sábado, 31 de janeiro de 2015

Atrás de tempos...

O que mais custa nesta altura é constatar que, até às eleições legislativas de outubro, estaremos condenados a esta apagada e vil tristeza, enquanto o mundo fervilha de acontecimentos  reveladores de mudanças iminentes.
Nalguns locais ainda subsistem os que expressam a persistência de retrocessos ao direito dos povos à liberdade:
- para comemorar a data em que Hitler subiu ao poder, o partido de extrema-direita FPO organizou em Viena um concorrido baile de debutantes no Palácio de Inverno. Mas, a exemplo das contramanifestações contra os racistas de Dresden e outras cidades alemãs, também muitos vienenses foram manifestar-se no exterior daquele evento, que só espanta como ainda foi autorizado pela municipalidade vienense;
- no Cairo a polícia assassinou manifestantes, que se foram expressar na praça Tahrir, quando protestavam contra a traição aos ideais da revolução ali iniciada quatro anos atrás.  Entre as vítimas desta jornada de luta conta-se Shaima al-Sabbagh, uma mulher laica e socialista, cujo assassinato foi captado pelas câmaras  fotográficas e amplamente divulgado por todo o mundo. A exemplo do célebre miliciano captado pela Leica de Robert Capa, a militante egípcia irá converter-se num poderoso símbolo da luta contra a ditadura do general Sissi, cuja fúria repressora chega ao cúmulo de proibir a caricatura da sua figura, crime doravante punível com prisão por «insulto ao Egipto».
A par destes dois exemplos repugnantes  podemos selecionar quatro de sinal bastante positivo:
- a subida de Hollande e de Valls nas sondagens, desmentindo o inevitável crepúsculo dos socialistas franceses. E certo que ambos beneficiam da forma irrepreensível como geriram os casos de terrorismo em Paris, mas só têm de afinar o passo e tudo fazer para frustrar quem já via a vitória de marine le pen como inevitável;
- a vitória dos curdos em Kobane, que mesmo periclitante - a cidade continua cercada por centenas de aldeias ainda dominadas pelo Daesh! - comprovou quão falsa era a imagem de invencibilidade alimentada por essa forma moderna de nazismo. O heroísmo dos peshmergas é uma fonte de inspiração para todos quantos se recusam a vergar à aparente inevitabilidade de uma «nova ordem» anunciada;
- a rutura evidenciada por Yanis Varoufakis quanto ao tipo de imagem, que associávamos às figuras dos ministros das Finanças. Rejeitando a pose do fato e gravata dos seus congéneres europeus, o novo ministro grego promete associar essa imagem moderna ao combate contra o discurso esgotado dos que ainda mandam no Eurogrupo. E, nessa renovada versão da luta sempiterna entre o velho e o novo, há milhões de europeus a desejarem que ele tenha sucesso a conseguir limpar as teias de aranha existentes nas cabeças dos que classificam as suas palavras de «contos para crianças»;
- embora a França discuta a legitimidade do comportamento da polícia de Nice, é positivo que um miúdo de oito anos tenha sido interrogado juntamente com o pai a propósito da apologia ao terrorismo por ele efetuada na escola. Quando ainda estão bem frescas as notícias de miúdos dessa idade a recusarem-se a respeitar o minuto de silêncio decretado pelas escolas para homenagear as vítimas dos atentados terroristas, não se compreende que a sociedade não se proteja contra a impunidade de uma cultura familiar onde cresce a mentalidade jihadista de amanhã.
Quer nas notícias de cunho negativo, quer nas mais animadoras, pressente-se pois que, atrás de tempos, tempos vêm, outros tempos estão aí a chegar... 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A luta continua...

Um dos meus hábitos (quase) diários é o de assistir a um programa de debate político do canal ARTE, animado por Elizabeth Quin, e intitulado «28 minutes».
Normalmente a discussão entre os vários convidados costuma ser bastante interessante mesmo quando lá aparecem posições com as quais discordo totalmente.
Às sextas-feiras o programa adota o formato de «Clube dos Intelectuais e conta com a colaboração de um caricaturista, que vai criando desenhos capazes de acompanharem o teor das discussões. Foi, assim, que me habituei a ver quinzenalmente Charb exibir o seu talento, que me fizeram rir vezes sem conta.
Por isso, quando ele e outros jornalistas do «Charlie Hebdo» foram assassinados, fiquei tão chocado como se tal crime tivesse incidido sobre amigos próximos.
Ora, outra das caricaturistas habitualmente presentes nestas emissões é Corinne Rey,  conhecida pelo pseudónimo de Coco, que desempenhou um papel involuntariamente determinante na morte dos colegas: foi ela quem, com a filha ao colo, viu-se ameaçada pelas armas dos assassinos e lhes abriu a porta do edifício onde se situava a redação do jornal.
Muito embora tivesse aparecido posteriormente a solicitar apoios para a continuidade do jornal, sempre me questionei até que ponto a terrível experiência a poderia ter marcado mormente influenciando a vontade em continuar.
A resposta tive-a na emissão de hoje em que voltou a ocupar a cadeira do costume - a que também cabia a Charb! - e cumpriu o que dela se esperava.
Ora, tal como Coco, também o «Charlie Hebdo» deverá continuar. Tão irreverente e iconoclasta quanto o era com os que por ele morreram. A bem da liberdade de expressão e contra todas as formas de fascismo! 

Ai quando a procissão for além do adro!

Durante muito tempo alimentámos o mito do DDT - “o dono disto tudo” - que controlava e condicionava o poder político em nome de uma estratégia com algo de florentino.
O que se vai sabendo na Comissão de Inquérito sobre o ocorrido no GES dá-nos uma outra perspetiva bem mais complexa do que a tipicamente maniqueísta em que tantos suportavam as suas opiniões.
Conclui-se que grande parte dos 250 membros da família Espírito Santo, que viviam à conta do grupo, auferiam de um estilo de vida altamente privilegiado sem terem qualquer mérito, que o justificasse  para além dos laços de sangue com Ricardo Salgado. Verdadeiro cérebro de todo o negócio da família, ele criou um poder autocrático provavelmente mais por necessidade do que por intenção de controlar quem lhe pudesse fazer sombra. É que muitos dos depoimentos ouvidos na comissão primam pela indigência mais inesperada e espelham perfis indisfarçavelmente medíocres.
Todos queriam manter o seu estatuto e por isso limitavam-se a dar cobertura às decisões de quem os presidia. Mas, para este, a crise financeira internacional, que vinha de antes, ganhou particularmente expressão com a falência do Lehman Brothers, passou a implicar um desafio para o qual não conseguiu encontrar solução.
A crise da economia portuguesa travou os grandes projetos de investimento público e as aquisições, como as dos submarinos de paulo portas, com que o grupo ia enchendo os cofres, como se o dinheiro fosse maná ininterruptamente caído do céu.
Quando os prejuízos se foram acumulando, nunca a solução passou por começar por cortar nas centenas de ordenados principescos, que eram pagos quase para nada se fazer senão ir assinando uns papéis.
Como uma bola de neve foram-se criando estratagemas - e o último terá sido o do derradeiro aumento de capital - para ir tapando aqui um buraco, que logo se abria acolá.
É fácil concluir que Ricardo Salgado não era nenhum génio da gestão por muito que a sua pose aristocrática infundisse um indevido reconhecimento à sua volta. E o problema do capitalismo português reside agora na desmistificação de uns quantos mitos criados nos últimos anos e que lembram a história do rei que vai nu (e Zeinal Bava é outro exemplo eloquente!)
Afinal aqueles que costumavam fazer capa das publicações económicas são uns toscos, que não compreenderam como é que a crise surgiu, nem como poderiam agir eficazmente para lhe evitar os danos.
Às tantas serão cada vez mais os que se interrogarão, com justificado fundamento, se é para isto que os josésgomesferreiras nos querem continuar a vender mentiras como as da superioridade da gestão privada em detrimento da do Estado.
O dia culminou no momento palpitante na carta que o DDT fez chegar à comissão e causou indisfarçável incómodo na direita. É que Ricardo Salgado tem-se visto execrado por essa mesma área política, que tanto o incensara, e parece não aceitar de bom grado ir para o fundo sozinho. E o que sabe sobre cavaco silva, paulo portas ou maria luís albuquerque poderá não se ficar pelas alusões às reuniões com eles havidas. Por esta altura pode-se imaginar o quanto alguns dos que ainda se sentem protegidos pelos  seus cargos, se devem sentir inquietos. É que a procissão ainda parece ir no adro...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Falta muito para nos livrarmos destes torturadores?

1.  Nestes dias é inevitável olhar para o que vai sucedendo na Grécia com a guerra aberta entre o governo de Alexis Tsipras e quem não está interessado no seu sucesso.
Os inimigos estão lá dentro sob a forma dos que andam por estes dias a pôr o dinheiro até agora depositado nos bancos locais no recato dos paraísos fiscais. E também fora da Grécia com a Standard & Poors a ameaçar a revisão em baixa da forma como classifica a dívida grega.
Chegará isso para intimidar o novo governo? Aparentemente não, já que se apressou a aprovar a aplicação de 1200 milhões de euros em medidas de luta contra a exclusão social para acorrer aos 30% da população sem segurança social, a maioria dos quais também integra o contingente dos 25% no desemprego. Em concreto repôs o salário mínimo nos 751 euros, que estavam em vigor quando a troika forçou a reduzi-lo para 580, e suspendeu a venda criminosa de 67% do porto do Pireu, não possibilitando que os chineses ampliassem a ação danosa já praticada nos demais 33%.
Adivinha-se uma luta animada nas próximas semanas e a nossa atenção justifica-se pelo facto de tanto nos dizer respeito o seu desenlace. Façamos votos para que Tsipras se mostre de facto à altura das esperanças, que despertou em tantos europeus.
2. Os apoiantes de passos coelho, que entraram em delírio com a queda sucessiva dos preços do petróleo - já imaginando um final de mandato cheio de “prendas” aos portugueses que, iludidos, renovariam a confiança em quem tanto os tem maltratado - vão constatando, dia após dia, o reverso da medalha luzidia, que pareciam agarrar. Agora foi o governo angolano a decretar a redução abrupta das importações de bens alimentares e agrícolas, que tanto têm contribuído para a aparência de um dinamismo do nosso setor exportador agropecuário. Parte dos 207 milhões de euros vendidos anualmente para o mercado angolano está assim comprometido!
Que outras más notícias ainda estarão para cair sobre as cabeças dos fogosos passistas?
3.  Não sou daqueles que, tendo apoiado António Costa para secretário-geral do Partido Socialista, começam agora a demonstrarem nervosismo por aquilo que consideram uma oposição menos agressiva do que julgariam necessário. Mas, tendo em conta os resultados financeiros agora apresentados por Fernando Medina, traduzidos numa redução impressionante dos prazos de pagamento aos fornecedores e o plano de recuperação da zona ribeirinha da Matinha, será judicioso perguntar se não estará na altura do ainda presidente da câmara de Lisboa entregar o testemunho ao seu competente sucessor para se dedicar mais intensamente a uma campanha pré-eleitoral, que se adivinha bastante exigente.
4. Na ânsia de tudo privatizar chegou agora a altura de mota soares decidir-se pela entrega a agências privadas da gestão dos desempregados inscritos no Instituto do Emprego e da Formação Profissional.  É o coroar da lógica de reduzir a intervenção do Estado ao mínimo e dar a ganhar ao setor privado as verbas, que deveriam ser canalizadas para o apoio a quem já quase nada tem. A exemplo do que o novo governo grego herdou, também o próximo governo português arcará com uma “terra queimada” onde será difícil pôr as sementes a germinar.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIALISTAS: 2. A criação do Partido Trabalhista inglês

O trabalhismo inglês está intimamente ligado ao sindicalismo. Até 1900, os líderes sindicalistas contentavam-se em negociar com o Partido Liberal a entrada no Parlamento de um determinado número de deputados, que se identificavam como «lib-lab» (liberal - labour) no momento das eleições integrando-se no grupo liberal em Westminster. Essa opção satisfazia a elite da classe operária  inglesa, constituída por  operários qualificados (skilled), que já se manifestavam contentes com a legalização dos sindicatos e com o alargamento do direito de votar. Mas, a  partir das crises industriais de 1883 e de 1887, cria-se um novo sindicalismo, bastante mais reivindicativo - o dos unskilled - liderado por John Burns e por Keir Hardie.
Ao mesmo tempo surgiram diversos grupos socialistas, que em pouco se distinguiam das correntes radicais herdeiras do cartismo. A primeira a constituir-se verdadeiramente em partido (1881) foi a Federação Social Democrata de H. M. Hyndman, de W. Morris e de uma das filhas de Marx. A sua influência foi limitada devido a sucessivas cisões causadas pelo carácter autoritário de Hyndman e pela recusa de Tom Mann em aceitar o marxismo.
Ainda na mesma década cria-se a famosa Sociedade Fabiana com Sidney e Beatrice Webb, George Bernard Shaw e H.G. Wells. Muito influenciados pela filosofia positivista de Stuart Mill consideravam o socialismo como o desenvolvimento  inevitável e progressista das instituições existentes. Apesar do seu pequeno número (em 1914 não ultrapassavam os três mil), a sua influência foi determinante.
O partido encarregado de defender os interesses da classe operária não nasceu, ainda assim, com a Federação Social Democrata - demasiado dividida - nem com o fabianismo, mas com o novo sindicalismo. A ideia de eleger deputados pela fórmula dos «lib-lab» passou a ser rejeitada pelo mineiro escocês Keir Hardie, autodidata e puritano, que definiu a necessidade de apostar nessa  eleição de forma independente. Em 1892, ele já conseguira ser eleito pelo círculo de West Ham como «socialista independente».
Em 1893 foi criado o Partido Independente do Trabalho (Independent Labour Party, ILP), cuja criação foi saudada por Engels.
O partido teve imediato sucesso na Escócia e no norte de Inglaterra, mas estagna a partir de 1895.  Essa travagem  no súbito crescimento resultou do boicote dos sindicalistas mais velhos, que se mantinham fiéis à lógica «lib-lab». Os militantes do ILP compreenderam que seria imperiosa a conquista da liderança no Congresso dos Sindicatos (TUC).
Em 1899 os sindicatos convidaram os grupos políticos a colaborarem consigo , criando-se o Comité para a Representação Operária (Labour Representation Committee, LRC), dirigido por MacDonald, onde tinham cabimento os representantes do ILP , da Federação e dos fabianos.
Nas eleições de 1906 foram eleitos 29 deputados do LRC e 24 lib-lab. São esses 53 deputados quem, em fevereiro, criaram o Labour Party (Partido Trabalhista).
A história do Partido Trabalhista entre 1906 e 1914 é bastante confusa. O novo partido era atacado simultaneamente pelos fiéis da aliança lib-lab (W. Osborne) e pelos sindicalistas Connoly e Tom Mann. Faltavam-lhe igualmente líderes. Assim, paralelamente ao Labour Party surgiram novas formações: a Federação de Hyndman tornou-se no British Socialist Party, os fabianos prosseguiram na sua propaganda  em Oxford, e em Londres forma-se a Guild Socialism.
Em 1914 a situação do socialismo inglês estava tão complicada que a Internacional inquietava-se com o estado a que chegara.

Dos Holocaustos do passado aos do presente

1. Foi incontornável a evocação de Auschwitz neste dia em que passavam setenta anos sobre a data da libertação daquele campo de extermínio pelo Exército Vermelho.
É claro que serviu igualmente para enfatizar o morticínio dos judeus, quando tantas outras foram as vítimas da “solução final” engendrada por Himmler: ciganos, homossexuais, comunistas e demais opositores do nazismo…
Consolida-se, assim, a perversão da História, que levou mais do que uma década a associar Auschwitz ao Holocausto, dando-o doravante como o epicentro da barbárie nazi. Ora, se ali foram assassinados milhão e meio de seres humanos, muitos mais já tinham sofrido idêntico destino por onde a Wermacht e as SS iam avançando, quando o império de Hitler aparentava ser capaz de se construir para durar mil anos.
E sobram tantas mais reservas a esse empolamento do martírio judaico em detrimento de todas as outras vítimas, quando vemos o Holocausto a servir de caução moral para os governos de Telavive também praticarem políticas de segregação racial e de agressão contra o povo palestiniano. Por exemplo quando pudemos ver ontem Netanyahu congratular-se por a União Europeia manter o Hamas no rol das organizações terroristas, não deixámos de ter presentes as imagens de há poucos meses, quando os ataques do exército e da aviação israelitas ao gueto de Gaza causaram milhares de vítimas civis. Se isso também não é terrorismo, o que será afinal?
2. Um dos argumentos dos comentadores mais fiéis a passos coelho para desvalorizarem o sucesso do Syriza, foi o de se terem coligado com o Anel, cujo líder proferira discursos antissemitas algumas semanas atrás. O quanto lhes custa depararem-se com uma realidade, que tanto assusta o seu instinto de servos dos interesses alemães! Como escrevia José Vítor Malheiros no «Público», citando o líder do Podemos, “a grande novidade das eleições legislativas gregas é que a Grécia vai ter finalmente um Governo grego, composto por gregos que se preocupam com a vida dos cidadãos gregos e não um Governo de capatazes, preocupados acima de tudo em não indispor os poderes financeiros do mundo e em obedecer às diretivas das forças ocupantes.”
E é essa convergência na vontade de governar para os gregos, afrontando as falhadas linhas estratégicas seguidas pela União Europeia nos últimos anos, que explica a coligação do Syriza com os Gregos Independentes. Daniel Oliveira, no «Expresso», acrescenta um argumento de peso para que ela não fosse feita com o bem mais apresentável To Potami, que até se classificava como de centro esquerda: “ Com os centristas e europeístas do To Potami, seriam eles a condicionar a negociação. As instituições europeias e a Alemanha não poderão usar o Anel para criar fraturas internas no governo. Com o To Potami seria muitíssimo mais fácil fazê-lo: bastava usar a chantagem da saída do euro. Terá sido isto, parece-me, a pesar na escolha do aliado do governo. Porque neste momento Alexis Tsipras tem uma prioridade: não perder o braço de ferro com Merkel. Com todo o pragmatismo, tudo se submeterá a isto. Difícil de engolir? Já se tinha dito que as escolhas a fazer para vencer esta batalha seriam difíceis. Foi só a primeira.”
3. A minha admiração pelos combatentes peshmergas, que lutam há décadas por um Curdistão independente, já perdura há décadas.
Numas alturas encaro com maior otimismo a possibilidade de serem bem sucedidos, noutras olho-os com a nostalgia dos quixotes, incapazes de vencerem os seus moinhos de vento.
Mas a vitória em Kobani contra os fanáticos do Daesh inscreve-se nas páginas mais gloriosas de um movimento revolucionário, que conta nas suas fileiras com valorosas guerrilheiras apostadas em darem expressão à emancipação feminina numa região onde ela é espezinhada todos os dias...

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A cegueira de uns, a alegria de todos os outros

1. Esta segunda-feira, subsequente ao que alguns qualificaram como o «terramoto grego», teve algumas situações singulares, a começar pela anunciada coligação entre o Syriza e os Independentes Gregos.
Com essa notícia sentiram-se aliviados os que tinham ficado com cara de enterro desde a véspera: logo afiançaram a demonstração da validade da velha tese da aproximação entre os extremos ou a fragilidade de um governo assente em tão precária convergência de valores ideológicos.
Mas olhando noutra perspetiva, também em Portugal, já surgiu uma convergência de setenta e quatro relevantes nomes da direita e da esquerda em torno da necessidade de resolver o problema da dívida portuguesa. Porque  não há-de Tsipras encontrar apoio em quem execra tão intensamente a austeridade, mesmo discordando do que defende a respeito da imigração ou dos direitos dos homossexuais? Não é a emergência económica e financeira da Grécia a prioridade sobre o que deve fazer no curto e no médio prazo?
Cá por mim vejo a reação dos detratores de Tsipras como o reflexo dos que sempre viram a realidade a preto e branco e agora estão obrigados a olharem-na em cores a que não estavam habituados...
2. Foi consensual em quantos comentaram o sucedido em Atenas, que uma das reações mais infelizes - eu qualificá-la-ia de simplesmente estúpida! - dos dirigentes europeus à vitória do Syriza, terá sido a de passos coelho. É que associar o programa do Syriza a um “conto de crianças” dá direito pelo menos a um sorriso amarelo, quando temos presente o texto de João Galamba, que escreveu existir uma estranha coincidência entre políticas que o governo rejeita e o efeito positivo que essas políticas têm na vida dos portugueses” , seja as ditadas pelos acórdãos do Tribunal Constitucional, seja pela estratégia do BCE agora anunciada por Mário Draghi.
Com uma tão evidente incapacidade para entender o que se passa à sua volta, como é que passos coelho ainda se julga no direito de proferir disparates deste tipo?
3. Até é possível que um dirigente do PSD, que foi entrevistado pelo «Expresso» a propósito da vitória do Syriza, tenha alguma razão, quando calcula que mariano rajoy pressionará as altas instâncias europeias a não darem facilidades aos gregos, porquanto isso favoreceria a provável vitória do Podemos.
Mas, convenhamos que essas mesmas instâncias devem também tirar algumas conclusões sobre o que fizeram nestas semanas mais recentes: ao chantagearem esses mesmos gregos quanto á forma como deveriam ir votar, mais os convenceram a dar a vitória do Syriza.
Se quiserem ser inteligentes a Comissão Europeia, o BCE e o Eurogrupo concluirão que a estratégia seguida nestes três anos fracassou rotundamente pelo que só reduzirão a probabilidade de sucesso eleitoral dos partidos situados nos extremos dos espectros políticos, se apostarem numa política para os cidadãos europeus em vez de se orientarem exclusivamente para os interesses dos grandes grupos financeiros.
4. Ao contrário das palermices de passos coelho a reação de António Costa à vitória do Syriza foi inteligente e judiciosa: ele considerou-a “mais um sinal da mudança de orientação política que está em curso na Europa”  e a demonstração do “esgotamento das políticas de austeridade e a necessidade de termos outra política de moeda única em que a moeda seja efetivamente comum e não provoque resultados muito assimétricos, com grandes benefícios para alguns e uma enorme pressão e austeridade para todos os outros”.

domingo, 25 de janeiro de 2015

A comemorar a vitória do Syriza

1. Confesso que me irritam os jornalistas, que continuam a enfatizar a qualificação de “radical” ou de “extrema-esquerda” ao Syriza. Ainda se eles, dentro da mesma lógica, designassem o PSD e o CDS como “extrema-direita”, poderia aceitar, porque o que é o neoliberalismo senão uma forma “radical” de empurrar as classes médias para junto dos pobres  em favor dos ricos?
Porque é que o Syriza é visto com a desconfiança de quem bombardeia o “sistema” e a direita, que nos desgoverna, não merece uma  correspondente  suspeição por  destruir o direito de tantos em serem felizes?
Para mim é claro: a diferença entre a esquerda e a direita é a de estarem com aquela os que pretendem uma sociedade mais justa e igualitária, enquanto estão com a segunda os defensores dos interesses dos que se julgam com legitimidade para terem mais direitos do que todos os mais por serem detentores de bastante mais capital. Por isso mesmo, enquanto português sou socialista, mas poderia perfeitamente ser comunista ou bloquista, assim estivesse convencido em serem esses partidos os mais capazes para cumprirem o objetivo de uma melhor redistribuição de rendimentos. E, na Grécia, não teria qualquer dúvida em votar no Syriza, tendo em conta a rendição total do Pasok à cultura austeritária da direita e a habitual cristalização do Partido Comunista grego à mesma leitura labiríntica da realidade como o faz o de Jerónimo de Sousa entre nós.
2. Começa a ser confrangedora, nesse aspeto, a forma como um dos mais conhecidos deputados comunistas vai reagindo aos dilemas de cada momento. Falo de Miguel Tiago que, há uns meses atrás, a propósito do problema do aquecimento global o considerou uma mistificação capitalista para impedir o crescimento das economias de alguns países emergentes como a Rússia ou a Venezuela. Agora, perante a vitória do Syriza, escreveu no twitter que ela correspondeu ao efémero sucesso da burguesia grega, capaz de nele encontrar a expressão mais eficaz para iludir os operários gregos, que não tardarão a desiludir-se e a, finalmente, lançarem a revolução por que Tiago continua, e continuará indefinidamente, à espera.
3. Embora ainda falte saber se a vitória correspondeu, ou não, a uma maioria absoluta de deputados, o sucesso do Syriza já há dias, que aqui vinha sendo anunciado no blogue.
A minha confiança advinha de dois fatores principais: o primeiro tinha a ver com o que conhecia da mentalidade grega quando pretendem impor-lhes algo com demasiada veemência. Por isso estava-se mesmo a ver que as ameaças de merkel só contribuiriam para convencer para que lado penderiam os indecisos. E, depois, havia que não esquecer a segunda razão: é típico desses mesmos indecisos colarem-se aos anunciados vencedores no último momento só para terem o prazer pessoal de se sentirem também eles bem sucedidos em algo na vida.
4. Agora só falta fazer figas para que se cumpra o maior dos nossos desejos para os gregos: que Tsipras consiga um sucesso indubitável com o seu governo e ajude a Europa a virar resolutamente à esquerda contra os ideólogos, que nos quiseram impor a sua visão contrária aos interesses da maioria dos seus cidadãos.

As tempestades, que se andaram a semear

Da Grécia já tínhamos herdado o conceito de Democracia. Esperemos que, hoje, também recolhamos o exemplo de contestação ao que têm sido quatro anos terríveis de austeridade e de contínuos ataques ao Estado Social. E que Alexis Tsipras sirva de modelo para os nossos esquerdistas, que mais facilmente costumam fazer dos socialistas os seus inimigos de estimação, do que essa direita dos valores e dos interesses, que lhes deveria merecer primazia nos seus combates.
Depois de se ter acabado de conhecer a estratégia do BCE para abanar o marasmo em que as economias da zona euro caíram, a inevitável discussão em torno do excessivo peso das dívidas soberanas nalguns dos países do Sul promete trazer novos engulhos a passos coelho, a ângela merkel e aos que teimam em  impor receitas há muito demonstradas como totalmente erradas para os objetivos inicialmente definidos.
Muito embora continue a querer-se valer de indicadores económicos e financeiros, que mais rapidamente o desmentem, do que lhe confirmam as falaciosas teses, passos coelho só tem motivos para se sentir preocupado com o curso dos acontecimentos.
Houve quem lhe acenasse com a boia de salvação representada  pelo embaratecimento do barril de petróleo nos mercados internacionais, que permitiria conter a carestia de vida à conta dos preços baixos nos combustíveis. Mas os vendedores de ilusões, que lhe terão prometido meses de abastança, esqueceram-se do peso da economia de Angola nas nossas exportações e nas receitas de exploração de muitas empresas lusas, que ali encontraram alternativas para a falta de mercado no território nacional.
Com o ´barril na casa dos 50 a 60 dólares, será crível que não seja apenas a Avenida da Liberdade a ficar minguada de clientes de carteiras recheadas: já não falta quem preveja um novo ciclo de retorno de portugueses de África com tudo quanto isso possa suscitar no complicado mercado do trabalho.
Os problemas para a coligação de direita, que se confirma andar a ser renegociada por passos e portas para se apresentar unida às legislativas, não se ficam por aí: se nada conseguirá resgatar crato ou paula teixeira da cruz do fosso onde se conseguiram atolar com o caos respetivamente instalado nas escolas e nos tribunais, até os ministros com melhor imprensa - como era o caso de paulo macedo!- começam a colher ventos onde semearam tempestades após os cortes absurdos na saúde. As mortes nas urgências mereceram de António Costa um diagnóstico que poucos se atreverão a contestar: “Estamos a pagar o preço de uma estratégia de consolidação verdadeiramente desastrosa”.
Mas não é só a reputação dos ministros, que a direita vê posta em causa: um dos seus mais influentes “astros”, o advogado arnaut demonstrou aos seus novos empregadores só pecar por defeito a alcunha por que era conhecido na escola. É que o “asnô” fez perder à Goldman Sachs 835 milhões de dólares com o empréstimo aconselhado ao BES.
Conseguir que uma instituição bancária -   que costuma ganhar fortunas, simultaneamente junto dos vendedores a quem ajuda a colocar ações, e junto dos compradores que as adquirem, - embarcasse em tal negócio só condena o aprendiz de feiticeiro a nunca mais largar a vassoura...

sábado, 24 de janeiro de 2015

Um negócio que cheira mal, muito mal...

Num texto ontem publicado na versão diária do «Expresso», Nicolau Santos lembra o controverso historial dos investidores brasileiros na nossa economia nos últimos anos. Fala da Cimpor, que, consumada a privatização, iria manter em Portugal o seu centro de decisão, e logo o mudou para o Brasil na primeira oportunidade de forma a que seja hoje uma irrelevância entre as empresas do setor.
Aborda a seguir o caso da PT, acabada de vender à Altice por uma Oi, que apenas pareceu interessada em conseguir as mais-valias com que resolver a sua periclitante situação financeira deitando para o lixo a ideia peregrina de um gigante das telecomunicações para todo o espaço lusófono..
Conclui Nicolau  Santos:  “O mínimo que se pode dizer, pois, é que acionistas brasileiros diferentes conseguiram, em pouco mais de dois anos, destruir duas das melhores empresas portuguesas. Talvez não seja despiciendo ter isto em conta em privatizações futuras – nomeadamente a da TAP, em que se anunciam dois ou três interessados vindos daquele país. É que, como se sabe, gato escaldado da água fria tem medo.”
Ora, precisamente sobre a TAP, o antigo ministro Pedro Silva Pereira foi ler detalhadamente o caderno de encargos e o que lá encontrou deixou-o estarrecido: bem podem  esquecer as ilusões os que julgam possível ao novo governo socialista reverter o curso dos acontecimentos por causa dos supostos 34% com que o Estado português fica durante dois anos.
De facto, pires de lima e os seus cúmplices já cuidaram de deixar tudo decidido de antemão, não só a obrigatoriedade de venda dessas ações ao iminente comprador, mas também o próprio preço por que elas irão ser entregues: “o Governo não só concede desde já aos privados o direito a comprar a totalidade do capital social da TAP, como conclui com eles, já nesta fase, a negociação das condições em que o Estado se obriga a vender os restantes 34% do capital.
É caso para suspeitar dos contornos de um negócio decidido à pressa, sem qualquer consulta ao maior partido da oposição e com todos os sinais indiciadores de uma  combinação entre vendedor e comprador. Decerto que poderão aparecer muitos candidatos à compra da TAP, mas pires de lima já sabe por certo a quem a quer entregar. Como provavelmente também o desconhecido jacinto capelo do rego também já saberá como repetir a demonstração da sua famosa “generosidade”...
No entanto, os nossos jornalistas em vez de denunciarem os indícios de uma mais que comprometedora falta de transparência são capazes de discutir o sexo dos anjos, como é exemplo a suposta intenção de José Sócrates em influenciar quem iria dirigir as publicações da Controlinveste.
O que é mais grave para os interesses dos portugueses: discutir quem é que está à frente de um jornal ou com quem este governo anda a tramar na sombra duvidosas negociatas, que  destroem na prática empresas tão emblemáticas como, ontem a PT, e amanhã a TAP?