segunda-feira, 31 de março de 2014

POLÍTICA: Um pá nada porreiro!

Já passaram uns dias sobre a entrevista emitida pela SIC a durão barroso e, depois, transcrita para o «Expresso».
Tendo em conta a falta de qualidade da personagem, não valeria a pena revisitar essa peça «jornalística» se ela não indiciasse uma estratégia, que se começou a esboçar no mais recente congresso no Coliseu: a ascensão de vários barrosistas dentro da estrutura  do PSD para tomarem dele conta quando passos coelho for atirado para o lixo como imprestável e irrecuperável.
Compreende-se assim uma das mais mediáticas afirmações do entrevistado: “Eu já disse várias vezes ao primeiro-ministro que há limites para uma certa política”.
Como ler esta frase de outra forma, que não a da preparação para o guião com que durão barroso se apresentará ao eleitorado em 2016: como crítico contundente de tudo quanto o já finado governo de passos coelho tenha, entretanto, feito.
Mas será que durão barroso nos quer tomar todos por parvos? É certo que a barriga está-lhe cada vez mais proeminente, mas chegará o momento em que o seu arrivismo feito de querer ir empurrando o mundo com o seu discurso oportunista se virará contra ele e o devolverá tipo mola à anónima irrelevância de onde nunca deveria ter saído.
É certo que a direita tem a sua estratégia bem delineada e não se estranhará a intenção de balsemão em promover o testa-de-ferro, que se seguirá, mobilizando para tal o seu dileto discípulo ricardo costa.
Acabada a fase em que os direitos dos trabalhadores tenham sido reduzidos ao mínimo exigível pelas minimalistas normas internacionais e transferida a riqueza dos mais pobres para os mais ricos sem ultrapassar a linha vermelha, que transforme as manifestações bem comportadas da CGTP em insurreições descontroladas, essa direita dos interesses financeiros, das empresas de distribuição e da grande indústria precisará de alguém mais capaz de gerir ilusões do que os desgastados rostos cimeiros desta coligação.
Desinteressada de marcelo, que só lhe serve de bufão dominical, ou de um rui rio meio parolo, a direita pretenderá vender a imagem de quem terá lidado (mesmo que de cócoras!) com os que ainda mandam no mundo. Por isso mesmo, durão barroso sustenta a tese de um presidente a ser eleito com o apoio dos socialistas e do psd, julgando-se ainda na fase do «porreiro, pá!».
Por muito que a SIC, o Expresso e outros meios de comunicação social disseminem mensagens de apreço por durão barroso, dificilmente ele conseguirá libertar-se da imagem, que já o fez passar por apuros da vez em que se julgou com imagem suficientemente benigna para ir ao teatro em Almada. Há quem não esqueça a sua subserviência nas Lajes perante a despudorada cowboyada de george dabliú. Há quem o veja como o criado de quem angela merckel se serviu para precipitar a vida de milhares de portugueses num verdadeiro inferno.
E, sobretudo, haverá quem, de sobra, alertará para o novo estratagema dos suspeitos do costume para continuarem a fazer os seus bons negócios enquanto todos os outros darão tratos à vida para saberem como poderão sobreviver com um mínimo de dignidade!


POLÍTICA: Está tudo a correr mal a passos coelho! Mas ainda promete vir a correr pior!

Devastadora, demolidora - os adjetivos sobre a forma como a semana se caracterizou para o governo andaram por esse tom, quer pelas notícias vindas do seu seio, quer pelas estatísticas, que vão revelando o verdadeiro retrato do país depois de três anos de fanatismo austeritário.
A tentativa do ministério de maria luís albuquerque para atirar o barro á parede a propósito dos cortes definitivos nas pensões e da sua valoração em função dos comportamentos de alguns indicadores económicos resultou numa trapalhada, que obrigou passos coelho, paulo portas, poiares maduro e marques guedes a negarem o que se adivinha só se pretender anunciar para depois das eleições europeias. Como realçava José Sócrates no seu comentário semanal, não só os portugueses viram confirmados os planos de novos cortes nos seus rendimentos, como puderam assistir ao esforço em manter debaixo da mesa as más notícias preparadas para depois daquela data.
Mas o desnorte nas hostes afetas ao governo também teve o contributo dos números revelados pelo INE sobre 2012: dois milhões de portugueses são pobres ou estão em risco de o ser (vivem com menos de 421 euros por mês). Esse é o resultado trágico da forma como passos coelho quis que o país empobrecesse para garantir a satisfação dos interesses da banca europeia, a quem deu tempo para se livrar da dívida portuguesa e passa-la em grande parte para a banca e a segurança social nacionais.
O país do “milagre económico” e da “ saída limpa” é o mesmo em que um em cada cinco portugueses vive abaixo do limiar da pobreza mais extrema.
Outra notícia, que não está a correr bem é a da campanha do mesmo ministério das revelações comprometedoras a respeito do sorteio de um automóvel de luxo a troco de pedido de faturas. Para além da campanha publicitária, que lhe está subjacente (e será difícil o governo justificar ações publicitárias em prol de uma qualquer marca de automóvel em detrimento de todas as outras!), a revelação dos custos inerentes à manutenção anual desse mesmo prémio foi de molde a assustar os mais entusiastas “participantes” nesse logro. A iniciativa liderada pelo secretário de estado paulo núncio está destinada a tornar-se numa das mais amargas anedotas de humor negro da década, que estamos a viver.
Igualmente desfavorável a constatação do INE quanto à forte possibilidade de, se continuarmos por este caminho, estarmos reduzidos a apenas 6,3 milhões de habitantes em 2060 e com um ratio de 464 idosos para 100 jovens. Torna-se imprescindível criar condições para infletir sustentavelmente as curvas de natalidade do país. Mas como consegui-lo se o governo aposta em retirar cada vez mais direitos e subsídios a quem tem filhos, se facilita o despedimento ilegal nas empresas e de que as grávidas são alvo privilegiado ou se não dá garantias de estabilidade a casais jovens para terem condições de qualidade de vida para apostarem no crescimento dos seus núcleos familiares?
O capitalismo selvagem de que passos coelho e paulo portas são fiéis seguidores vai causando as condições para terríveis convulsões sociais se não for rapidamente derrotado e substituído por um socialismo renovado e adaptado aos desafios do século XXI.
Alguns dos princípios fundamentais do keynesianismo têm de ser retomados e reequacionados com os decorrentes do marxismo enquanto corpo ideológico mais vocacionado para a necessidade de uma maior justiça social.
Por muito que lhes custe os belmiros, os soares dos santos, os amorins ou os ulrichs têm de ver cerceadas as asas, que os fizeram voar alto de mais. Não são eles quem conseguem promover o crescimento da economia e do emprego. Mas o Estado pode e deve fazê-lo começando por pôr em causa o princípio de tudo ser privatizável!


domingo, 30 de março de 2014

DOCUMENTÁRIO: “Sepideh - Um céu repleto de estrelas” de Berit Madsen

Apesar do peso das tradições, que refreiam a emancipação das mulheres no Irão, Sepideh quer estudar astronomia. O documentário assinado por Berit Madsen em 2012 constitui um retrato estimulante de uma rapariga brilhante e determinada na concretização do seu sonho.
Logo de início vemo-la com a cabeça nas estrelas, mas com os pés bem na terra: aos 16 anos Sepideh passa as noites a estudar o céu com o seu próprio telescópio na companhia de outros amigos pertencentes ao clube de astronomia da sua cidade de província.
Foi o pai, já falecido, quem nela instigou o gosto pela ciência ao ponto de a encontrarmos apostada em estudar astrofísica na Universidade e imitar Anousheh Ansari, a primeira iraniana a ter viajado para o espaço. Mas os obstáculos vão surgindo avassaladores, a quase criarem a ideia de estra votada à frustração do sonho negado. A mãe é uma viúva pobre cujos rendimentos provém de um terreno agrícola completamente exangue pela seca. O tio materno preocupa-se com a reputação da sobrinha, que sai para a rua todas as noites e por isso quer convencê-la a não passar ao lado dos seus «deveres» enquanto rapariga pobre. Do lado paterno da família também não surge qualquer apoio.
Mas quem consegue parar a vontade de realizar um sonho tão forte?




FILME: «Alphaville» de Jean Luc Godard (1965)

Entramos numa época posterior aos anos 60, quando as autoridades dos “países exteriores” enviam o seu mais talentoso agente, Lemmy Caution,  para uma missão em Alphaville, cidade afastada da Terra alguns anos-luz.
O objetivo residirá em neutralizar os professor von Braun, o déspota para quem os sentimentos humanos são prescindíveis e o Alpha 60, o gigantesco computador por ele inventado e que tudo controla. Trata-se, pois, de destruir o monstro e libertar todos os “que choram”.
Em 1965 Godard contratualizara com a Columbia a realização de dois filmes por vinte milhões de dólares, que viriam a intitular-se «Alphaville» e «Pierrot le Fou». O primeiro a preto e branco, o segundo a cores, mas ambos seriam verdadeiras obras-primas dentro da riquíssima filmografia do realizador.
O tema de «Alphaville» é o de criar um universo de ficção científica, mas em que a poesia fosse o verdadeiro fundamento da sobrevivência.
Logo à partida ele tinha pela frente o desafio de representar uma cidade futurista. Ora a recém-inaugurada Maison de la Radio, com projeto de Henry Bernard, estava mesmo a jeito para corresponder ao espaço onde dominaria um ditador insensível (Leonard von Braun, inventor do “raio da morte”) e essa máquina destinada a aspirar e destruir os últimos vestígios de humanidade.
E como se caracterizaria o detetive? Sempre com um copo de álcool na mão ou um cigarro na boca, e pronto para as lutas corpo-a-corpo. Quanto ao nome, valeria por si como todo um programa: Lemmy Caution.
Temos, pois, todos os elementos inerentes ao filme policial, mas depressa somos surpreendidos pelo lado paródico em que Godard aposta, sobretudo quando entra em cena a personagem de Natacha von Braun para fazer de Lauren Bacall de serviço.
Os olhos da bela Anna Karina fragilizam o protagonista, que logo altera o objetivo principal da missão: claro que neutralizará Van Braun, claro que destruirá o Alpha 60, mas interessar-lhe-á, sobretudo, regressar a casa com Natasha na bagagem.
Como acontecia quase sempre no período em que viveu com Anna Karina e ia transferindo para os filmes (“Une femme est une femme”, “Une femme mariée” ou “La Chinoise”) os sucessivos estados de alma, que ela lhe suscitavam, Godard oferece à mulher (que ama) o papel de motor da dinâmica da história. Este é o filme em que Karina deplora o desaparecimento das seus palavras preferidas, crime suficientemente odioso para impulsionar a ação justiceira de Caution.
Mas será possível agir no Verbo sem se ser propriamente deus? O Alpha 60 consegue-o e impõe a lógica numa sociedade «técnica», que encara a linguagem como um dado obrigatoriamente colável ao real.
O Estado é totalitário, porque resulta dum cálculo, de um resultado «único, inquietantemente único» como o reconhece a própria máquina.
Alphaville tornara-se na ditadura da expressão, o local onde se liquidam todos os dissidentes, que tenham agido de «forma ilógica». Nos cursos do Alpha 60 utilizam-se certas palavras mais ambíguas (vagas, ausência, nostalgia), mas exclui-se totalmente «apaixonado» porque tudo tem um sentido único.
A antecipação de Godard faz do sinal uma intermitência que pode interferir plenamente com a expressão humana quando o significado está ausente; os spots ilustram a autoridade superior que regula as trajetórias individuais. Godard usa o sinal como uma linguagem minimal para sugerir o movimento, quer intelectual, quer físico.
Como na maioria dos filmes de Godard, «Alphaville» remete para muitas citações literárias: Jorge Luís Borges é referido abundantemente a propósito do tempo, o «1984» de Orwell serve de bitola ao ambiente totalitário e Bergson, Nietzsche ou Pascal entram em cena, quando se trata de filosofia. E, quando Lemmy Caution entra num táxi e diz ao motorista, que lhe pergunta se quer ir pelo lado da cidade onde faz dia, ou pelo outro onde é noite, é Céline quem se perfila: "Ça m'est égal, de toute façon, je "voyage au bout de la nuit"."
Mas, para além do universo do filme negro norte-americano, Godard não perde a oportunidade de homenagear Murnau, já que o verdadeiro nome do professor von Braun seria Nosferatu. Que pena não ter sido Roland Barthes a interpretar esse papel, tal qual o desejara o realizador...



POLÍTICA: A dor da gente não vem no jornal

Esta semana tive de recorrer à powerbox para ver o comentário semanal de José Sócrates já que não encontrei em nenhum sítio a notícia da sua antecipação para sábado «por razoes de programação».
Poderei estar a ser injusto mas o ocorrido na semana transata com José Rodrigues dos Santos e esta súbita alteração do dia da emissão da opinião do anterior primeiro-ministro parece reiterar a suspeita de existirem intenções de o silenciarem depois de frustrada a intenção dos que julgavam poder utilizá-lo contra a atual direção do PS.
Mas se esse comportamento para com José Sócrates chega a ser indecoroso, ele tem-se manifestado igualmente para com outros comentadores, sobretudo da área da esquerda, que são particularmente malquistos pelos atuais detentores do poder. Haja então um “argumento de peso” como o futebol ou um qualquer espetáculo de variedades e eis os diretores de programação das várias televisões e a preterirem aqueles que buscam informação e comentário substantivo contra o atual estado das coisas.
Tome-se, por exemplo, o caso de Augusto Santos Silva que, às terças-feiras à noite costuma interpretar a realidade com a sua inteligência sibilina no «Politicamente» da TVI24, umas vezes às dez, outras vezes às onze, ou muitas outras a hora nenhuma, porque há quem o considere preterível por uns broncos, que se entretêm a comentar os lances mais anódinos de um qualquer obscuro jogo de futebol, dando-se a si mesmos importância dissonante da sua inocuidade.
Ou ainda, e por opção semelhante, o que se passa semanas a fio na SIC Notícias com a «Quadratura do Círculo» marginalizada para as duas da madrugada de sexta-feira.
Comparece-se com os marcelos, os marques mendes ou os morais sarmento nunca sujeitos a essas súbitas “mudanças de humor” dos programadores dos respetivos canais!
Não é que seja propriamente uma novidade para os mais atentos, mas o direito constitucional à liberdade de imprensa está convertido no do condicionamento da divulgação das informações àquilo que os donos dos jornais, das rádios e das televisões pretendem filtrar para os seus leitores e espectadores. Sendo esses mesmos donos os que vão beneficiando com o empobrecimento da maioria dos portugueses, membros que são da pequena elite em vias de ainda mais enriquecer!
E, no entanto, haveria tanto que contar sobre as injustiças quotidianas suportadas por esses, que são cada vez mais considerados como números estatísticos e raramente como pessoas concretas de (cada vez menos) carne e osso...mas, como cantava o Chico Buarque, “a dor da gente não sai no jornal “


sexta-feira, 28 de março de 2014

POLÍTICA: A vivermos acima das nossas possibilidadezinhas?

No primeiro conto («A Metametamorfose»)do seu livro mais recente, Rui Zink põe o mais cínico dos dois caixeiros-viajantes hospedados em casa da família Samsa a dizer ao senhorio:
“- Sim, sim, senhor Samsa. Mas nós lidamos com o que acontece mesmo, a realidade, a realidadezinha, não com o que dizem telegramas do estrangeiro. Andaram a viver acima das vossas possibilidadezinhas e agora … é altura de pagar a factura.”
Muito embora aparente ser uma revisita do autor ao célebre romance de Kafka, imaginando a deceção de Gregor Samsa em acordar trivialmente humano em vez de transformado em barata ou escaravelho, o conto de Zink é um exemplo eloquente de como se pode satirizar a realidade mediante o recurso a metáforas inteligentes e plenas de sentido.
Se virmos os caixeiros-viajantes como a personificação dos senhores da troika, os telegramas do estrangeiro como falaciosos anúncios de sucesso vindos de Bruxelas e Gregor enquanto país comum incapaz de se transformar em algo de excecional por muito que o deseje, temos um belo retrato do pesadelo em que estamos mergulhados. E em que, ainda por cima, somos instados a viver no mesmo complexo de culpa do próprio protagonista, que não vê como se livrar da acusação mais ou menos explícita de se tratar de um preguiçoso…
Eis, pois, como a literatura pode constituir uma útil ferramenta para não nos deixarmos enlear pelos cantos de sereia dos que continuam a querer forçar-nos a ser o que não somos!


HISTÓRIA: quando o sonho parecia estar a transformar-se em realidade!

(a propósito do Documentário: «Como Construímos o Metro de Moscovo» de Xavier de Villetard)
Até os mais empedernidos anticomunistas reconhecem a beleza sumptuosa do metropolitano, que serve a cidade de Moscovo. Muito embora se lhe possa criticar uma estética algo kitsch a sua grandiosidade tende a conter uma apreciação mais exigente.
É igualmente surpresa para muitos, que ele constitua um dos melhores exemplos do que o período estalinista teve durante a existência da União Soviética: milhares de engenheiros e de proletários fizeram causa comum na tradução para a realidade dos sonhos imaginados por alguns escritores, que viam o futuro como um tempo de afirmação plena das mais idílicas utopias: igualdade e justiça para todos numa sociedade feita de edifícios vanguardistas e asséticos.
Vivia-se então o início da década de 30 e Moscovo vivia a efervescência de constituir a montra do que poderia vir a ser a sociedade comunista.  Por isso mesmo a capital da União Soviética deveria simbolizar o triunfo socialista!
Obcecado pela construção desse mundo novo, José Estaline lança um projeto colossal destinado a transformar a cidade anacrónica herdada dos czares numa metrópole moderna e vanguardista, ao nível da imaginada pelas histórias de antecipação científica, então na moda. Por isso incumbiu Lazare Kaganovitch de imaginar como ela deveria ser.
Em tal projeto o metro ocupa um papel determinante: milhares de trabalhadores e de técnicos afluem de toda a União para abrirem os túneis da futura rede de transportes. Muitos deles sem nada saberem do ofício e aprendendo-o à medida que iam resolvendo os efeitos dos seus erros.
Defensor da cultura para todos, Máximo Gorki, recém chegado do exílio, propõe a criação do relato dessa epopeia por parte dos que o estavam a construir. Porque, segundo as suas palavras, seria o proletariado emancipado a assumir doravante a sua versão dos acontecimentos.
Assim, entre 1932 e 1935, é criada uma notável obra coletiva, que conta com o apoio dos mais brilhantes intelectuais da época como Boris Pilmiak, Lev Kassil, Valentin Kataïev ou Isaac Babel. Centenas de homens e de mulheres vão documentando o avanço dos trabalhos através de diários e de entrevistas, que vão dando conta do seu entusiasmo e desilusões, das condições difíceis em que trabalhavam ou das críticas aos que apenas se viam a desempenhar uma mera tarefa bem remunerada.
Recorrendo à leitura desses textos, Xavier Villetard associa-os a imagens de arquivo e a sequências sonoras que os podem complementar.
Vive-se um sonho a que as purgas, ocorridas entre 1936 e 1938, porão cobro. Mas, já desde o outono de 1934, Kaganovitch encoraja a denúncia dos “sabotadores” e de outros elementos “socialmente prejudiciais”. À medida que o regime aprofunda a sua paranoia policial, cada um vê-se sob suspeita de se tratar de um potencial inimigo.
A História do Metro moscovita ilustra a viragem política, que se verifica nessa mesma década. Aquela em que, depois de contar com o apoio incondicional dos principais intelectuais europeus, o regime soviético começa a conhecer os seus primeiros críticos.
Ao escolher o ângulo literário, este documentário impressionante revela uma faceta pouco conhecida do projeto soviético ao misturar as imagens do passado com as contemporâneas e ao relativizar o quadro apologético então lançado pela propaganda do regime.
Vuilletard não deixa de reconhecer o lado sublime de uma aventura arquitetónica ainda hoje tão admirada e de um documento literário de inegável interesse para compreender como não se esteve longe de criar algo de único e se o destruiu em função de uma progressiva criação de divergências quanto à forma de levar a teoria à prática. Algo que continua a ser uma lição desaprendida à esquerda: os principais inimigos deveriam estar à direita, mas invariavelmente são escolhidos entre aqueles que, numa fase da elaboração do sonho, chegaram a comungar das mesmas ideias...





POLÍTICA: Onde os aliados improváveis se voltam a encontrar!

A estratégia de aguiar branco, e do governo em geral, para tornear uma das suas mais polémicas decisões - o encerramento dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que custará entre 250  a 300 milhões de euros aos contribuintes e a sua entrega à Martifer - passará por querer imputar a causa desse desiderato à recusa da Atlanticoline em aceitar o ferry ali construído.
Muito embora essa decisão careça de melhor clarificação, mormente quanto a quem e quanto ganhou com o afretamento dos navios entretanto contratados para garantir o serviço de transporte entre as ilhas do arquipélago, havia uma vontade evidente de destruir a empresa de construção naval onde se conservou o conhecimento essencial para uma das principais áreas de atividade suscetíveis de serem potenciadas num país virado para a exploração da sua maior riqueza: o oceano.
Mas embora, nos últimos anos, cavaco silva tenha imitado amiúde São Tomás, a respeito do que disse sobre a necessidade de reorientação da economia portuguesa para as atividades relacionadas com o mar, os seus diletos representantes no executivo vêm apostando, desde o início, na sabotagem desse objetivo.
Ainda se desconhecendo o que será o projeto da Martifer para toda a enorme área ocupada pelo estaleiro, aguiar branco cumpriu o desígnio a que passos coelho se predispôs desde a chegada ao Governo: a destruição de tudo quanto corresponda a interesse público e possa garantir rendimentos a ínvios interesses privados.
Vem nesse sentido o que alguns elementos da Comissão de Trabalhadores vieram agora denunciar: terá sido o atual governo a promover em Bruxelas a denúncia dos apoios conferidos no período do seu antecessor aos Estaleiros de forma a provocar uma coima da União Europeia, que facilitasse a almejada privatização.
Só a custo o comissário Almunia terá aceite essa denúncia sem deixar de alertar para a possibilidade de considerar aqueles apoios num âmbito perfeitamente justificável á luz das regras comunitárias. Daí a demora numa decisão, que não impediu aguiar branco de prosseguir com a singular concessão.
Mas se o governo não sai nada bem desta história, que porventura será melhor esclarecida num futuro próximo mediante aferição judicial, também os sindicatos afetos ao PCP cumpriram um papel lamentável em todo esse processo. Porque terão aproveitado a ausência em Bruxelas dos dirigentes da Comissão de Trabalhadores dos Estaleiros para negociarem à pressa um acordo social destinado a agilizar a rescisão dos contratos retirando força a uma luta, que prometia estar longe de derrotada.
Segundo esses membros da CT alguns dos dirigentes sindicais que subscreveram o acordo, por serem trabalhadores com mais anos de estaleiros, receberam as compensações mais elevadas. “Um desses colegas recebeu 120 mil euros”, disse António Costa.
Seria bom que estes exemplos constituíssem exceção, mas não deixa de ser estranha a frequência com que vemos tantas vezes os comunistas e a direita darem as mãos, quando as lutas dos trabalhadores não se guiam pela cartilha da CGTP!


quarta-feira, 26 de março de 2014

POLÍTICA: Aonde páram os jovens?

Esta noite um telejornal apresentou a reportagem de uma dúzia de jovens à porta do Pavilhão Atlântico ansiosos por assistirem ao concerto de Beyonce.
É claro que as declarações dos entrevistados soaram-me particularmente grotescas em função da cantora me deixar quase indiferente. Ainda assim, suficientemente atento para não compreender o entusiasmo por algo, que não passa da banda sonora de um negócio chorudo traduzido em milhões de dólares em concertos, discos e publicidade.
Mas, ao mesmo tempo, a indigência mental daqueles tontos confrontou-se inevitavelmente com a grande interrogação que há quem faça há um bom  par de anos: porque é que os jovens não estão mobilizados para lutarem contra as políticas deste governo, seja mediante a participação em manifestações, seja através de reivindicações pertinentes quanto à (falta de) qualidade do ensino da era crato.
Quanta diferença em relação a outras épocas históricas, quando os jovens estavam na primeira linha das lutas sociais e constituíam a sua face mais combativa!
Será porque estão bem melhor do que o indiciam as imagens de tantos a despedirem-se dos familiares nos aeroportos nacionais? Não é o que acaba de revelar o Relatório do European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions segundo o qual 55% dos jovens portugueses com idades entre os 18 e os 29 anos não conseguem ser independentes, mantendo-se dependentes em relação aos pais. O que coloca o país entre aqueles em que há mais jovens em carência extrema.
Esses indicadores são reveladores quanto à falta de expectativas hoje colocadas a toda essa geração, que não encontra condições para levar as suas relações afetivas ao desiderato lógico de fundarem as suas próprias famílias.
Vivendo na dependência dos progenitores, que são precisamente da geração em que lutar constituía a alternativa mais lógica a tal negação de oportunidades, sentir-se-ão tentados à abulia pelo facto de os verem complacentes com a resignação de que dão mostras.
Hoje os pais e os avós sentem-se vocacionados para sacrificarem as suas próprias expectativas e aligeirarem as inesperadas ameaças, que sentem pairar sobre a cabeça dos filhos e netos. Daí que não haja conflito de gerações, mas apenas o acomodamento das respetivas frustrações.
A lembrar o que dizia Jean Cocteau: “Os jovens adoram desobedecer. Mas, atualmente, não há mais ninguém para lhes dar ordens”. E eles entretêm-se com as Beyonces do nosso tempo!