas, aceita servir de mordomo à direita para que ela cumpra o seu programa, as consequências estão à vista: tal qual o Pasok grego, o Labour irlandês cai abruptamente na sondagem das urnas e torna-se irrelevante para o futuro imediato dos seus cidadãos. Francisco Assis, Álvaro Beleza e todos quantos torceram o nariz à viragem do PS à esquerda bem podem refletir nesta demonstração lapidar do que significariam as suas ideias levadas à prática.
Mas se o Labour fica a contas com a necessidade de virar de página e perder a vergonha de se assumir de esquerda, verifica-se com o Sinn Fein aquilo que impede a Espanha de vir a ter um governo semelhante ao de Portugal: tal como o Podemos, o partido mais à esquerda do espetro político irlandês mantém uma postura sectária em que só lhe interessa chegar ao poder, quando conseguir tornar-se no Partido mais votado e ditar as suas condições efetivas para o exercer. E, pela forma como as coisas evoluem - com a forte probabilidade de se repetirem as eleições a curto prazo! - ilude-se com a hipótese de tal acontecer já ao virar da esquina.
O pragmatismo, que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa mostraram em Portugal, e pelo qual serão decerto premiados pelos seus eleitores, que estavam fartos de se remeterem a mero protesto inconsequente e veem melhorar a sua qualidade de vida, ainda falta à esquerda não socialista. Em vez de pensarem no favorecimento imediato das franjas da população mais causticadas pela austeridade, apostam no fútil dogmatismo. Também eles têm muito a aprender com o que se está a passar no cantinho mais ocidental da Europa.


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