sábado, 4 de outubro de 2014

Vinte cinco anos depois dos «comboios da liberdade»

Esta semana passaram vinte e cinco anos sobre os chamados comboios da liberdade, um dos episódios marcantes dos que antecederam a queda do muro de Berlim.
De facto, no verão de 1989, milhares de alemães do leste acorreram a Praga para pedirem asilo na embaixada da República Federal e assim conseguirem salvo-condutos para se instalarem do outro lado da fronteira.
A primeira brecha dera-se na Hungria, a que se seguiram as verificadas em Varsóvia, Budapeste, Sofia e Praga. De repente, a juventude leste-alemã, que não se sentia nada atraída pelos discursos oficiais, ganhou uma autêntica psicose de fuga abarcando milhares de aspirantes à liberdade.
Em poucos dias a embaixada de Praga estava a abarrotar com mais de quatro mil pessoas, muitas das quais haviam-se feito acompanhar dos filhos ainda de colo.
Numa primeira fase os regimes pró-soviéticos não quiseram transigir com aquilo que se transformou rapidamente numa operação de propaganda potenciada pelos media ocidentais. Mas as negociações do então ministro Hans Dietrich Genscher com as autoridades berlinenses resultaram num compromisso: esses milhares de refugiados seriam conduzidos para a Baviera em comboios obrigados a atravessar o território de que haviam fugido.
Os primeiros comboios partem para a cidade bávara de Hof com os passageiros temerosos de que estivessem a cair numa armadilha. Durante nove horas estiveram na expectativa de um assalto das forças ao serviço de Honecker, que lhes cortasse cerce o sonho.
Quer em Fort Langley, onde muito do que então se passou, se preparara nos anos anteriores, quer na Casa Branca, ocupada pelo pai Bush, começou-se a prever a queda iminente da primeira carta do baralho em que Gorbatchov convertera o bloco leste europeu.
O documentário «1989 - Os comboios da Liberdade» da autoria de Sebastian Dehnhardt e de Matthias Schmidt, com duração de hora e meia, e agora estreado para comemorar a efeméride, entrevista os fugitivos e quem tinha por missão dificultar-lhes os anseios. Tem, por isso, o interesse de mostrar-nos a História através dos que nela serviram de figurantes.
Mas não procura ir além da regra da descrição dos acontecimentos pela ótica dos vencedores. Nesse sentido ficam por desvendar todas as circunstâncias, que terão justificado a rápida implosão de tantos regimes nesse final de 1989 e nos meses que se seguiriam. Nomeadamente todo o papel da corrida aos armamentos lançado pela «guerra das estrelas» de Reagan, assustador papão que devorou recursos financeiros e complicou o acesso dos cidadãos do Leste Europeu a bens de consumo, que adivinhavam facilmente acessíveis no Ocidente.
E também não seria má ideia interrogar algumas das testemunhas sobre as diferenças entre as maravilhas, que julgavam vislumbrar no seu futuro, e as dificuldades que encontrariam depois da poeira assentar e as realidades quotidianas do capitalismo terem limitado os seus anseios hedonistas.
Nestes vinte e cinco anos, a História do que então se passou sempre nos foi apresentada de forma muito maniqueísta, com os intervenientes de um lado a ostentarem um brando imaculado face à cinzentude carregada dos do lado contrário.
Precisaríamos, por isso, de testemunhos policromáticos, que nos expusessem as verdadeiras circunstâncias em que estes episódios conduziram à realidade dos nossos dias: aquela em que a Democracia está continuamente ameaçada pelos decisores clandestinos de um capital financeiro apostado em reduzir os direitos e garantias da maioria dos que trabalham para aumentar tão exponencialmente quanto puder os já lautos lucros que vai escondendo em paraísos fiscais... 

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