sábado, 29 de novembro de 2014

Três anos e meio depois...

Já não entrava num Congresso do Partido Socialista desde o de Matosinhos de 2011,  quando José Sócrates foi confirmado como secretário-geral para enfrentar a direita nas legislativas seguintes, aquelas que, infelizmente, se saldariam pela vitória de passos coelho.
O comportamento, então desprezível, de António José Seguro a fazer-se lembrado a todos e mais alguns pelos corredores da Exponor depois de quase nunca ter apoiado o governo socialista e até o haver desajudado aquando das manifestações de professores mobilizados pelo inefável nogueira, decidiu-me a só voltar à militância ativa quando tivesse um outro secretário-geral em quem eu confiasse. Daí a minha deslocação ao pavilhão da FIL no Parque das Nações, porque António Costa merece-me uma confiança quase absoluta, e darei o modesto contributo ao meu alcance para que venha a ter um enorme sucesso no projeto político, que designou por «Agenda para a Década».
O que encontrei foi um ambiente pejado de determinação e de unidade para conseguir o que mais interessa aos portugueses: atirar o governo de passos coelho para as páginas dos futuros livros de História onde ganhará a má reputação de quase ter destruído o país. Se ele pretendia ganhar um lugar nesses manuais tê-lo-á conseguido, porque deixará de herança uma terra quase queimada, onde muito trabalho deverá ser investido para que volte a tornar-se fecunda.
Houve excelentes discursos a começar pelo do novo secretário-geral a abrir o Congresso e depois com Manuel Alegre a impor que não ocorra nenhuma coligação possível com esta direita, culminando antes do jantar e da exibição dos dois grupos de cante alentejano, com o de Sampaio da Nóvoa a perfilar-se como um potencial presidenciável se Guterres aspirar merecidamente ao cargo de secretário-geral da ONU.
As televisões terão apostado sobretudo na possibilidade de haver quem chamasse José Sócrates à colação, mas todos os socialistas, quer os que subiram ao palanque, quer os entrevistados cá fora seguiram à risca o pedido do antigo primeiro-ministro: a prioridade é mudar decisivamente a vida dos portugueses, deixando-o a cuidar da sua defesa com a firmeza e a coragem, que se lhe reconhecem.
A nível dos comentadores também foi dado como adquirido que os próximos meses serão de grandes dificuldades para o Partido Socialista por causa dessa realidade judicial, sobretudo se ela for sendo complementada com aquelas «notícias» sopradas para os pasquins do costume pela acusação.
Veremos até que ponto se enganam, o que já poderá ser comprovado com as próximas sondagens, aguardadas em grande expectativa pelos socialistas e pela direita. Se o PS aguentar o efeito do terramoto causado pela decisão de carlos alexandre e mantiver uma percentagem próxima da maioria absoluta, teremos a direita a desesperar e deixar a reação sonsa de passos coelho para falar de Sócrates até à náusea. O que poderá resultar no tipo de situação em que o feitiço se possa virar contra o feiticeiro…
Se, pelo contrário, acontecer um tombo significativo nas sondagens, maior desafio se colocará a António Costa para recuperar o terreno momentaneamente perdido no favor dos eleitores. Mas conciliando a péssima governação da direita - que não dá qualquer sinal de ter aprendido com os seus erros - com a enorme capacidade política do novo secretário-geral para superar obstáculos políticos que eram tidos como intransponíveis, a maioria absoluta continuará a estar perfeitamente ao seu alcance. Para benefício da grande maioria dos portugueses, que já sofreram demais e anseiam por ver fundamentadas as razões de recuperação das suas aspirações a uma vida melhor...

É isso que queremos?

É claro que não vi a entrevista a passos coelho. Era o que faltava perder o meu precioso tempo a ver  um autêntico biltre, que tanto mal tem feito a milhões de portugueses. Gente que ficou sem emprego, sem casa, sem capacidade para alimentar os filhos quanto mais a si mesmos. Gente que viu os filhos partirem para outras paragens em busca do emprego, que aqui lhes passou a ser negado. Gente que, no limite, acabou nas ruas como sem abrigo ou encontrou uma das milhentas dolorosas maneiras para acabar de vez com o sofrimento.
Se o fundamento da boa governação consiste em assegurar o mais possível o bem estar dos governados, passos coelho tem feito exatamente o contrário, promovendo-lhes o sofrimento para favorecer os senhores do capital a quem assegurou impostos mais baixos e leis mais favoráveis para melhor explorar os seus precários escravos.
E, no entanto, olha-se para o telejornal e surge ele a dar-se ares de sonso - como o classificou Pedro Marques Lopes - a invocar a separação entre a política e a justiça,  mas depois a repor na agenda a questão do enriquecimento ilícito.
Questionava, e bem, Francisco Louçã: não foi passos coelho o proponente da legalização dos dinheiros fugidos para paraísos fiscais e que regressaram (ou não!) à custa de impostos obscenamente baixos? Não foi ele o responsável por uma quantidade significativa de branqueamento de capitais, que tanto contribuiu para esse enriquecimento ilícito? E, por outro lado, alguma vez tomou a iniciativa de acabar com o sigilo bancário, que será a forma mais eficaz de combater esse flagelo?
Ao trazer à baila essa antiga bandeira do PSD, passos coelho quer ao mesmo tempo cavalgar o caso de José Sócrates, mesmo fingindo portar-se com a decência, que se lhe exigia, mas também manter a guerra com o Tribunal Constitucional que, unanimemente recusou as propostas laranjas pelo que constitucionalmente está garantido como direito à presunção de inocência.
Recordemos que o PSD pretendia facilitar uma chuva de denúncias anónimas, que poria sob o fogo da Procuradoria-Geral da República uns quantos adversários políticos: enquanto se vissem obrigados a comprovar a legitimidade dos seus bens patrimoniais, ver-se-iam achincalhados pelos pasquins do costume, ficando com o seu bom nome manchado.
Estamos, pois, num momento muito sério da nossa cidadania, que levou o circunspeto Jorge Sampaio a manifestar a sua preocupação com tudo quanto se está a passar. Porque Mário Soares indigna-se e temos o Sindicado dos Magistrados a protestar. Temos José Sócrates a reagir mediante uma declaração entregue ao «Público» e à TSF e temos, uma vez mais, o Sindicato dos Magistrados a protestar. O mesmo Sindicato que, em 2010, se congratulava com a expectativa de, muito em breve, ver o poder judicial sobrepor-se na sua legitimidade ao poder executivo e ao poder legislativo.
Aonde querem chegar esses mesmos magistrados? Querem levar carlos alexandre a putativo candidato a presidente da República e por isso avisam as redações dos jornais e das televisões para estarem presentes e publicitarem a sua participação nas buscas retardadas ao BES, que parecem sobretudo um «show off»? O que seria um país com os juízes a querer mandar nele?
A última tentativa em que isso ocorreu conseguiu-se que Berlusconi dominasse a Itália durante muitos anos. É isso que queremos?

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Lembrando um Perdigão que perdeu as penas!

Para quantos subscrevem por inteiro a indignação de Mário Soares relativamente ao que estão a fazer a José Sócrates a primeira reação dele a partir do Estabelecimento Penal de Évora só veio aumentar as expectativas quanto à forma como se revelará à altura da sua fama de «animal feroz».
Quase todos os comentadores sublinharam o facto de não ser comum, que a acusação se confronte com uma tão frontal contestação da defesa nesta fase. E quando já começam a surgir notícias de abandono de um dos argumentos para proceder à detenção (relativo ao «tráfico de influências»), crescem as expectativas sobre que outras peças da engrenagem montada pelo ministério público griparão a seguir.
A invocação da complexidade do processo por carlos alexandre poderá não se tratar apenas de uma artifício para prolongar o mais possível a prisão preventiva, mas a confissão da fragilidade dos elementos de prova até agora recolhidos.
As próximas comunicações oriundas de Évora para os jornais prometem vir a ser bastante interessantes. Porque o juiz e os procuradores arriscam-se a perder as penas num processo em que podem ter uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma!

Precisamos de mais socialismo!


É certo que o meu voto em Francisco Assis nas eleições internas do PS em 2011 não teve propriamente a ver com o mérito do seu pensamento político, mas porque representava a alternativa a um concorrente ao cargo a secretário-geral sobre quem antecipava muitas das faltas de qualidade, que veio realmente a demonstrar. No entanto, lê-se o que o cabeça da lista socialista  às europeias tem escrito e fica-se atónito: como é possível que um socialista do século XXI ainda veja como inevitável, se não mesmo como desejável, a coligação com a direita? Não ficou já por demais demonstrado que é esta mesma direita  a responsável pelo acelerado agravamento das desigualdades sociais e pelo abandono de grande parte das políticas sociais que sustentavam o projeto das sociais-democracias da segunda metade do século passado? Não se tem saldado essa tragédia social por um crescimento inquietante das forças populistas de extrema-direita?
Para responder ao que a direita tem feito nestes últimos anos não precisamos de com ela nos coligarmos. Pelo contrário terá de se criar uma clara demarcação do que são as suas políticas e apostarmos no reforço dos princípios fundamentais, que fizeram dos partidos socialistas e sociais-democratas do século XX os grandes artífices da sociedade de bem estar em que nos julgámos vir a integrar! Precisamos de mais socialismo!

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O clamor que anuncia o rufar dos tambores

Quanto se estão a enganar os que julgaram poder calar José Sócrates durante quatro anos no Estabelecimento Penal de Évora. Entenderiam eliminar de vez o futuro de um dos mais brilhantes  políticos portugueses do século XXI, com visão e carácter para puxar pelas energias positivas dos compatriotas e dar ao país um devir histórico esperançoso em vez desta tragédia empobrecedora para onde a direita os quer empurrar.
Estavam tão convencidos do sucesso do que julgavam ser o processo de erosão contínua a que sempre o sujeitaram desde que tomou posse em 2005, que até «aconselharam» os socialistas a nem o referenciarem no Congresso deste fim-de-semana.
O primeiro grande sinal do clamor, que começa a crescer e tende a transformar-se no rufar dos tambores de que falava uma das belas canções de Zeca Afonso no seu «Cantigas de Maio», foi a visita de Mário Soares esta manhã, sem desprimor para o gesto solidário de Capoulas dos Santos na véspera.
Sem papas na língua o fundador do PS classificou todo o processo movido a Sócrates como uma infâmia e foi veemente em desqualificar todos quantos nela têm colaborado.
É claro que o Sindicato dos Magistrados reagiu como as púdicas virgens desmascaradas na praça pública pelos seus vícios privados. Mas quanto de ridículo se cobrem quando pretendem dar lições a quem foi o artífice da nossa Democracia!
Nesta altura já estão em preparação, e em execução, algumas iniciativas de solidariedade com José Sócrates e de repúdio pelo que lhe estão a fazer. E já importantes visitas mediáticas se anunciam nos próximos dias, nomeadamente a de Lula da Silva.
A indignação dos socialistas atinge tal dimensão, que decerto se fará ouvir no Congresso, por muito que a direção nacional esteja obrigada a assumir a posição politicamente compreensível de respeitar o poder judicial, por muito que ele esteja a desmerecer essa consideração! Cá fora, e para as televisões que pulularão no exterior do pavilhão do Parque das Nações decerto se lembrará a diferença abissal entre o tratamento conferido a José Sócrates e o que beneficiaram cavaco silva e as suas ações do BPN, passos coelho e a Tecnoforma, paulo portas e os seus submarinos, só para falar dos três principais expoentes dos tipos de corrupção, que abarca muitos outros nomes relevantes da direita.
E para os que insistem na «toxicidade» de se manterem as políticas seguidas pelos governos de José Sócrates como um ativo utilizado nas campanhas de propaganda do PS até às legislativas, a melhor resposta deverá surgir nas próximas sondagens que, ao contrário do que muitos prognosticam, não o afastarão significativamente da perspetiva sólida de alcançar a maioria absoluta. Até para tornar possível evitar que, ao contrário do que têm demonstrado, os juízes e os procuradores continuem a ser manifestamente zarolhos, rejeitando ostensivamente levar a tribunal quem efetivamente tudo faz para o merecer. 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sim ! Os democratas estão preocupados!

Hoje, na sua coluna de opinião no «Diário de Notícias», Mário Soares considerava que todos os democratas têm de se sentir preocupados com a forma singular como tem decorrido a acusação a José Sócrates. E, de facto, como não ficar preocupado quando o juiz justificou a prisão preventiva pelas três razões, que legalmente a fundamentam: quando há perigo de fuga do suspeito, quando há risco de continuação da atividade e quando há perigo de perturbação do inquérito.
Perigo de fuga não se justificava, porque Sócrates regressara de motu próprio a Portugal mesmo sabendo ao  que vinha - pelo menos é o que todos acreditam! - e ninguém o imagina capaz  de optar por outra atitude que não seja enfrentar quem o afronta.
Ora, muito oportunamente Miguel Sousa Tavares interrogava-se sobre a violência da decisão tendo em conta que, se Sócrates ficasse em prisão domiciliária e inevitavelmente com o telefone sob escuta, não seria de todo possível haver risco de continuação da atividade de que é acusado, tanto mais que a sua residência fora entretanto passada a pente fino.
O que esteve em causa para a “justiça” foi o medo do «animal feroz» que decerto contra-atacaria com a sua versão do que está em causa.
Encerrado no Estabelecimento Prisional de Évora Sócrates foi intencionalmente calado de forma a que a opinião pública só se veja intoxicada com a continuação das fugas de informação, que a Acusação continuará a passar cirurgicamente para as feliciascabritas do costume. E, quando fazem circular a ideia de ameaçarem Sócrates com quase quatro anos de prisão preventiva, apenas pretendem inculcar a ideia de culpabilidade que duvidam de conseguir comprovar, pois, como já se viu, as provas acumuladas devem ser demasiado frágeis para que se sintam fortes na forma como estão a conduzir o processo.
Como quem vai à guerra dá e leva, ficamos expectantes perante a nova batalha, que se segue, depois desta ter dado à partida uma efémera vitória aos que sempre tentaram destrui-lo!
Manifestamente não adivinham com quem se estão a meter! Porque a preocupação, que hoje sentem os democratas com todos os contornos sombrios deste caso só poderá merecer de um poder político forte, como o que não tardará a existir em Portugal, um sério combate aos abusos sistemáticos cometidos por alguns agentes da justiça, pouco dispostos em exercê-la com a devida irrepreensibilidade!

Mais do que presumível inocente!

Reality show, assim definiu Clara Ferreira Alves na SIC Notícias a indecorosa sucessão de acontecimentos em torno de José Sócrates nos últimos três dias. Iniciado com a forma como a acusação quis fazer da sua detenção no aeroporto o início de um circo mediático e depois continuado durante muitas horas a fio com as “informações” que, maquiavelicamente, ia passando para os pasquins do costume em manifesta demonstração da reiterada ilegalidade do comportamento da Procuradoria Geral da República em relação ao seu dever de assegurar o segredo de Justiça. O objetivo evidente foi o de preparar a opinião pública para a humilhação, que pretendia impor ao antigo primeiro-ministro.
Questionava a mesma Clara Ferreira Alves: se a acusação estava assim tão segura das provas que acumulara, porque se deu ao trabalho de antecipar tanta “notícia”, que estamos ainda por saber até quanto têm alguma relação com a verdade.
Uma vez mais fica demonstrada a podridão em que vegetam os protagonistas do poder judicial em Portugal: são tantas as suspeitas de corrupção de políticos de direita, a começar em cavaco com o BPN até portas com os submarinos, sem esquecer passos coelho com a Tecnoforma ou dias loureiro com todos esses casos e mais alguns e nenhum deles se sentou uma vez que fosse perante um juiz, porque os srs. procuradores da república nunca se deram ao trabalho de apurar o fundamento de tais suspeitas.
No entanto, sempre que se tratou de políticos afetos ao Partido Socialista ei-los prestimosos a acumularem indícios por irrelevantes, que se venham a comprovar, para os fazer condenar da forma absurda como nos últimos meses vimos ter acontecido com Armando Vara ou Maria de Lurdes Rodrigues.
Na altura destas condenações Daniel Oliveira questionava se estávamos perante uma inédita prova da competência da justiça em Portugal ou se não se trataria de constatar o quanto ela se revelava zarolha, apenas olhando para um único lado do espectro político. O sucedido nestes três dias faz pensar que a magistratura está efetivamente zarolha e importa que um novo governo trate de auditar o seu padrão de comportamentos de há muitos anos, todos eles destinados a limitar as garantias exigíveis para todos quantos são suspeitos de algum ilícito. Quer na forma como detêm suspeitos, quer como violam sem escrúpulos o segredo de justiça para possibilitar os julgamentos na praça pública, quer depois como arrastam longamente os processos de forma a limitarem o mais possível a recuperação da honorabilidade dos arguidos, quando são declarados inocentes.
Pior ainda: como lembra a mesma jornalista a acusação cria um tal clima de pré-condenação dos suspeitos que, nalguns casos, torna inevitável a sua condenação, mesmo quando as provas parecem mais do que insuficientes para o justificarem, como sucedeu no caso de Carlos Cruz.
Sorte terá tido o casal McCann em ser inglês, porque estariam decerto atrás das grades acusados da morte da filha de tal forma foram lançadas tantas mentiras em seu desfavor. E mesmo quando ainda andam a cuidar da condenação de gonçalo amaral por tudo quanto fez para os difamar, a justiça portuguesa vai permitindo ao delinquente as manobras dilatórias que o exima de pagar a devida indemnização por quanto congeminou.
Por isso mesmo só podemos desejar que todo este escandaloso comportamento se salde por uma reação aristotélica: tendo esticado tão violentamente a corda desejamos que os magistrados desonestos sofram o devido ricochete com equivalente coice.
À saída do Tribunal, João Araújo foi lapidar: a sua convicção quanto à profunda injustiça da decisão de carlos alexandre não resultou apenas de repetir o que qualquer advogado costuma afirmar nessas circunstâncias, mas por conhecer tudo quanto a acusação acumulou para invocar o auto-de-fé sabendo-a sem fundamentos para justificar esta medida de coação.
Para quem sempre tem apoiado e acreditado em José Sócrates não é esta prisão preventiva, que irá alterar essa manifestação de confiança. Ele continua a ser presumível inocente por muito que o queiram já dar como culpado. E lá diz o poema que atrás de tempos, vêm tempos, outros tempos hão-de vir. Desmentindo quem já julga o seu futuro político definitivamente enterrado!

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O euro e a crise do capitalismo democrático

A crise do capitalismo no universo democrático dos nossos dias tem sido objeto de análise por um dos mais interessantes sociólogos alemães, Wolfgang Streeck, cujas teses coincidem em muito com as emitidas entre nós desde há vários anos pelo professor João Ferreira do Amaral.
Entre ele e outro conhecido intelectual  alemão, Jürgen Habermas, decorreu uma polémica muito estimulante a propósito do futuro do euro. Embora ambos partilhassem a crítica ao neoliberalismo e aos seus efeitos destrutivos, divergiram completamente quanto à forma de ressuscitar um Estado Social forte  e sustentável.
Habermas defendeu a irreversibilidade do processo de globalização pelo que as funções outrora atribuídas aos Estados nacionais devem ser transferidas para universos políticos mais alargados, o que significa a defesa de uma maior união política a nível europeu com base na união monetária. No fundo Habermas coincide com as pretensões da direita europeia maioritária no Ecofin.
Streek limita-se a constatar uma evidência: em vez de ter contribuído para uma maior coesão entre os povos europeus, a união monetária pô-los uns contra os outros como não acontecia há muitos anos.
A forma apressada como o euro foi implementado não teve em conta a heterogeneidade das estruturas sociais e económicas, que ficariam vinculadas à uniformidade pretendida pela moeda única.
Ao impedir a possibilidade da desvalorização da moeda, o euro impôs a redução generalizada dos salários e  das reformas e o corte nas despesas públicas aos países deficitários a nível de competitividade. Essas políticas criaram a indesejada deflação e provocaram reações de profundo desagrado nos povos que as sofreram.
No ensaio «Du temps acheté. La crise sans cesse ajournée du capitalisme démocratique» (Ed. Gallimard), Streek verifica que a heterogeneidade intrínseca dos universos federalistas impede as políticas redistributivas de grande dimensão. Para que estas fossem possíveis seria inevitável que os cidadãos se sentissem unidos por sentimentos solidários, que possibilitassem a transferência de riqueza de uns grupos populacionais para outros sem que isso suscitasse significativa oposição. Assim, quando a política não se pode apoiar em valores comuns, abandona a «justiça social» e passa a orientar-se exclusivamente pelas imposições do mercado. Embora tivesse sido o execrável Hayek a propor originalmente essa tese, não é por ele ter sido o guru dos neoliberais, que essa constatação não deixa de ser verdadeira: os alemães ou os finlandeses rejeitaram a possibilidade de transferência de riqueza dos seus países abastados para os do sul, que logo trataram de desqualificar como madraços.
Mas essa hayekização do capitalismo europeu é para Streek o último grau da tal crise, que ele define em três fases: a inflação, o endividamento público e privado e esta crise financeira.
Streek preconiza que as instituições democráticas nacionais constituirão, no curto e médio prazo, os entraves mais eficazes para desacelerar a dinâmica do Leviatã supranacional.

domingo, 23 de novembro de 2014

Meninos e meninas: o circo desceu à cidade!

Todos quantos apreciam as opiniões de José Sócrates sobre a atualidade política ficaram a perder com esta sua inopinada detenção. A esta hora da noite, depois de termos comemorado devidamente a impressionante eleição de António Costa para secretário-geral do PS, já contaríamos com o que ele decerto tem a dizer sobre a Comissão de Inquérito ao caso BES ou sobre aos indícios de corrupção em altos funcionários do Estado. Por esta altura não faltariam nas redes sociais as referências a tudo quanto ele entretanto proferira.
Assim espoliado de um dos prazeres intelectuais do domingo à noite, continuo a ignorar as fantasiosas hipóteses sobre as razões da sua detenção, que se sucedem nas televisões. Ademais veiculadas ostensivamente por quem possui todo o interesse em semear a confusão a respeito da honorabilidade do antigo primeiro-ministro, para ver se algumas dessas especulações lhe ficam coladas quando se confirmar a irrazoabilidade de todo o circo mediático organizado pela Procuradoria-Geral da República e alguns «jornalistas» em torno deste lamentável caso.
Durante todo o dia foi penoso assistir ao desfile de muitos comentadores para tentarem emitir algumas banalidades  porquanto lhes iam faltando informações concretas sobre o que ia decorrendo no Campus da Justiça.
Nesse aspeto tem sido deliciosa a forma como o advogado de defesa de José Sócrates tem agido, confrontando os que o queriam forçar a falar com uma resistência coriácea e até com o seu quê de anedótico como sucedeu quando se lhes identificou como apenas sendo quem tinha sido incumbido de ir buscar o almoço.
Para uma imprensa, que se comporta muitas vezes como os abutres em torno das carcaças, João Araújo mostrou como deve ser o comportamento de um verdadeiro causídico.
Pelo que pudemos ver cumpre citar a conhecida máxima de um antigo futebolista:  os prognósticos só se justificam no fim do jogo. E faço sérios votos para que se volte a justificar a sageza do provérbio segundo o qual ri melhor quem rirá no fim.
Quer pela razão, quer pelo lado dos afetos, continuo inabalável na defesa de José Sócrates. Por muito que me inquiete a possibilidade de estarmos a assistir a mais um degrau na tentativa de golpe de Estado por parte do poder judicial...

sábado, 22 de novembro de 2014

Eu maluquinho de Sócrates, me confesso

Nas últimas horas o diretor do «Expresso» tem procurado desqualificar quem mais admira o anterior primeiro-ministro como tratando-se dos «maluquinhos de Sócrates» dentro do Partido Socialista.
A esse respeito tenho a confessar que me considero um desses maluquinhos de Sócrates e com muito orgulho. Porque, muito embora tente reagir tão racionalmente quanto possível  - e nesse sentido procuro manter a abertura de espírito suficiente para poder aceitar que a Procuradoria-Geral da República tenha razões bastantes para comprovar a ilicitude de alguns atos por ele praticados - quero crer que se verificará a razão de ser do provérbio: a montanha pariu um rato!
Mas, mais emotivamente, indigno-me veementemente com aquilo que salta à vista de todos quanto têm estado atentos aos acontecimentos relacionados com esta notícia:
- que algumas televisões tenham sido avisadas para estarem presentes no Aeroporto da Portela, quando ele chegasse de Paris, numa comprovação daquilo que o advogado Manuel Magalhães e Silva reprovou como a necessidade da acusação em fazer a encenação mediática dessa detenção!
- que a magistratura tenha apostado na tentativa de humilhar o seu suspeito, impondo uma medida de coação preventiva - ainda não sancionada por qualquer juiz! - quando se verá se ela seria efetivamente necessária ou peca por excessiva face ao teor das questões a serem esclarecidas!
- que tenha permitido a difamação em praça pública de uma pessoa sem nenhuma relação aparente com o caso - o representante em Portugal da farmacêutica suíça para que Sócrates trabalha como consultor para a América Latina - para viabilizar uma “narrativa” sobre o seu envolvimento numa operação de branqueamento de capitais para a qual não é tido nem achado!
Entrevistado pela SIC Notícias, Pedro Adão e Silva lembrava um documento emitido em 2010 pela Associação Sindical dos Juízes em que esta estrutura representativa dessa classe previa ser o século XXI o da preponderância do poder judicial sobre o executivo e o legislativo com a conivência da comunicação social. Como se a política devesse curvar-se perante os ditames da Justiça (e bem sabemos como isso levou a sucessivas vitórias de Berlusconi na Itália!)
Os recorrentes casos de escutas telefónicas, que a acusação vai fazendo chegar aos jornais para garantir o julgamento sumário de arguidos em praça pública, e que mais não tem demonstrado do que péssima investigação e mau jornalismo, justificam as suspeitas se o plano contido naquele documento não estará a ser executado clandestinamente e a colocar a Democracia seriamente em risco.
Por isso mesmo, na mesma ocasião, e apesar de nem sentir simpatia política e pessoal por José Sócrates, Magalhães e Silva exigir que a Procuradoria-Geral da República venha explicar em conferência de imprensa os motivos, que a terão levado a agir de forma tão arrogante.

Incredulidade e desconfiança a respeito da detenção de José Sócrates

A notícia da detenção de José Sócrates quando, esta noite, chegava de Paris e com a SIC “oportunamente” alertada para colher a respetiva reportagem, só pode suscitar duas reações: incredulidade e desconfiança.
Incredulidade, porque nunca houve político mais escrutinado por algumas entidades policiais e judiciais - que sempre deram mostras de terem para com o antigo primeiro-ministro uma animosidade mais que evidente! - e nunca conseguiram provas de algum ilícito.

Desconfiança, porque numa altura em que a direita está em sérios apuros com a história dos vistos gold, uma iniciativa deste tipo só pode dar ensejo a dúvidas quanto a quem e aos motivos que presidiram a quem a decidiu. Sobretudo acontecendo, “por coincidência”, no mesmo dia em que António Costa é consagrado como secretário-geral do Partido Socialista.
Até pela forma como o procurador responsável pela detenção decidiu dar publicidade à sua iniciativa só podemos recordar o sucedido a Paulo Pedroso que, apesar de inocente das acusações tenebrosas de pedofilia, teria o seu futuro político definitivamente comprometido.
Podemo-nos interrogar se existe quem tenta evitar que, a médio/longo prazo, ele seja considerado como um potencial candidato presidenciável!
Depois, e porque verificamos que ninguém foi preso - nem sequer para ser interrogado! - sobre o segredo de polichinelo de que todos falam sobre os negócios com submarinos ou com os tanques para o Exército, podemos suspeitar seriamente de uma parcialidade da Procuradoria-Geral da República a propósito de quem entendem ser suspeito de atos ilícitos.
Não vimos igualmente muitos dos conhecidos amigos de cavaco silva, ligados ao universo BPN - e excetuando o bode expiatório provisório, que foi oliveira e costa! - a serem incomodados pelos juízes apesar do evidente enriquecimento de que deram mostras, e cuja origem nunca se compreendeu.
Há algumas semanas formulávamos o desejo de que a Justiça não se mostrasse zarolha, quando comentávamos a absurda condenação a que Armando Vara foi sujeito. A notícia desta noite voltará a constituir um teste a esse poder, que deverá demonstrar se não estará a cumprir uma agenda própria ou a servir de muleta àquela que os portugueses se preparam para atirar para o caixote do lixo da História.
De qualquer forma, e mesmo que hoje José Sócrates volte a casa sem qualquer acusação, a Procuradoria Geral da República terá conseguido o que muitos pretendiam: calar a opinião semanal dele na RTP!

Há coisas que não esquecemos

Há dias a reportagem televisiva sobre a apresentação na FAUL da moção de António Costa mostrava um João Proença a bater palmas contrafeito numa passagem do discurso, que merecia vibrantes aplausos de toda a sala. A expressão facial e corporal do antigo secretário-geral da UGT era bastante reveladora do que vai na alma dos ex-seguristas, que demorarão muito tempo a engolir a amargura pela derrota nas Primárias e tudo farão para dificultar o sucesso do Partido Socialista nos próximos combates, que se avizinham.
Por mor das aparências eles não deixarão de aparecer a mostrar-se em eventos onde lhes convirá não se fazerem esquecidos - e esta semana na sessão Hotel Esperança em Setúbal já lá vimos uns quantos, que tanto mal tinham dito de António Costa e de quem o apoiava ultrapassando tudo o que o combate político deveria merecer a nível de comportamento. Compareceram, viram e escaparam-se pela porta dos fundos tão só se sentiram convencidos de terem cumprido o ritual a que se haviam proposto.
Mas ei-los nas redes sociais a aproveitarem tudo quanto possa denegrir a nova liderança do Partido, seja a respeito das inundações de Lisboa, das taxas aos turistas ou das subvenções a políticos, todas elas utilizadas na base de uma desinformação, que não . Ei-los a apresentarem-se às eleições para delegados neste fim-de-semana sob a capa de um apoio a António Costa, que verdadeiramente execram.
Apesar de existir uma vontade do novo líder em diluir as tensões entre quem o apoiou e quem esteve com Seguro, não será nada fácil que isso suceda. É que o segurismo, no que ele significou de mediocridade intelectual, de arrivismo canhestro, de compadrios de circunstância, continua dentro do PS apesar do desaparecimento político de quem lhe esteve no cume. E, por outro lado, são muitos os apoiantes de António Costa, que se recusam a esquecer as afrontas a que foram sujeitos durante todo o verão passado. É que há episódios, que dificilmente poderão merecer qualquer perdão.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Onde se volta a demonstrar que a senhora merkel está rotundamente errada! (E alguns socialistas, que pensam como ela, também!)

Numa das sessões desta semana de apresentação da sua Moção ao Congresso, António Costa foi surpreendido com as questões de alguns militantes, que se queixavam da importância conferida à qualificação dos portugueses, nomeadamente dos que aspiram a diplomar-se no Ensino Superior.
- Já estou farto de ouvir falar dos diplomados! - dizia um.
- Estamos a passar diplomas para cursos que depois não garantem emprego! - reclamava outro.
- Eu dirigi centenas de homens e nunca precisei de um canudo ! - orgulhava-se outro.
As afirmações em causa provinham de pessoas de respeitáveis cabelos brancos e muitas rugas, mas a quem a idade não parecia ter proporcionado a devida sabedoria. É que tais argumentos coincidiam com a prática do governo de direita apostado em desqualificar os portugueses e com a ofensa da senhora merkel, quando considerou existirem licenciados a mais no nosso país.
Por isso mesmo e até para permitir um aligeiramento momentâneo da sessão, António Costa recordou uma experiência que tivera nos finais dos anos noventa, quando era ministro da Justiça e visitara as instalações de um Tribunal em Santa Comba Dão para aí verificar o andamento da então informatização administrativa. Dera então com um funcionário de proveta idade, que olhava desconfiado para o computador e dizia com a sua ponta de orgulho:
- Eu nunca irei tocar nisso! - e apontando para uma máquina de escrever junto à sua secretária acrescentava com a mesma prosápia - e naquela também não!
Quer isto dizer que há dezena e meia de anos ainda havia quem, nas instituições d Estado, considerava normal que o trabalho fosse feito unicamente com canetas.
Quando o próximo primeiro-ministro de Portugal contou isto, eu também recordei um professor que me deu aulas numa das pós-graduações que tirei no ISCTE/INDEG. Logo na primeira aula ele contava a sua experiência pessoal: durante uns anos trabalhara numa instituição estatal, mas dela fora corrido logo que a maioria absoluta cavaquista atirou para o desemprego muitos dos licenciados, que se tinham tornado assessores e consultores durante a governação socialista.
Chefe de família desempregado, esse professor tivera grandes dificuldades em encontrar solução, porquanto canudos iguais ao seu abundavam na altura pelo mercado do trabalho.
Ele tomara então uma decisão, que partilhava connosco em forma de conselho: até ao fim da vida ativa (pelo menos) haveria sempre de estudar, de acrescentar currículo académico e sobretudo conhecimentos aos que já tinha. Porque, na sociedade do século XXI, quem não andar permanentemente atualizado, está condenado a ficar à margem no mercado do emprego.
Por isso mesmo António Costa reiterou a necessidade de contarmos com cidadãos extremamente qualificados e capazes de se adaptarem até a ferramentas ainda inimagináveis, mas que se tornarão imprescindíveis nas sociedades do futuro próximo.
Valerá ainda a pena dar mais um exemplo e que é o de uma das mais  conhecidas instituições bancárias a nível internacional.
Ainda há escassos anos, quando aí tinha um familiar a trabalhar em Londres, no seu departamento de análises de mercados financeiros, estavam um violinista, um historiador, uma engenheira biológica e outros profissionais com formação académica aparentemente sem ligação imediata com o que estavam a fazer. Mas a lógica dessa grande instituição bancária é cristalina: se só ali estivessem economistas a análise seria sempre a mesma, sem qualquer variante em relação à produzida por qualquer outra instituição concorrente. Ao recorrer a licenciados de outras áreas, todos com um brilhante QI, sabia-os capazes de uma abordagem bem mais alargada e com potencial para abarcar as muitas contingências em que os mercados financeiros são férteis mas às quais, como reconhece uma clássica pilhéria sobre economistas, estes só depois as conseguem explicar muito bem embora não as tenham previsto chegar.
Quem pode pois dizer que existem demasiados licenciados dos cursos A ou B? Provavelmente será previsível que os vejamos a cumprir funções noutras áreas, que não as tradicionalmente as suas, mas onde sejam fundamentais os mecanismos de exercício da mente propiciados pela formação nos cursos superiores. Sem que essas funções sejam obviamente a de caixas nos supermercados ou de atendedores de chamadas em call centers!
Mas António Costa ainda atirou um tiro certeiro num dos erros mais crassos do ministro crato: a de ver no ensino alemão, vocacionado para garantir operários especializados para as suas indústrias, a solução mais tentadora para o que deverá ser o ensino em Portugal.
A pergunta de António Costa foi assassina: se o tipo de ensino proposto pela senhora merkel é tão bom, porque anda ela a precisar de tantos engenheiros que procura agora atrair dos países do sul, que tanto investiram para os formar?