sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os cegos, e não falo dos do Indostão!

Ontem de manhã o Expresso Curto, assinado por Ricardo Marques, constatava a existência de um enorme elefante na sala chamado Orçamento de Estado.
Ora, por coincidência, comecei, horas depois, a ver o filme «Tales on Blindness» e, logo nas cenas iniciais, lembrava-se aquele conhecido poema dos seis cegos do Indostão que, desejosos de aumentarem o seu conhecimento, foram saber o que era um elefante.
O primeiro chocou com ele e julgou tratar-se de uma parede. Um dardo, aventou o segundo, que apalpou uma das presas. E o terceiro sugeriu uma serpente, dado ter-se agarrado à tromba. O quarto manuseou  uma das orelhas e logo afirmou ser um leque. Ao tocar num dos joelhos do animal, o quinto ficou com a ideia de corresponder a um tronco de árvore. E, enfim, o sexto, que passara a mão pela cauda, convenceu-se de ser um cordão. Todos eles julgavam-se com fundamentos bastantes para terem razão e todos eles estavam iludidos.
Vem isto a propósito das reações ao draft  do Orçamento de Estado, que mereceu reprovação firme do Conselho das Finanças Públicas, da UTAO, das agências de rating, da Comissão Europeia e do FMI.
Ufana, a direita em peso veio com o que julgou ser um sólido argumento: não pode estar toda a gente errada e só o governo ter razão!
Mas será assim?
O problema é que toda essa gente tem andado afinada pelo mesmo paradigma interpretativo, autêntico cânone para os burocratas da União, incapazes de o equacionarem em nome da honestidade intelectual.
Seja por preconceito ideológico, seja por preguiça mental, seja por reiterada incapacidade para colocarem outras lentes nos seus desgastados óculos, arriscam-se a, mais uma vez, serem desmentidos na sua tese da TINA (“there is no alternative”).
Que importa se uma parte substancial dos mais recentes galardoados com o Prémio Nobel da Economia já lhes contestou a estratégia ou que a Europa continue a não conhecer crescimento económico digno desse nome se é tão mais fácil entrincheirarem-se na sua visão austerocêntrica da realidade?
E, no entanto, os seus erros são de palmatória, como João Galamba bem se esforça por demonstrar. Veja-se o exemplo do que andam a dizer sobre a impossibilidade de um crescimento do consumo interno em linha com os números do governo: usando os seus modelos analíticos - em que todos os cidadãos são considerados iguais! - chegam a essa conclusão. Ora, se afinassem mais esse modelo e compreendessem que, por exemplo os 25 euros recebidos a mais por quem aufere o salário mínimo será inteiramente gasto em produtos de primeira necessidade, enquanto o mesmo valor para quem ganha quatro ou cinco vezes mais irá provavelmente para poupança, não incidindo diretamente no choque pretendido com o aumento do consumo interno, concluiriam algo mais próximo com o que diz o governo.
Os cegos, não os do Indostão, mas os dessas instituições nacionais e internacionais não compreendem que a estratégia  do governo português é aumentar o rendimento das famílias mais baixas e suscitar o efeito macrooeconómico, que eles não previram.
É por isso que o Nicolau Santos tinha razão, quando se questionava numa crónica desta semana se António Costa não conseguirá efetivamente ser bem sucedido nas suas apostas.
Eu torço para que assim suceda. 

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