quarta-feira, 19 de junho de 2013

POLÍTICA: e não chega aqui uma pitadinha de Brasil?

As notícias sobre o Brasil fazem-nos invejar que a mesma capacidade de contestação não tenha aqui paralelo apesar da crise social em que mergulhámos.
Para o desespero e o descontentamento em que vive a maioria dos portugueses, sabem a muito pouco as escassas manifestações dignas desse nome, que se têm organizado contra o governo de passos coelho.
Apesar de detestarmos a ideia de sermos um povo de brandos costumes - e a História mostrar que o não fomos sempre! - cabe lamentar que vejamos o povo a inclinar-se perante todas as malfeitorias sobre ele cometidas e a reagir com o mesmo conformismo com que milhões de judeus foram encaminhados para as câmaras de gás.
Estamos num tempo em que conviria suscitar medo a sério nos que têm ganho despudoradamente com esta situação: os senhores mais ricos de Portugal, que vão aumentando a fortuna à custa do empobrecimento da classe média e a aniquilação dos meios de mera sobrevivência dos mais pobres. E, também, o patronato em geral cada vez mais dotado de leis facilitadoras do despedimento, da precarização do emprego e da prática de salários de miséria.
Estivessem os manifestantes de São Paulo perante estes ataques de quem (des)governa, e de quem verdadeiramente se anda a governar à sua pala, e muito maior seria decerto a violência praticada. Como dizia Mário Soares por muito menos que isso foi morto o rei dom carlos e príncipe luís filipe.
Mas a violência popular verificada no outro lado do Atlântico levanta uma questão muito séria: mais de 80% dos que se manifestam não se identificam com nenhum partido político, o que revela bem o distanciamento entre o povo e quem os deveria representar. Estamos a caminho de protestos inorgânicos, que podem suscitar esse tal medo de quem lhe sofre as consequências - e, infelizmente, não são os banqueiros, nem os grandes patrões - mas acaba por se revelar insuficiente.
Sendo este um período histórico completamente diferente de qualquer outro, justifica-se questionar as soluções apresentadas pelos partidos de esquerda para sairmos desta crise.
Apesar de estarmos inseridos num espaço europeu aonde a legislação obrigatória privilegia a privatização de todos os bens transacionáveis, sejam eles ou não de interesse coletivo, é altura de a esquerda voltar a levantar a questão da propriedade: como é possível permitir a interesses privados ganharem rendas obscenas com bens de primeira necessidade, que deveriam estar na posse de todos? A água, a energia, os transportes, a educação, a saúde … e até mesmo a componente mais significativa do sistema financeiro.
Sei que parece utopia, mas já se desfizeram tantos mitos nos últimos anos, relacionados com a melhor capacidade de gestão dos privados e o abaixamento generalizado dos preços graças a uma ilusória concorrência, que é tempo de recuperar os valores  solidamente defendidos pela esquerda em tempos idos, e que o derrube dos antigos regimes do leste europeu pareceu desvalorizar para sempre.
Mas se até o fim da História à moda de Francis Fukuyama já foi desmentido, talvez seja tempo de voltar a ensaiar a implementação do ideário marxista por outros caminhos, que não aqueles por onde ele se tornou inviável. É que de algo podemos estar convictos: também não é com o capitalismo nesta sua fase de autêntica selvajaria social, que atingiremos o patamar de uma sociedade mais digna e justa...
Como diria Nanni Moretti, é preciso que os partidos que se reclamam da esquerda comecem a dizer, efetivamente algo de esquerda e a darem sinais de saberem superar o que os divide em proveito do que os pode unir...
 


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