quarta-feira, 30 de abril de 2014

POLÍTICA: custe o que custar!

Resumindo, e falando apenas de números:
· Apesar de ter imposto 30 mil milhões de euros de austeridade - ou seja mais 12 mil do que o previsto no memorando - o governo de passos coelho não conseguiu alcançar a meta de défice público ali definido. Em vez dos 3% em 2013 ficou-se pelos 4,9% e seriam 5,3% se não recorresse às tais medidas extraordinárias e não repetíveis.
· A meta igualmente definida para a dívida pública - deveria atingir um pico de 115,3% do PIB em 2013 - também ficou muito distante de ser atingida, chegando a 128,8%.
Não há nenhum economista - nem mesmo nos mais afetos ao governo, que seja capaz de negar a agudização da crise por efeito da redução drástica dos rendimentos dos portugueses. E daí as quebras verificadas no consumo, no investimento e no emprego.
Para 2015, o executivo irá fazer cortes de despesa adicionais de 1400 milhões de euros, essencialmente nos custos de funcionamento dos ministérios.
Esse incremento da austeridade - que será sempre feito à custa dos bolsos dos contribuintes mesmo que de forma mais ou menos disfarçada - confirma que este governo não aprende nada com os seus erros e está disposto a levar até ao fim a sua agenda ideológica. Custe o que custar…

HISTÓRIA: A ética e a determinação contra a corrupção salazarista

Este ano a RTP interrompeu uma tradição já com alguns anos no seu segundo canal não passando documentários nacionais durante as vinte e quatro horas de duração do dia 25 de abril. Tratou-se de apenas mais um sinal do incómodo que a efeméride causa nas meninges dos turiferários do atual poder na televisão pública.
Ainda assim, e porque há mínimos a cumprir, lá apresentaram cinco documentários ao fim da noite entre a segunda e a sexta feira da semana transata. Dois deles vimo-los agora a posteriori e são testemunhos eloquentes sobre aquilo que já há muito se sabe, mas é esquecido ou propositadamente ignorado por muitos: que o regime salazarista era composto por gente sem qualidades éticas, cívicas e de coragem ao contrário do que sucedia na Oposição onde avultavam personalidades brilhantes e de uma dimensão humana admirável.
É difícil não ser primariamente maniqueísta, quando se trata de comparar a tacanhez, a malignidade e a hipocrisia de um ditador, que liderava a forma mais nefasta de corrupção: se prescindia do enriquecimento em dinheiro e em propriedades, não mostrava o menor escrúpulo em que por ele matassem, torturassem e aviltassem milhares de pessoas só para que pudesse manter-se nas cadeiras do poder até uma delas se cansasse e o atirasse definitivamente ao chão. Entre uma forma de corrupção baseada na ganância ou a que é motivada pela sede de poder não é fácil escolher qual a mais nefasta!
Os dois documentários em causa traçam o percurso biográfico de outros tantos homens notáveis, mas quase opostos entre si: em ««Ser e Agir» temos o médico Miller Guerra visto pela câmara dirigida pelo seu neto João. Em «O Império e os Românticos Armados» o realizador António José Almeida dá voz a Camilo Mortágua e aos que o conheceram e admiraram.
No caso do primeiro, que foi uma das vozes mais influentes da Ala Liberal no tempo do marcelismo, admira-se a dimensão ética de quem se preocupava com a necessidade de alargar o direito à saúde e à educação a todos os portugueses. Por isso mesmo António Arnaut rejeita a condição por que é conhecido - a de pai do Serviço Nacional de Saúde - e considera-se discípulo desse mestre para quem o catolicismo era, mais do que uma experiência interior, um compromisso humanista para com os seus semelhantes.
Num dos momentos mais curiosos do filme o filho de Miller Guerra, Gonçalo, recorda o quão furioso ele se sentira depois de um encontro com salazar a quem fora dar conta das suas impressões sobre uma viagem a Moçambique e a quem criticara o facto de o regime ter canalizado a água dos rios e nascentes para as aldeias, mas a troco do pagamento de uma taxa. O ditador respondera-lhe que importância teria isso já que «os pretinhos» não precisavam assim de tanta água quanto os brancos.
Mas o que poderia esperar-se de um crápula que, anos antes, embaraçara os seus embaixadores junto de vários países, que não souberam explicar porque, perante a morte de Hitler no seu bunker de Berlim, ele decretara o luto oficial durante três dias?

Já quanto a Camilo Mortágua, mais do que o imperativo ético, vigorou sempre a coragem e o gosto pela ação. Por isso mesmo ele esteve em três das mais mediáticas ações de contestação ao Estado Novo: a mediática ação de controlo do paquete «Santa Maria», o desvio do avião de Marrocos para Lisboa a fim de atirar milhares de panfletos sobre Lisboa, Barreiro e Beja, e o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz.
Juntamente com outros heróis impacientes, que viam na ação armada a forma de derrubar o regime, Camilo Mortágua esteve em todas esses momentos, que tiveram algo de pioneiro já que, ninguém até então se lembrara de desviar navios ou aviões para chamar a atenção do mundo para as suas causas. E também neste documentário surgem revelações singulares. Numa delas Camilo Mortágua conta como, impedidos de trocar o dinheiro obtido na Figueira da Foz por o regime rapidamente ter declarado as respetivas emissões fora de circulação, eles tentaram quem o trocasse e encontraram um rápido interessado: o insuspeito Banco do Vaticano, que pretendia para tal uma comissão de 60%.


terça-feira, 29 de abril de 2014

FILME: «História do Medo» de Benjamin Naishtat (2014)

Ao 5º dia do Festival Indie a nossa opção foi para o primeiro filme do argentino Benjamin Naishtat, que passou no Grande Auditório da Culturgest. Tendo por tema o Medo, ele é visto na lógica de luta de classes, mas também na vertente mais global feita de estranheza e temor por tudo quanto possa desconhecer-se.
Nesse aspeto «História do Medo» tanto se pode aproximar da versão romeriana dos filmes de zombies - em que sociedades burguesas, consumistas, são ameaçadas pelo cerco dos que dela não usufruem (os mortos-vivos)  - como do microuniverso descrito por Saramago no seu «Ensaio sobre a Cegueira», porquanto a total escuridão em torno dos personagens será para eles um fator de total desorientação.
Logo de início duas cenas em paralelo começam a suscitar uma relação de estranheza do espectador perante a história proposta no ecrã: cansado, um miúdo recusa continuar a jogar à bola com o pai, enquanto um helicóptero sobrevoa uma zona urbana ordenando aos habitantes o seu abandono. Doravante os que habitam o luxuoso condomínio privado viverão obcecados pela possibilidade de virem a ser espoliados pelos que vivem à sua volta, enquanto estes últimos, vão de facto entrando naquele seleto espaço, seja para assegurar tarefas domésticas, seja para, clandestinamente, passear no seu bosque.
É claro que Naishtat poderia ter optado por simplificar o conflito de classes, mas sabemos bem como os realizadores estreantes apreciam complicar. Mas, neste caso, o realizador adota uma estratégia muito curiosa, que garante ao filme o seu maior interesse: o quanto, em sons, se sente passar-se sem que o vejamos. Essa sonoplastia vai contribuindo para o crescendo de tensão, que vai sendo garantidas por cenas breves mas eficientes nos receios, que transmitem - o miúdo a furtar-se à brincadeira com o pai por dizer-se cansado, as avarias no elevador, o rapaz que tem um ataque quando estava na fila da hamburgueria, o homem que surge nu a uma mãe e ao seu filho numa portagem - até chegarmos ao black out final em que os privilegiados se perdem na escuridão, incapazes de se orientarem num mundo sem as referências, que lhes eram tão comuns.
Não se tratou, pois, de um filme que nos enchesse as medidas, mas pode-se reconhecer a presença de um potencial, a que valerá a pena estar atento… ou não seja o cinema oriundo do país das pampas um dos que mais obras de interesse tem produzido nos anos mais recentes!



POLÍTICA: E o mundo continua a girar!

Muito embora alguns ministros e cavaco silva sejam pródigos em negar que a solução para o crescimento do país e a redução do desemprego passe por baixos salários e qualificações dos recursos humanos das empresas, nem sequer ao observador mais desatento escaparia ter sido essa até aqui a estratégia do governo e dos seus cúmplices da troika.
A perda de direitos, que os trabalhadores portugueses têm constatado nos últimos três anos, vai a contracorrente do que é a realidade nos países mais desenvolvidos da Europa e da América, onde voluntariamente ou por imposição legal, os empregadores são instados a respeitar horários de trabalho mais reduzidos para os seus recursos humanos sem que isso implique perda de rendimentos.
É que, depois de anos a fio em que o neoliberalismo tem tratado os trabalhadores como meros números a inserir em folhas de cálculo quase abstratas, volta a instalar-se a ideia de que as relações dentro das empresas não se resumem ao poder de uma minoria elitista em relação à grande maioria apenas instada a vender a sua força de trabalho sem emitir a mínima forma de contestação. Porque os casos de burn out, traduzidos em perdas de muitos dias de trabalho, de custos avassaladores para os serviços de saúde públicos ou privados, e até em número de suicídios, fez soar as campainhas de alarme em muitos gabinetes de decisores políticos ou empresariais.
Em Portugal a situação é calamitosa como se depreende do estudo apresentado pela Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional à Comissão Parlamentar de Saúde em 12 de março transato e que abrangeu 37 mil trabalhadores do setor público e privado. Nele se concluía que entre 2008 e 2013:
· a percentagem de trabalhadores com evidentes sinais de esgotamento cresceu de 9% para 15%;
· a percentagem dos que afirmavam enfrentar situações de stress nas suas empresas passou de 36% para 62%;
· a vontade de mudar de emprego no prazo de cinco anos aumentou de um terço para 78%  numa demonstração do mal estar sentido no ambiente de trabalho;
Em França, o país europeu mais avançado na definição de políticas laborais passíveis de erradicar o fenómeno do burn out têm sido tomadas medidas que, os nossos austeritários governantes tenderiam a associar a reivindicações esquerdistas:
· proibição de reuniões a desoras;
· apagamento automático das luzes a determinada hora para evitar o prolongamento do horário de trabalho;
· proibição de resposta a mensagens da intranet fora das horas de trabalho;
Mas não se pense que essa conduta de responsabilidade social fica restringida à França. Vejam-se outros três exemplos elucidativos de uma tendência, que ainda tarda em implementar-se entre nós:
· a Volkswagen alemã decidiu em 2011 começar a “apagar” os seus servidores informáticos entre as 18h15 e as 7h00. Pouco depois, a Deutsche Telekom copiou a ideia.
· a cidade sueca de Gotemburgo decidiu reduzir o horário de trabalho de sete para seis horas diárias, sem alterar o salário. Na fase inicial, a experiência está circunscrita a um grupo de funcionários públicos.
·  no Utah, Estados Unidos da América, os funcionários públicos têm vindo a beneficiar de fins-de-semana de três dias.
Se às vezes tentam fazer-nos crer que o movimento celeste está parado com o diktat das troikas e dos monopólios no seu centro, a realidade encarrega-se de demonstrar que el mundo sigue girando, como cantavam os Aguaviva.
(para este texto muito contribuiu o de Natália Faria inserido no «Público» de 28/4/2014 com o título «França proíbe contactos com o chefe fora das horas de trabalho»)


segunda-feira, 28 de abril de 2014

POLÍTICA:E ainda há quem acredite que as coisas continuarão a ser como são!

As comemorações dos quarenta anos da Revolução de Abril cumpriram-se sem que ocorresse o tal grão de asa capaz de nos devolver à recuperação dos nossos melhores sonhos. Mas, convenhamos que sobraram sinais de existirem portugueses em maior número a prescindirem do seu conforto caseiro para acorrerem às ruas e avenidas das cidades e aí proclamarem a vontade de mudança. O medo de perder o emprego ou nem sequer o voltar a encontrar, a incerteza do futuro, que não deixa fazer planos para o curto prazo, quanto mais para o longo prazo inerente a conceber e criar filhos, e a progressiva consciência da imprescindibilidade do contributo de todos os humilhados e ofendidos na resolução dos impasses do presente, estiveram patentes a quem atentou numa dinâmica de fundo a afirmar-se.
No seu discurso na Assembleia, António José Seguro lembrou as sábias palavras de Miguel Torga: “Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social”. A tal dignidade ameaçada pela “mão invisível” e pelo “pensamento único”, que “empobreceu os portugueses, aumentou as desigualdades e está a destruir a classe média”.
Hoje, para essa mesma classe média, cujo balanceamento ora à esquerda, ora à direita, tem propiciado as vitórias eleitorais do Partido Socialista ou das coligações PS/CDS respetivamente, está clara uma evidência: temos um Governo que destruiu muita coisa e que agora não sabe como reconstruir.
Por isso mesmo, na sua crónica semanal no «Público», Pacheco Pereira lança implicitamente um desafio, cujo resultado adivinha logo à partida: “o PSD e o CDS nascidos com o 25 de Abril estão hoje acossados em todos os lados menos nos salões. Perderam a rua, não porque o desejassem - tenho a certeza de que se pudessem fazer uma grande manifestação, ou mesmo uma pequena manifestação de apoio ao Governo, certamente que a fariam. Mas não podem. Hoje, os partidos do poder não conseguiam mobilizar para uma rua qualquer nem quinhentas pessoas, puxando por todos os cordelinhos e os fundos largos à sua disposição.”
Oportuno, o mesmo jornal escolhia uma antiga citação de Simone Weil para encimar a última página da sua edição de sábado: “Nada no mundo pode impedir o homem de se sentir nascido para a liberdade. Jamais, aconteça o que acontecer, ele pode aceitar a servidão: pois ele pensa
E, hoje, de facto, a classe média e todas as que a ela se coligarão no afastamento deste governo, pensam com lucidez. Têm bem a noção das promessas, que lhes fizeram e logo esquecidas com a entusiástica adesão ao que a troika vinha impor. Por isso mesmo, as eleições europeias de maio poderão significar mais um passo em frente na mudança desejada. Há quem tema seriamente os avanços da extrema-direita, mas é bem possível que a notícia da noite das eleições venha a ser a vitória da esquerda grega. O que, na perspetiva do seu líder, Alexis Tsipras, poderá significar o princípio do fim destas políticas austeritárias: “Sabemos que na Grécia é possível termos uma grande vitória das forças de esquerda, pela primeira vez na nossa história, e teremos desenvolvimentos vindos daí. Claro que o nosso objetivo é ganhar depois as legislativas na Grécia e formar um governo de esquerda. (...) Isso terá um ‘efeito dominó’, que levará a mudanças em toda a periferia sul da Europa”.
Quem acredita que as coisas possam continuar a estar tal qual estão, arrisca-se a conhecer grandes surpresas nas semanas que aí vêm!