sexta-feira, 11 de abril de 2014

POLÍTICA: A verdade que nos querem esconder com nuvens de fumo

Ignacio Ramonet foi diretor da edição francesa do Le Monde Diplomatique entre 1991 e 2008. Devemos-lhe muitos dos textos mais interessantes sobre uma época histórica riquíssima, feita dos efeitos subsequentes da perestroika, do temor milenarista, dos atentados do 11 de setembro ou das invasões do Afeganistão e do Iraque. Quando passou o testemunho a Serge Halimi estava a crescer a bolha especulativa, que redundaria na falência do Lehman Brothers e na crise por que vão hoje passando os povos do sul da Europa.
Ramonet continua a pensar os dias que passam com a pertinência do costume. Como se comprova na mais recente edição portuguesa da mesma publicação em que ele aborda os condicionalismos inerentes ao compromisso com a verdade, que deveria ser inerente a todo o jornalista. Por muito que constatemos que existem poucos Jornalistas com J muito grande e imensos com um minúsculo j, distanciando uns e outros, o nível de subserviência com que andam a fazer os fretes sugeridos ou impostos pelos que detêm o poder ou a propriedade dos meios de informação onde trabalham.
Infelizmente vão escasseando os que eram da têmpera dos grandes Jornalistas, que durante décadas existiram em Portugal e de quem Baptista Bastos não se cansa de evocar. Hoje parecem-lhes ter sucedido os rodriguesdossantos dos dias de hoje, muito reverenciosos para com os ministros do governo PSD/CDS e extremamente agressivos com quem não se cansa de proclamar quão nu vai o rei…
É das dificuldade em praticar um jornalismo de qualidade que Ramonet escreve no artigo em causa: “Historicamente o poder político ou o poder do dinheiro - e muitas vezes os dois - trataram de limitar as liberdades do jornalista. De modo paradoxal, ultimamente juntaram-se a estes poderes tradicionais o poder de alguns grandes conglomerados de comunicação, de dimensão continental e até planetária, que desejam transformar o jornalista num mero entretenimento domesticado. Fazem-no apostando numa infantilização da audiência e procedendo a uma insuportável simplificação da realidade.”
A forma como a questão da Crimeia tem sido tratada nalguns telejornais é bem elucidativa dessa simplificação, que se traduz num maniqueísmo estupidificante, que faz dos russos os maus da fita e dos ucranianos os martirizados santos, que convirá ungir. Explica-se, assim, o exemplo lapidar do tal pivot da RTP, que conseguiu deslocar-se à república em causa e “só” conseguiu entrevistar os adversários da adesão à Rússia.
Mas não é apenas por tais manipulações grosseiras, que o (mau) jornalismo é praticado.
Quantos de nós ansiamos por ver os debates ou as opiniões dos que ainda conseguem ter voz ativa nos canais televisivos (Augusto Santos Silva, Eixo do Mal, Quadratura do Círculo, José Sócrates) e damo-los substituídos por toscos debates sobre futebol, que se repetem nos diversos canais à mesma hora? Quantos desses programas são atirados para as duas da manhã para que os ineptos se deixem deslumbrar pela admirável verve dos jorgesjesus, dos brunosdecarvalho ou dos pintosdacosta?
É, exatamente, o que constata Ramonet no mesmo artigo, quando diz: “Hoje, muitos meios de comunicação social reproduzem-se uns aos outros, como um espelho que reflete outro espelho, numa configuração abismal. A internet e as redes sociais aceleram o fenómeno. Desenham assim uma realidade em que, com frequência, o importante dilui-se no trivial; em que o verdadeiro e o falso se confundem, a lógica maniqueísta triunfa e o sensacionalismo substitui a explicação.”
Hoje, mais do que nunca, importa privilegiar e apoiar todos os meios de comunicação onde se tenta contrariar a tendência para transformar os leitores e os espectadores em zombies incapazes de entenderem as armadilhas das “mensagens”, que lhes querem inocular nas mentes. E, numa altura em que o capitalismo austeritário já não consegue prevalecer pela mera alienação consumista, há que estar atento e denunciar as formas como os seus porta-vozes tentarão convencer-nos da impossibilidade de uma outra alternativa...


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