quinta-feira, 31 de março de 2016

E dura, e dura, e dura ...

A perseguição judicial a José Sócrates já esgotou a capacidade de indignação  dos que há muito interpretam a Operação Marquês como um plano destinado inicialmente a perenizar Passos Coelho no poder, não sendo mera coincidência ter acontecido quando o PS de António Costa estava a liderar as sondagens e com momentos cirurgicamente escolhidos para ulteriormente desviar as atenções coletivas de fases determinantes da pré-campanha eleitoral.
Os que na noite de 4 de outubro pretenderam internamente forçar a demissão de António Costa e fizeram coro com os que afiançavam ter sido o PàF a vencer as eleições, não se limitaram a ser idiotas úteis ao serviço dos que pretendiam manter as coisas tal qual estavam no país: tiveram um comportamento ignóbil de que se deveriam tomar as devidas ilações no próximo Congresso socialista.
Quando a História destes anos se fizer com o devido distanciamento será muito provável que se encontrem as provas de uma conjugação de esforços de diversos setores da vida nacional (na Justiça, na Comunicação Social, nas Associações Patronais), que julgaram ser bem sucedidas ao início da noite desse referido 4 de outubro, mas que começaram a ser assombrados pelos seus piores medos, quando a noite foi avançando e as intervenções de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa deram substância a uma alternativa que coincidia com a formulada por António Costa nas semanas anteriores.
Que essa gente tinha razão para ter medo está bem demonstrado em tudo quanto desde então se passou, traduzível numa única frase: afinal outra alternativa era possível!
Mas se toda essa manobra política e judicial fracassou no objetivo principal, resta uma vítima, que continua sem ver esclarecida a sinistra situação em que se viu: hoje está bem de ver que nem Rosário Teixeira tinha matéria bastante para sequer acusar o antigo primeiro-ministro do que quer que fosse e muito menos Carlos Alexandre possuía razões outras que não a intenção política, de o mandar prender.
Os meses vão passando, os adiamentos sucedem-se ultrapassando todos os prazos previstos na lei, e não há qualquer acusação. A ideia que fica é a do Procurador adiar o mais possível o seu próprio confronto com a conclusão de tudo ter sido uma montanha que nem sequer um rato foi capaz de parir.
Rosário Teixeira e Carlos Alexandre sabem que o reconhecimento de nenhuma das suas suspeitas ter fundamento equivalerá ao fim das respetivas carreiras. Por isso mesmo não me admirarei se continuarem a prorrogar esse desenlace avançando com uma acusação espúria, relativamente fácil de desmontar em tribunal, mas que se arrastará mais uns anos de forma a salvarem a pele e colarem a José Sócrates um conjunto de suspeições de que ele não consiga libertar-se.
Sendo inaceitável que se façam jogos políticos com a vida das pessoas, este caso deverá confrontar o Conselho Supremo da Magistratura com as suas responsabilidades, porque arrisca-se a que se conclua e se legisle no sentido de não permitir que o Poder Judicial - que nunca passa pelo veredicto do voto popular - possa pôr e dispor sobre quem exerce, ou possa vir a exercer, os Poderes Legislativos e Executivos.

A última festa em jeito de funeral

Passos é aquele junto de quem não há quem queira tirar uma selfie. Eis a conclusão a que Valdemar Cruz chegou no «Expresso Curto» a propósito da teimosia (ou feitio?) de quem está num beco sem saída e continua a marrar contra a parede à espera de ali ver surgir uma porta milagrosa.
Essa leitura da realidade laranja no dia em que se inicia o seu Congresso, ficou evidente na sessão de ontem à tarde no Parlamento, quando estava em equação o Plano Nacional de Reformas lançado pelo governo.
António Costa, a quem a sorte, mas também a enormíssima inteligência estratégica está a sorrir, ouviu o antecessor numa quezilenta verborreia, acolitada pelo entusiasmo da turba nas suas costas, e redarguiu-lhe com um sorriso sibilino: "sempre que falamos do futuro, o senhor vem-nos falar do passado. O senhor, em vez de falar sobre o que o país precisa, comporta-se como guardião das reformas que fez enquanto Governo". E acrescentou uma evidência, percetível a todos, menos aos fiéis do interlocutor: o povo português está muito mais interessado no que irá ser o seu futuro do que discutir a bondade ou a maldade do que ocorreu no passado.
Há dias um amigo das redes sociais dizia-me para poupar críticas ao ainda líder do PSD porque, enquanto ele se mantiver no cargo, é a autêntica sorte grande que saiu a António Costa. Pessoalmente, acredito que o atual primeiro-ministro dispensa bem essa circunstância, porque está muito longe de se limitar a governar contra Passos Coelho. Aliás este vai atalhando caminho para a total irrelevância alcançada por Cavaco Silva de quem não tardará muito tempo para candidamente perguntarmos «quem?» quando alguém ainda o invocar.
O que António Costa tem demonstrado é uma capacidade negocial inigualável para convergir com toda a esquerda parlamentar num conjunto de reformas, que muito contribuirão para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses. E essa é a melhor estratégia para consolidar uma governação, que todos sentiram inicialmente como frágil, muitos deram como efémera, e agora quase já não há quem a não dê como duradoura. A não ser aquele que continua a ver nesse improvável fracasso a única hipótese de regressar ao lugar em que só ele pareceu ser feliz.
É por isso que as muitas horas dedicadas pelas televisões ao Congresso de Espinho serão interessantes para nelas pressentir os sinais de uma morte política anunciada. Porque o resultado kimjunguniano da sua eleição não esconderá a despedida em ilusória glória de um político, que quis aplicar em Portugal a receita ideológica, que já comprovou até à náusea a sua falibilidade quanto aos confessados objetivos a que se propunha. Muito embora quase tenha conseguido um sucesso retumbante nos que não quis confessar e prosseguiu com denodo: a privatização de tudo quanto ainda estava na alçada do Estado.
Hoje inicia-se um funeral sem pompa mas com muitas circunstâncias. 


quarta-feira, 30 de março de 2016

Banif: e se…?

Logo no primeiro dia das audiências sobre a resolução do Banif o testemunho do seu ex-presidente, Jorge Tomé, se lido nas entrelinhas, permite interrogarmo-nos se a notícia da TVI de 13 de dezembro proveio de alguém ligado ao Banco de Portugal, do Banco Santander ou de alguém ligado às duas entidades. Porque, como compreender a viragem significativa de Carlos Costa relativamente à Administração do Banif depois da tomada de posse do atual governo em 20 de novembro, passando de uma cordialidade conciliadora para uma ostensiva hostilidade? Será que, sentindo que António Costa ainda estava fragilizado pela propaganda da direita e da generalidade dos meios de comunicação em como fora o PàF a ganhar as eleições, o governador do Banco de Portugal terá pretendido derrubá-lo através de uma resolução comprometedora concertada com o BCE que o obrigou a entregar o Banif ao Santander? Se essa tentativa tinha esse objetivo, falhou mesmo implicando um custo de mais de 3000 milhões de euros para o contribuinte. Porque foi António Costa quem saiu engrandecido de um desafio, em que demonstrou a determinação de resolver os problemas, sem lhes virar as costas como sucedera com o antecessor nos três anos anteriores.

Recorde-se que essa notícia da TVI causou uma corrida aos depósitos que, em poucos dias, perderam 16% do seu valor, ou seja 960 milhões de euros. O sucedido em 20 de dezembro tornava-se inevitável!
A ser verdade o que contou Jorge Tomé, já estava algo em preparação, não se sabe por quem, mas que se revelava pelo que já estava a acontecer na Madeira nas semanas anteriores à resolução: “registou-se (…) um movimento anormal de vários clientes que chegavam aos nossos balcões dizendo que vários balcões do Santander lhes tinham dito que o Banif ia acabar em Dezembro e que deviam passar o seu dinheiro para o Santander.”
Conclua-se com a página agora aberta por Jorge Tomé em relação ao que de muito grave ocorreu no Banif Brasil, onde 267 milhões de euros se evaporaram sem que não se tenha ainda percebido quem os embolsou. Um caso de polícia, que esta Comissão de Inquérito terá todo o interesse em aprofundar.

A volubilidade de alguns jornalistas armados em economistas

Para que os portugueses reagissem com a maior passividade possível ao «programa de ajustamento», que a troika impôs em 2011, houve que fabricar esse consentimento através da criação de uma narrativa apostada em fazer crer na impossibilidade de qualquer alternativa ao austericidio.
Economistas reputados do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, José Castro e Caldas e João Ramos de Almeida, investigaram os conteúdos subscritos por seis dos mais conhecidos jornalistas da imprensa económica nacional e encontraram provas sobejas do seu envolvimento no favorecimento dessa predisposição coletiva para aceitar o reverso dos «pecados despesistas».
O texto completo encontra-se na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique» deste mês e iremos aqui abordá-lo como aperitivo e, esperamos!, estímulo para o conhecer na plenitude.
Os autores justificam o seu trabalho numa constatação: “A crise iniciada em 2008 pode ser entendida como uma crise de hegemonia. No processo, foram construídas e reconstruídas narrativas. Muita dessa actividade teve como palco a comunicação social, em particular o jornalismo económico”.
Escolheram assim as crónicas e editoriais publicados enre 2010 e 2014 por Pedro Santos Guerreiro, Helena Garrido, Camilo Lourenço, António Costa, João Vieira Pereira e Nicolau Santos.
Uma das primeiras conclusões do estudo foi a manifesta volatilidade nas opiniões desses jornalistas ao longo do período em análise.
Vamos aos exemplos relacionados com Pedro Santos Guerreiro que, em abril de 2010 era um entusiasta da intervenção do FMI em Portugal: “Falhámos em tomar conta de nós mesmos, agora outros poderão tomar-nos a soberania económica. Talvez seja disso que precisamos»”.
Seis meses depois já se lhe detetava alguma ambiguidade: “chamar o FMI é uma rendição. Mas é, também, perdição. Porque os credores nunca estão interessados em salvar quem lhes deve dinheiro, mas em recuperar a dívida”.
Em março de 2013 a lucidez já se apossara das suas opiniões: “Nós pensávamos que tínhamos as respostas todas. A crise desempregaria, a austeridade tributaria, as reformas incomodariam, mas no meio haveria um meio e no fim haveria um fim. Só que no fim do princípio não estava o princípio do fim e, a meio, já ninguém se entendia... É quase patético ver como os ortodoxos da austeridade dizem agora o contrário”.
Passando agora para Helena Garrido, que a Cofina acaba de despedir da direção do «Jornal de Negócios», o seu entusiasmo com a solução imposta pela troika não dava margem para dúvidas em abril de 2010: “O melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde.”

Ainda assim a ambiguidade quanto à bondade dessa solução surge-lhe bastante mais tarde do que a   Pedro Santos Guerreiro, pois só em 2013 é que a vemos assinar a seguinte conclusão: “Insistir na velocidade acelerada de redução do défice público, que a troika está a exigir, é uma sentença de colapso que acontecerá ainda este ano. Colapso social, político, económico e, de novo, financeiro. Nesta ordem.”
Se se conhecem anedotas e aforismos sobre a incapacidade dos economistas em preverem os efeitos futuros das políticas do presente, também se conclui facilmente que a mudança de opinião é algo com que não se sentem constrangidos.
Convenhamos que seguem uma regra conhecida de Keynes ("When the facts change, I change my mind”), mas era escusado exagerarem.

terça-feira, 29 de março de 2016

Luanda, ano zero ao virar da esquina

Na última vez que estive em Luanda, Savimbi andava acossado junto à fronteira com a Namíbia e o regime do MPLA sentia-se consolidado em função das receitas fartas já possibilitadas pelas exportações de petróleo.
Eu que, em 1974, sentira a empatia de serem aqueles que, pelo ideário marxista, maior justificação tinham para liderar o processo político angolano, via agora os antigos militantes esquerdistas armados em aprendizes de capitalistas, colhendo dos modelos todos os defeitos e esquecendo as possíveis virtudes.
Por isso mesmo nunca mais esqueci o quanto era obsceno o contraste entre o luxo do restaurante do Clube dos Empresários no último andar da torre mais alta da baía de Luanda - onde me levaram a jantar! - e as luzes das fogueiras dos que, à noite, sem teto sob que pernoitarem, preparavam frágeis abrigos no areal da Ilha.
Nessa viagem elucidativa quanto à perversão do regime, que dos valores de solidariedade e igualdade dos tempos da independência, se tornara num abjeto exemplo de plutocracia, também vi gente esfomeada a lutar pelos bidões desembarcados do navio «Fernando Pessoa», com o que restara da limpeza dos porões e onde estavam restos de cereais. Para conter a turba vi militares dispersa-la com tiros de aviso para o ar.
Dezassete anos depois não pretendo aqui resgatar do opróbrio a  memória do líder da Unita que, a ter chegado ao poder, não se teria revelado muito diferente do grotesco Idi Amin Dada, cuja ditadura no Uganda nos anos 70 teve contornos sinistros. Mas conclui-se facilmente que o MPLA perverteu-se muito rapidamente com a passagem da guerrilha para o exercício do poder e nada sobra do que justificou em tempos a admiração de tantos democratas.
Agora que a queda dos preços do petróleo está a confrontar a elite luandense com a impossibilidade de manter o ritmo de enriquecimento a que se habituou, tanto mais que a população vê agravadas as difíceis condições de sobrevivência em que vive, haverá quem sinta aproximar-se a parede para onde tende a enfaixar-se o acelerado veículo em que ela se enfiou. A incapacidade para avançar com um projeto de futuro, que implicasse um crescimento económico autónomo em relação às receitas do petróleo, e a contínua intenção de aperrear a sociedade civil não domesticada dentro das peias do partido do poder, leva a atitudes desesperadas como a condenação dos dezassete ativistas ontem sentenciados com pesadas penas de prisão.
E o desespero conduz a atos estúpidos, como o afirma José Eduardo Agualusa, ouvido pelo «Público»: “Uma coisa que aprendi ao longo dos anos foi a de nunca subestimar a estupidez do regime. Este foi um gesto, do ponto de vista político, absolutamente estúpido. Desde o fim da guerra que Angola não passava por uma crise (económica) tão grave. Esta condenação vai ter uma consequência imediata, que é fazer regressar o movimento de solidariedade para com os presos e a contestação contra o regime.”
Os principais responsáveis desta repressão já contam com experiência bastante para saberem que o futuro está com Domingos da Cruz, Luaty Beirão e seus companheiros. E que o destino dos que são agentes de repressão deste jaez acaba, normalmente, por ser muito complicado.

segunda-feira, 28 de março de 2016

E já são quatro!

Começam esta semana as audições da Comissão de Inquérito Parlamentar ao Banif, por onde irão passar os que direta ou indiretamente tiveram responsabilidades na sua insolvência ou resolução.
Em apenas oito anos já são quatro os bancos a suscitarem as inquirições dos deputados, o que diz muito sobre o estado calamitoso a que chegou a banca portuguesa. Se as privatizações prometiam trazer maior eficiência e competitividade, que muito beneficiariam os portugueses, o resultado tem sido precisamente o contrário: em vez de servirem de apoio à economia e aos cidadãos, os bancos têm sido sorvedouros da riqueza nacional e dos rendimentos dos contribuintes.
No BCP esteve em causa uma guerra fratricida entre os principais acionistas, que fizeram da comunicação social o palco da sua disputa. No BPN ficou desmascarada uma das faces mais sinistras do cavaquismo, com muitos dos amigos do ex-presidente a protagonizarem uma megafraude, que nenhum Rosário Teixeira mostrou grande empenhamento em penalizar, demonstrando bem como a Justiça se tornou particularmente vesga quando olha para os negócios ambíguos. No BES ficou demonstrada a falácia da superioridade da gestão privada, que não teve unhas para tocar uma viola desafinada pela crise financeira internacional, e quis depois salvar-se recorrendo a contos do vigário com a cumplicidade de Cavaco Silva, Passos Coelho e Carlos Costa.
Chegamos, assim, ao Banif, que custou mais de 3000 milhões de euros ao Estado e um ganho entre 500  e 1000 milhões para o Banco Santander.
O casos serviu para compreender que, apesar de apenas cobrir 4% do mercado, o banco fundado por Horácio Roque entrou na lógica de ser demasiado grande para deixar falir sem qualquer resolução que o salvasse. Por estas e por outras é que um deputado belga demonstrou que a Europa perdeu 10% de toda a sua riqueza nestes últimos oito anos devido à sua intervenção para salvar bancos ameaçados de bancarrota.
Hoje parece que António Costa, mesmo a contragosto, terá sido obrigado pelas instituições europeias a entregar o Banco ao Santander, mas a Comissão de Inquérito irá apurar algumas questões pertinentes:
- fez algum sentido salvar o banco em 2012, quando ele já dava mostras de constituir um problema insolúvel? A tal ter acontecido, qual o preço que custaria então aos contribuintes, sobretudo sabendo-se que havia uma verba disponibilizada pela troika para sanear o sistema financeiro?
- qual o custo efetivo da negligência de Passos Coelho e de Maria Luís Albuquerque ao esperarem três anos por uma solução impossível?
- e quem foi o responsável pela fuga de informações, que precipitou os acontecimentos nos últimos dias de dezembro? Terá sido o Banco de Portugal para forçar a decisão? Ou terá sido o Santander que, como acontecia com os culpados nos romances de Agatha Christie, revelou-se como o grande ganhador de tudo quanto aconteceu?