sexta-feira, 8 de maio de 2015

A (i)legitimidade da dívida pública grega (2ª parte)

No texto anterior vimos como, frequentemente ao longo da História, as relações entre credores e devedores nem sempre funcionaram a favor dos primeiros. No século XIX, no entanto, houve um caso em que a violência foi a opção escolhida pela França, pelo Reino Unido e pela Espanha para resgatarem o dinheiro emprestado à ditadura mexicana de António de Santa Anna, e que o novo presidente Benito Juarez recusava reconhecer.
As três potências europeias decidiram ocupar o México e aí instalar como sua marionete o príncipe Maximiliano da Áustria, que foi crismado de Imperador.
A solução não se revelou, porém, muito eficaz, porquanto não tardou a atiçar-se a guerra civil e o pobre do austríaco viu-se passado pelas armas.
Um outro caso histórico bem mais recente em que os credores ficaram a “arder” com uma parte do dinheiro investido num país foi no Iraque de Saddam Hussein. Nessa altura os franceses e os alemães eram os principais financiadores do regime com um total de 5,4 mil milhões de dólares. Só que os norte-americanos, tão só concluída a primeira fase da ocupação do país, com a tomada de Bagdade, logo vieram defender  que “evidentemente, o povo iraquiano não deve ser penalizado pelas dívidas contraídas em benefício do regime de um ditador em fuga”. Tais foram as palavras do então secretário do Tesouro John Snow à Fox News.
Muito a custo, e depois de muitas pressões e contrapressões, os franceses e os alemães lá se decidiram a reduzir em 20% o valor da dívida em causa.
Mas a História revelou-se particularmente curiosa quando a dívida da República Federal Alemã esteve em questão na Conferência Internacional de Londres ocorrida entre 1951 e 1952.
Aqueles que hoje pressionam indecentemente os gregos a pagarem a sua dívida, pediam então consideração pela situação em que se encontravam. Foi essa a posição do então chanceler Konrad Adenauer numa carta enviada aos conferencistas e que lhe deram sinais de grande compreensão. Depressa todos concordaram que “reduzir o consumo alemão não constitui uma solução válida para garantir o pagamento da dívida.”
No acordo firmado em 27 de fevereiro de 1953, e em que a Grécia foi participante ativo, a Alemanha viu reduzidos em 50% os montantes dos empréstimos contraídos pela Alemanha entre as duas guerras mundiais, com uma moratória de cinco anos para o seu reembolso. Mas, na realidade, pelas contas de Eric Toussaint, do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, a redução efetiva cifrou-se em 90%.
Mas os credores da Alemanha do pós-guerra não se ficaram por aí nos mimos: forneceram-lhe todos os materiais de que necessitava para a reconstrução e renunciaram a vender os seus próprios produtos (que tinham preços mais baixos!) no mercado alemão, propiciando o tão glosado «milagre económico» dos anos 50.
Passados tantos anos o que o Syriza pretendia era uma conferência do mesmo tipo, que tivesse no cerne as mesmas preocupações. Poderia dizer-se que era irónico ter sido a Alemanha a negar esta possibilidade, se na realidade este facto não se revelasse trágico.
(texto que tem por base um artigo de Renaud lambert na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique») 

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