domingo, 1 de junho de 2014

LEITURAS: «Mazagran» de José Rentes de Carvalho (1)

Há exatamente um ano passei para o clube dos avós, porque nasceu-me a neta em Amesterdão. Compreende-se, pois, o aprofundamento da empatia já anteriormente existente com a mais conhecida das cidades holandesas.
Se, das diversas ocasiões em que ali estivera, já me tinham agradado a geometria dos canais e a presença dos moinhos na paisagem, a riqueza dos seus museus ou a aparência de uma liberalidade de costumes a desmentir a propalada severidade protestante, razões familiares passaram a determinar uma maior justificação para ali veranear.
Mas, se o espírito do lugar é feito da arquitetura urbana e dos sons que lhe servem de partitura, há que contar com quem lá vive. É por isso, que passei a dar outra atenção aos livros de José Rentes de Carvalho, que ali se exilou a partir de 1956 e conseguiu criar uma certa notoriedade literária. Enquanto observador atento dos seus vizinhos, conhecidos e de com quem se cruzou nas ruas e nos transportes, ele dá-nos a conhecer muitas das características específicas desse povo admirável, que conseguiu conquistar ao mar uma boa parte do seu território.
Depois de ter lido «Com os Holandeses» há já mais de um ano, visito agora a coletânea de textos curtos, com três a quatro páginas cada, a que ele deu o nome de «Mazagran» pelo facto de, tal como sucede com a célebre bebida do Magreb, deverem ser consumidos sem pressas, apreciando um de cada vez.
Temos assim uma caracterização do povo holandês como vivendo “anestesiado, num bem ordenado mundo de diversões e irrealidade”, com uma “febre inata de controlar, de ver com os próprios olhos” e a valorizar prioritariamente o dinheiro, mais do que os valores ou os costumes.
E que desmente facilmente a sua fama de taciturno (“na reunião o holandês fala pelos cotovelos, defende acaloradamente os seus pontos de vista, é de uma franqueza que parece refutar a reputação que tem”) ou de individualista (“gente que, de facto, traz o individualismo na boca e a associação no peito”).
A prosa escorreita de Rentes de Carvalho é de fácil leitura e as suas observações sempre pertinentes...

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