terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um choque contra a abulia

Um estudo da Universidade da Virgínia trouxe-nos resultados surpreendentes sobre o tédio, que bem podem ser extrapolados para a política.
Os cientistas colocaram cobaias humanas num desafio que elas consideraram suportável: tinham de aguentar quinze minutos numa sala branca sem nada com que pudessem entreter-se: telemóvel, livro, jornal, etc.
Além da cadeira onde se sentariam só contariam com um dispositivo adicional: um botão que, se premido, lhes daria um choque elétrico imediato.
Antes de iniciarem a experiência esses homens e mulheres ficaram inteirados de tais condições e até se disseram preparados para pagar o que fosse necessário para não sofrerem o tal impulso elétrico.
O que sucedeu a seguir foi esclarecedor: acossados pelo tédio todos acabaram por o combater sujeitando-se ao sofrimento físico que, antes, consideravam totalmente de evitar.
Conclusão: qualquer estímulo, mesmo doloroso, acaba por ser preferível a nada fazer.
Embora a comparação possa ser exagerada lembrei-me imediatamente dos abstencionistas que, ainda há escassas semanas, rejeitavam os flyers de apoio a um dos candidatos às presidenciais, dizendo coisas do tipo: «a política a mim não me interessa!», «não quero saber disso!», etc.
Eu sei que tal tipo de pessoas não está propriamente em estado de tédio, muito embora politicamente se portem como autênticos abúlicos. Uns entretêm-se com o futebol, outros com as preocupações domésticas, e muitos outros focos de atenção.
A verdade é que a Cidadania precisa da participação ativa da grande maioria para acrescentar legitimidade às decisões políticas. Seria, por isso bem útil encontrar algum tipo de botão capaz de suscitar um choque nos abstencionistas e torná-los cidadãos dignos desse nome.
A questão é que tipo de botão poderá revelar-se mais eficiente? Eis o desafio de quem não se conforma com a abulia tão facilmente associada a uma das mais negativas facetas na «arte de ser português».
Não alinho de todo com a atitude tantas vezes ouvida na rua, ou lida nas redes sociais, em que uns quantos inconformados reagem emotivamente contra quem se alheia da participação cívica, ou até mesmo escolhe quem racionalmente deveria rejeitar se pensasse nos seus interesses de classe. Ainda agora tivemos o exemplo de tantos desfavorecidos terem-se deixado iludir pelo histrionismo de Marcelo Rebelo de Sousa.
Em definitivo não somos piores do que todos, ou mesmo a maioria dos demais povos planetários: em muitos aspetos até lhes somos bem superiores. O problema reside em identificarmos as causas que levam tanta gente a ser enganada contra si própria.
Uma dessas causas está na comunicação social maioritariamente nas mãos de quem tudo fará para silenciar e deturpar as propostas políticas, que os prejudique.
A escandalosa reação dos vários jornais e televisões ao Orçamento do Estado para 2016 é bem reveladora da barragem de desinformação com que António Costa terá de contar no dia-a-dia. Daí a importância da proposta que o jornalista Paulo Querido acaba de lançar nas redes sociais: a urgência de um jornal de esquerda baseado numa estrutura cooperativa e capaz de se bater por tiragens ao nível dos títulos mais lidos de quantos surgem diariamente nas bancas nacionais. Algo possível com dois milhões de euros de investimento! Quiçá, com recurso ao crowdfunding!

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