segunda-feira, 26 de maio de 2014

POLÍTICA: no rescaldo das eleições europeias

É verdade que, hoje em dia, o Canadá voltou a ter um governo dominado pelos Conservadores cuja linha política se aproxima mais do vizinho Tea Party  do que de uma direita civilizada, mas há vinte e um anos as legislativas quase os apagaram do mapa político quando só conseguiram eleger dois deputados para o parlamento de Otava.
Nem sequer a primeira-ministra da altura, chamada à pressa para substituir o impopular antecessor Mulroney, conseguiu ser reeleita deputada na sua circunscrição.
Seria uma punição deste tipo que passos coelho e paulo portas mereceriam em função de tudo quanto destruíram nestes três anos. A justiça assim ditaria se não fossem três fatores, que temos de levar em consideração:
· as idiossincrasias lusas, que se mostram avessas a grandes riscos e mudanças, se elas lhes forem delegadas. Conservadora e preconceituosa os portugueses preferem maldizer do que agir no sentido da defesa dos seus interesses. E, por isso sentem-se tentados a apoiar quem lhes possa acenar com discursos populistas como foi agora  caso de Marinho Pinto.
· a propriedade exclusiva dos meios de comunicação nas mãos dos que defendem a direita ideológica, cuja mensagem se esforçam por disseminar de forma explícita ou subliminar. Por muito que queiram dar uma aparência de objetividade convidando alguns comentadores conotados com a esquerda, predominam os representantes opinativos das posições contrárias.
· a insuficiência da esquerda no seu todo, incapaz de convergir em posições comuns, que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos que reivindicam representar. Poderá o PCP ficar satisfeito com o facto de ter ganho um 3º deputado, quando os seus 12-13% não lhe perspetivam maior influência eleitoral do que a atual? Poderá o Bloco de Esquerda manter um modelo bicéfalo de liderança, que funciona como uma anomalia à tendência incontornável dos eleitores gostarem de se identificar com um rosto bem definido?  Poderá Rui Tavares entender a sua tendência para se converter na versão mais ou menos atualizada (e igualmente inoperante) de Carmelinda Pereira? Poderá, enfim, haver um rasgo de consciência por parte de António José Seguro, que compreenda quanto está a demonstrar à saciedade a razão de ser do Princípio de Peter, prejudicando não só o Partido, mas também a generalidade dos portugueses, que nele não encontram o inquestionável líder da mudança e da recuperação da esperança?
É claro que não podemos sentir grande satisfação com a limitada humilhação da coligação da direita ao ter o pior resultado eleitoral da sua história. Porque, já não exigindo os mais de 40% obtidos por Ferro Rodrigues há dez anos, exigir-se-ia ao Partido Socialista um resultado muito próximo dessa fasquia. Para que a expectativa de uma maioria absoluta, que o não voltasse a tornar refém da convergência negativa da direita com a CDU e o Bloco, desse garantias de uma governação determinada no sentido da remissão dos danos com que se irá deparar.
Quando for a altura de substituir a atual coligação no governo, o Partido Socialista terá dois desafios a superar: dar substância à expectativa de mudança de quem muito tem sofrido neste período e confrontar os interesses das empresas privadas, portuguesas e estrangeiras, que têm sido tão beneficiadas neste período.
Nessa altura como se poderão combater as rendas excessivas nas PPP’s ou na energia se não se puder contar com um apoio firme da maioria parlamentar?
O que se está a passar em França é um bom exemplo do que um governo fraco pode causar à credibilidade de um projeto teoricamente situado à esquerda!
Mas se passos coelho e paulo portas vão dormir bem mais descansados do que terão temido perante algumas das sondagens destes últimos dias, só poderão confundir os seus sonhos com a realidade. É que, muito embora a soma dos votos do Partido Socialista, da CDU, do Bloco e do Livre pouco ultrapassem os 51%, os que foram dispersos por Marinho Pinto e pela anulação ou entrega em branco do boletim já quase atingem os 15% e todos eles exprimem um repúdio das atuais políticas, mesmo que ainda sem se traduzirem num apoio declarado a quem possa fazer a diferença.
Estamos pois na situação de constatarmos que, sabendo bem  o que não querem, os eleitores não encontraram o projeto alternativo e fiável onde possam investir o seu apoio. O que aumenta a responsabilidade da esquerda no seu todo, e do Partido Socialista em particular, para levar Godot a quem por ele está impacientemente à espera.
Uma palavra final para o que se passou no resto da Europa, onde a extrema-direita pôde comemorar importantes progressos em muitos dos países da União. O que levará a ter de se a encarar como um fenómeno a acompanhar com inquietação em vez de  a acantonar a uma excrescência sem relevância na vida política do continente. E para o qual também caberá à esquerda encontrar a resposta adequada para conseguir recuperar a imensa quantidade de eleitores, que transitaram diretamente do seu campo para esse populismo, apesar de não encontrarem nele as soluções adequadas às presentes circunstâncias.


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