quarta-feira, 19 de março de 2014

POLÍTICA: o que é realidade e mistificação no que se passa na Coreia do Norte?

(a propósito do documentário «Campo 14 - no inferno norte-coreano» de Marc Wiese) 
Quando se me depara o tipo de documentário, que este exemplifica - declaradamente destinado a diabolizar uma realidade totalitária! - decido colocar alguns filtros em ação. Porque, nem a sociedade ocidental está isenta de formas similares de alienação e de opressão como a que se quer aqui criticar, nem estamos livres de darmos crédito a gente mercenária ou alucinada, que dê uma versão deturpada da realidade.
No caso da Coreia do Norte prefiro conservar a versão que dela trouxe José Luís Peixoto: não dando dela a versão cor-de-rosa em tempos glorificada pelo atual presidente da Câmara de Loures, mas também não a reduzindo à versão maniqueísta do discurso dominante sobre essa realidade.
O filme de Marc Wiese baseia-se em testemunhos de pessoas, que fugiram daquele país depois de passarem anos em campos de trabalho, seja como vítimas, seja como carcereiros. E quer, com eles, revelar a extensão dos crimes perpetrados naquele Estado totalitário.
Shin Dong-hyuk nasceu em 1983 como fruto de um casamento entre dois prisioneiros do campo 14, um dos piores campos de trabalho da Coreia do Norte.
Tratado como inimigo da nação, constrangido desde os seis anos a cumprir trabalhos forçados numa mina de carvão, viveu na ignorância absoluta do mundo exterior e julgando que a vida resumia-se a sofrer castigos, a ter fome e a denunciar quem prevaricasse face à norma.  Por isso ele narra como provocou o enforcamento da mãe e o fuzilamento do irmão por ter alertado para os seus projetos de fuga.
Será graças à partilha da cela com um prisioneiro mais velho que consegue fugir, mesmo graças à morte dele, entretanto eletrocutado na barreira de rede do campo.
Aos 23 anos ele conseguiu passar o rio gelado, que o separava da China e iniciar desde então uma tournée por vários países para narrar a sua história. Connosco sempre a questionar: o que há nela de verdade e de mistificação? Até que ponto essa história não se terá adaptado paulatinamente àquilo que foi sentindo como o que esses ouvidos pretenderiam ouvir?
Também conhecemos os testemunhos de Oh Young Nam e Kwon Hyuk, que tinham estado do outro lado, o de guardas incumbidos da vigilância e castigo dos prisioneiros. A viverem agora em Seul - onde lhes é muito conveniente servirem de cabeças de cartaz da propaganda contra o regime de Pyongyang - «fica-lhes bem no retrato» o que relatam sobre os fuzilamentos por que terão sido responsáveis.
Temos pois testemunhos de três foragidos da Coreia do Norte com os silêncios completados por imagens de animação e visando traçar o retrato de uma organização totalitária e autogenocidária, capaz de transformar os homens em torcionários e de aniquilar em todos eles a noção de empatia, de entreajuda ou de família.
Segundo algumas organizações serão cerca de duzentas mil as pessoas hoje a procurarem sobreviver em campos de trabalho da Coreia de Norte sem que a comunidade internacional pareça poder fazer algo de tangível por elas.


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