sábado, 4 de outubro de 2014

Vitoriosos … mas ainda de quarentena!

Nas últimas semanas vivi grandes alegrias políticas, como de há muito me desabituara de as ter.
Primeiro foi Ana Catarina Mendes a ganhar a Federação Distrital de Setúbal, quando tantos previam a sua derrota face á candidatura de Madalena Alves Pereira, tida como a favorita do tão glosado aparelho.
Depois, há menos de uma semana, foi a vitória de António Costa nas Primárias do PS a confirmar a esperança de ainda ser possível ansiar por futuros mais risonhos contra os que só veem muros e abismos à nossa frente.
De muros e abismos por derrubar é precisamente o que fala «Quarentena», a peça com que O Bando está a comemorar o seu 40º aniversário. E, não parecendo ter nada a ver com aquelas duas vitórias, acaba afinal por ter tudo.
E por isso mesmo saí do Vale dos Barris com os olhos ainda devaneadores de quem, perseguindo sempre o sonho, tem a esperança de o acabar por alcançar. Se não hoje, pelo menos amanhã!
Porque as emoções suscitadas por essa experiência de espectador ainda estão muito vivas - acabei de sair da peça e apenas um curto trajeto por autoestrada me distanciou do computador onde escrevo! - não encontro as palavras mais acertadas para exprimir o deslumbramento em que fiquei.
E, mais uma vez, aí sobra outra linha de interseção entre a peça e aquelas duas vitórias políticas: é que o corolário das três experiências de vida acabaram por resultar no mesmo assombro e fascinação.
É que, se na militância política persigo o sonho de ver o espaço em que vivemos coincidir com a merecida utopia, a peça remete para essa procura feita de superação dos muros e dos abismos.
Nas três horas de duração da experiência percorremos as ruas de Palmela, andamos num autocarro com as janelas tapadas - porque não é essa a nossa condição de viajantes de uma realidade onde nos escondem quase sempre por onde andamos e, sobretudo, para onde nos querem levar? - e desembocamos na ampla sala onde desaguam os vários rios, que buscam em conjunto a saída para o mar.
A peça não a inclui, mas quase dava para pressentir a proximidade do «FMI» do José Mário Branco (“a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de São Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou!”), porque aqui também se fala desses sonhos, que quase parecem à beira de se concretizar e nunca acabam por se fazerem realidade.
Ora, voltando às vitórias de Ana Catarina Mendes e de António Costa, os meus amigos, sobretudo os que militam ou simpatizam com o PCP ou com o Bloco, acharão fúteis as esperanças por quem consideram representar os interesses da tal burguesia com que nada querem ter a ver, mas quero crer estarem eles enganados. Porque tais vitórias deram-me a confiança de voltar a ver o meu Partido retomar o que de melhor teve nestes quarenta anos em que, para o mal e para o bem, moldou o modelo luso de Democracia.
E, numa fase em que o capitalismo vai dando sinais de rutura por todo o lado (quem admitiria como possível o estrondo com que acabaram os Espírito Santo?) haverá quem deseje chegar mais depressa (e pode-se engasgar) e quem acredite na sageza e determinação de quem anseia a mesma liberdade e igualdade, mas com a sustentabilidade de quem quer passar do sonho para a realidade como a progressão da personagem infantil de um filme do Mikhalkov, que sente o sol matinal a inundar-lhe de luz o rosto esperançoso e desperta para o novo dia com a confiança de nele encontrar a alegria dos desejos à beira de se converterem na superlatividade do prazer...
«Quarentena» acaba por ser o espetáculo ideal para dar a melhor ilustração de um ano em que, depois de tanto desencanto, somam-se motivos para crer que poderemos voltar a ser gente feliz com lágrimas... 

Sem comentários:

Enviar um comentário