sábado, 31 de maio de 2014

DOCUMENTÁRIO: «Eterna Jean Seberg» de Anne Andreu (2013)

Um retrato comovente sobre o ícone da Nouvelle Vague ou como um destino trágico de uma magnífica atriz se converte num dos mais belos mitos do cinema.
Era ao vender o “New York Herald Tribune” nos Campos Elísios em «O Acossado», que a pequena americana encontrou a imortalidade. Três anos antes dessas imagens inesquecíveis, e após uma infância passada na América puritana das grandes planícies do interior, Jean Seberg fora escolhida, de entre 18 mil candidatas para interpretar o papel de Joana d’Arc no filme de Otto Preminger.
Tinha então 17 anos e logo roda a seguir «Bonjour Tristesse» com o mesmo realizador, chamando a atenção de François Truffaut, que a transmite a Godard. É assim que, aos 21 anos ela está convertida em imagem de referência da Nouvelle Vague e a conhecer Romain Gary. Com este nada pareceria suscitar qualquer empatia, mas a verdade é que o amor surge a enfrentar todas as convenções relacionadas com a idade, as origens sociais ou a cultura.
Jean Seberg passará a viver entre as duas línguas (francesa e inglesa) e os dois continentes (Europa e América). No início dos anos 70 ela milita nos Black Panthers e apoia o combate pelos Direitos Cívicos. O que a transforma num dos inimigos de estimação do FBI de Edgar Hoover...
Acredito que tive a mais bela mamã do mundo” - é com estas palavras de uma imensa ternura, que Diego Gary evoca a sua infância com os seus conhecidos progenitores.
Dennis Berry, com quem Jean Seberg estava casada quando morreu, insiste numa “vida poética destroçada” a propósito da sua opção pelo combate junto dos revoltados.
Em São Francisco, Elaine Brown, uma das fundadoras dos Black Panthers e amiga da atriz, recorda a sua determinação ao lado dos demais militantes negros. E até Clint Eastwood, habitualmente tão comedido a respeito da sua vida privada, evoca a amiga que conhecera durante a rodagem do filme «Paint your wagon».



FILME: «O Acossado» de Jean Luc Godard (1960)

Em 1960, «O Acossado» de Jean Luc Godard constituiu a obra fundadora da Nouvelle Vague ao mostrar com insolência e inovação, o desejo de viver intensamente e de mudar o mundo.
Michel (Belmondo) é um delinquente, que rouba um carro em Marselha. Perseguido por um motociclista, mata-o com uma pistola encontrada no porta-luvas.
Já em Paris encontra Patrícia a vender o “New York Herald Tribune” nos Campos Elísios e aloja-se em sua casa. Mas não tardará que ela o denuncie à polícia.
O filme, que fora rodado com meios limitados, transformar-se-ia num mito clássico, por anunciar uma geração de cineastas apostada em romper com o “cinema dos papás”. As técnicas convencionais na forma de tratar a narrativa cinematográfica são sabotadas, com falsos raccords, câmara em movimento, rodagem em exteriores, pós-sincronização sistemática e ausência de argumento.
Por isso lembramo-nos, sobretudo, de algumas imagens mais sugestivas: Belmondo a passar a unha do polegar pelos lábios perante o retrato de Bogart, o rosto de Jean Seberg ao lado de um quadro de Renoir ou a voz musical dela a apregoar o jornal...



FILME: «Blue Ruin» de Jeremy Saulnier

Será que o olho por olho, dente por dente, pode vigorar enquanto solução para se fazer justiça? No Estado da Virgínia essa lógica parece lícita e é por isso que a própria polícia informa um sem abrigo da iminente libertação do criminoso, que lhe matou a família e precipitou a sua desgraça subsequente.
No entanto, embora o filme parta de uma premissa habitual nos filmes de série B, ganha novas direções despistando o espectador, depressa convidado para não se deixar levar pela preguiça dos estereótipos e equacionar precisamente a tendência para o preconceito.
Num dos filmes mais interessantes de entre os que têm passado ultimamente por Lisboa, «Blue Ruin» confirma quão estimulante é o cinema americano produzido fora dos circuitos dos principais produtores.



POLÍTICA: Ainda a Comissão Nacional mal começou!

O que se está a passar na reunião da Comissão Nacional do Partido Socialista no Vimeiro mostra bem como António José Seguro é um homem sem qualidades, responsável pela forma como os portugueses lhe têm passado um atestado de incompetência para nele virem a confiar as funções de primeiro-ministro.
Em vez de reconhecer essa realidade, que só por autismo, se recusa a aceitar - e decerto pressionado pelos seus colaboradores diretos, todos eles a competirem entre si para demonstrarem qual bate o líder em inconsistência ideológica e retórica inapta e virem a merecer as mordomias de um acesso ao poder de que se veem agora desapossados! - o ainda secretário-geral do PS opta por manobras habilidosas, que têm três objetivos:
· impedir uma resolução célere da alteração da liderança do Partido, esperando que, com o longo hiato do Mundial de Futebol, se dilua o efeito devastador dos resultados pífios nas europeias;
· semear a tentativa de divisão do campo adversário mediante a possibilidade de surgir mais do que um candidato a disputar-lhe a liderança, diminuindo o impacto da iniciativa de António Costa;
· aliciar o desafeto eleitorado potencialmente votante no PS com o tipo de propostas típicas dos maus líderes sem credibilidade: a demagogia fácil da redução do número de deputados, que mais não é do que uma variante do discurso tipo taxista dos que entendem tais representantes da vontade popular como uns corrécios, que ganham muito dinheiro para nada fazerem;
É claro que Seguro, que sempre votou contra a iniciativa de abrir o Partido aos simpatizantes e aos eleitores - como forma de manter o “aparelho” bem controlado em sua defesa - decidiu-se pela manobra de diversão com que julga confundir quem defende o Congresso Extraordinário. Não deixa de ser uma esperteza saloia, que só o cola ao tipo de habilidades, que conformam o pior da política politiqueira.
Seguro mostra, pois um apego ao lugar, que o confirmam como quem está muito mais preocupado com o seu ego do que com o que verdadeiramente interessa ao partido e aos portugueses. Por isso irá acabar mal, apenas recordado como um líder incompetente, que nunca conseguiu capitalizar para os socialistas o profundo desagrado dos eleitores pelos três anos de terramoto governativo com que têm sido brindados.
Por isso será altura de se fazer ouvir em alto e bom som a voz dos militantes e simpatizantes socialistas, que não se  revêem neste tipo de trapaças.
Pela sua história, e pelos líderes que o dirigiram até 2011, o Partido Socialista merece bem melhor. E por isso mesmo o Congresso Extraordinário e eleições diretas para secretário-geral constituem um imperativo urgente por a generalidade dos portugueses que anseiam por encontrar uma alternativa sólida à desacreditada coligação da direita.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

POLÍTICA: são os fatores externos, estúpido!

Interessante o artigo que Viriato Soromenho Marques publicou no «Jornal de Letras» de há duas semanas atrás.
Intitulado «Portugal na crise europeia» lista as razões, que levaram o país a perder competitividade desde a adesão à Zona Euro desmascarando implicitamente os argumentos da direita quanto à responsabilidade dos governos de José Sócrates na deterioração da situação financeira de 2011, que obrigou à vinda da troika.
Esta questão não é despicienda nesta altura, porque, à falta de outros argumentos, a direita prepara-se para retomar sem pingo de vergonha a sua ladainha do costume quanto às responsabilidades do antigo primeiro-ministro na alegada “bancarrota” de então.

Para VSM podem considerar-se cinco as principais explicações para as dificuldades colocadas à economia portuguesa a partir daquela opção:
1. A estrutura disfuncional da União Económica e Monetária expôs o país ao risco de ampliar os seus desequilíbrios, “nomeadamente através da tentação irresistível para aumentar a dívida, recorrendo a um crédito externo barato, canalizado pelo sistema bancário, sobretudo para as empresas e as famílias”;
2. A União Europeia negociou a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001 o que possibilitou aos alemães um enorme aumento das suas exportações (de automóveis e máquinas industriais) enquanto os produtos portugueses (têxteis, vestuário e calçado) perdiam mercado por não conseguirem competir em preço com os similares que então invadiram o mercado internacional.
3. O alargamento da União Europeia para o leste do continente em 2004 ampliou a influência da economia alemã a esses novos membros para onde se deslocalizaram muitas empresas apostadas em aproveitar as competências e os baixos custos da mão-de-obra disponível. Além de perder fundos europeus, Portugal passou a contar com uma concorrência muito mais aguerrida para os seus produtos tradicionais.
4. A valorização excessiva do euro, que valia 0,96 dólares em 2001 e 1,61 em 2008, também prejudicou a competitividade das exportações nacionais.
5. O aumento do petróleo que passou de 20 dólares por barril de crude em 2001 para 140 em Julho de 2008, aumentou significativamente os custos de produção, que se somaram a outros decorrentes da qualificação insuficiente dos recursos humanos e da utilização de meios tecnológicos aquém dos seus concorrentes mais desenvolvidos.
A esses fatores externos, que condicionaram seriamente os governos de José Sócrates, associou-se a impossibilidade prática de combater internamente a ação do setor financeiro, que pressionou os clientes a investirem o que tinham e, sobretudo, o que tiveram de pedir emprestado, para alimentar a bolha imobiliária, cujo retorno nunca poderia equivaler-se ao da aposta (nunca realizada) nos bens transacionáveis. Mas como poderiam esses governos pôr em causa aquilo que toda a imprensa  impunha como legítimas aspirações dos seus leitores?
Se demonstrações seriam necessárias do perigo de entregarmos algo tão sério como o crescimento da economia à livre iniciativa dos empresários privados, o resultado ficou à vista em 2011. Porque os governos europeus - e os de José Sócrates nunca conseguiram ter força para tal! - prescindiram do seu poder regulador dos mercados, que contra eles se viraram após receberem os apoios públicos para evitarem bancarrotas de dimensões inimagináveis aquando da crise dos subprimes três anos antes.
Conclui VSM: Os Estados, ao longo dos anos, abdicaram do poder que os cidadãos e os povos lhes confiaram, e depositaram-no nas forças anónimas, dos mercados. Não, a causa da crise europeia não está nos mercados, mas sim no voluntário silenciamento das políticas públicas de regulação desses mercados”.
Por isso mesmo e como o antigo primeiro-ministro português não se tem cansado de proclamar a solução passa por, em Bruxelas e Estrasburgo, fomentar os apoios dos países sujeitos ao mesmo tipo de constrangimentos do nosso e impor outras políticas, que salvem o projeto europeu, única forma de devolver ao Velho Continente a condição de locomotiva da economia mundial. O que nunca poderá ser tentado por quem se esforça por parecer aluno exemplar da senhora merkel! 


quinta-feira, 29 de maio de 2014

POLÍTICA: palhaçadas conjunturais

Já o sabíamos, mas não custa nada comprová-lo: ao andar a negociar com nigel farage a formação de um grupo de extrema-direita no Parlamento Europeu, o palhaço grillo confirma a sua verdadeira face: o discurso antipolítico com base na tese de todos serem uns corruptos, mais não escondia do que a estratégia criptofascista, que lhe ia na alma.
Mas as europeias deste domingo ao penalizar o Movimento 5 Estrelas, mesmo dando-o como a segunda principal força italiana, veio demonstrar que basta o surgimento de uma liderança credível no principal partido da esquerda de qualquer país e os atarantados eleitores, momentaneamente aliciados por grillos e outros populistas, regressam à lógica democrática e apostam em quem os possa direcionar num futuro plausível e melhor.
Nesta altura anda-se a dar demasiada importância a fenómenos conjunturais como os de Marinho Pinto cá dentro, ou das diversas correntes de extrema-direita por todo o continente, mas uns e outros representam o ressurgimento de outros movimentos populistas do passado, rapidamente ultrapassados pela dinâmica da História. Esta não se compadece com quem apenas ganha efémero apoio eleitoral em função da demagogia simplória, que se desfaz quando se lhes exige alguma substância nas propostas concretas para além das xenófobas em que são pródigas.
Se se imputa aos dois principais partidos europeus a responsabilidade de encontrar as soluções para neutralizar a ameaça populista e encontrar-lhe vacina eficaz, não nos podemos esquecer que o PPE representa as forças económicas, que sempre se deram bem com a ascensão das forças antidemocráticas - como esquecer o papel dos industriais do Ruhr na ascensão e financiamento do nazismo? - pelo que não se poderá contar verdadeiramente com ele. Nesta altura histórica, cabe aos socialistas o papel de liderarem as suas sociedades e infletirem a lógica austeritária dos anos mais recentes.
Por isso mesmo a luta política dos próximos anos implica uma ação empenhada no Partido Socialista Europeu em apostar na sociedade desenvolvida, mais justa e igualitária que está na sua matriz, mediante lideranças com pressa para acelerarem as necessárias mudanças...


FILME: «Terra Prometida» de Gus von Sant (2013)

O debate ainda não chegou a Portugal, mas já está acalorado dos dois lados do Atlântico: a exploração das reservas de gás de xisto é defendida por uns como a alternativa a combustíveis mais poluentes, como o carvão ou o petróleo, tanto mais que oriundos de produtores muito exigentes nas condições do seu fornecimento. Mas também se ouvem os detratores, ou seja aqueles que alertam para os riscos de uma indústria com efeitos avassaladores nos ecossistemas circundantes, muito particularmente sobre os veios freáticos, que são esgotados ou poluídos tornando inviável qualquer exploração agrícola.
«Terra Prometida» mostra essas duas posições extremadas, que durante grande parte da história, situa de um lado dois funcionários de uma grande empresa e do outro um ecologista, com todos eles dispostos a influenciarem o sentido de voto de uma pequena comunidade rural para que se avance ou não na prospeção dos seus  terrenos.
De início Steve está a cavalgar uma onda de grande sucesso: é distinguido pelos patrões devido aos excelentes negócios conseguidos recentemente e incomparavelmente melhores do que o de outras equipas da empresa. Para quem veio de um nível muito baixo da escala social esse sucesso facilmente se transforma em atitudes de grande arrogância para com quem lhe põe obstáculos.
O primeiro cético, que terá de desviar do seu caminho - o presidente da câmara - é fácil de neutralizar através de um modesto suborno. Já outro osso bem mais duro de roer será Frank Yates, um cientista reformado, que consegue reunir muitos apoiantes para o adiamento de uma decisão enquanto não forem clarificadas algumas das mais complexas questões, que a chegada dessa indústria à região suscita.
Mas o pior opositor será Dustin, o aguerrido ecologista, que consegue insinuar-se nos locais mais influentes da cidade - no bar, na escola - para alertar para os perigos de se renderem a cantos de sereia.
Quando da sede lhe enviam as provas das falsidades com que Dustin tem recheado o seu discurso populista, Steve fica eufórico porque sabe já ter ganho. Mas as surpresas ainda estão para chegar e abalarem-lhe as convicções: ele que acreditava piamente no seu papel de salvador de uma comunidade falida e sem esperanças de sobrevivência económica, descobre que o ecologista estava afinal a soldo da Global, a sua empresa, e que a sua missão era puxar a população para uma posição avessa à exploração do gás e depois desacreditando-se na véspera da importante votação municipal, possibilitar uma fácil rendição à cínica estratégia empresarial.
Sentindo-se traído, Steve denuncia o sucedido sem que o realizador nos direcione para o happy end.  Apenas se ficará ciente de que perdeu definitivamente o bem remunerado emprego, muito embora lhe reste a convicção de ter procedido de acordo com a sua consciência.



POLÍTICA: onde em Itália se antevê o que António Costa pode conseguir em Portugal

Em fevereiro passado a esquerda italiana não conseguia definir a agenda política devido ao boicote do palhaço Grillo e à sobrevivência do fenómeno berlusconiano. Depois do desastre, que tinham representado os resultados das legislativas do ano passado, vivia-se num ambiente pantanoso com um primeiro-ministro voluntarioso - Enrico Letta - mas incapaz de ir mais além do que a mera gestão corrente dos assuntos de Estado.
Ora foi nessa altura, que Matteo Renzi decidiu acabar com esse impasse, cada vez mais favorável ao populismo, e assumir as rédeas da governação.
Não faltaram então discursos muito semelhantes aos que, nesta altura, se ouvem dos apoiantes de António José Seguro: traição, comportamentos avessos à satisfação das regras administrativas, etc.
Mas os resultados estão aí: em apenas três meses o Partido Democrático superou os 40% nas eleições europeias e ficou à frente em 107 das 110 províncias nas regionais. Há décadas, que não se assistia a uma vitória tão retumbante de um só partido e, para a esquerda, até teve foros de ineditismo.
Muito embora ainda se justifiquem algumas dúvidas sobre se as suas ideias políticas serão as mais ajustadas para a esquerda europeia nesta altura, Matteo Renzi veio mostrar como é que a esquerda pode reaprender a vencer, como intitula Jorge Almeida Fernandes um artigo de opinião do «Público» sobre este fenómeno. Porque tem carisma, não se perde numa retórica redonda sem novidades e mostra ideias claras quanto ao caminho a percorrer pelo povo italiano para se livrar de anos de crise, não só suscitados pela conjuntura internacional, mas também pela incompetência dos governos de Berlusconi.
O que se constata hoje em Itália? Aqueles que desacreditavam da política e se sentiam tentados pela abstenção ou pela demagogia dos que apenas apostam no quanto pior melhor, decidiram dar o seu apoio a Renzi, que contou com mais 2,5 milhões de votos do que Bersani em 2013.
É um choque deste tipo o que mais é necessário ao Partido Socialista e ao país no seu todo: e se os portugueses estão ansiosos em encontrar quem lhes dê a vislumbrar uma luz ao fundo do túnel, que não seja a do comboio em sentido contrário ao seu.
António Costa poderá encarnar essa esperança num futuro bem melhor do que os 20 ou 30 anos de sacrifícios, já prometidos por cavaco silva e pelos “economistas” da corrente austeritária, que tanto apreciam a desgovernação de passos coelho...