sexta-feira, 7 de junho de 2013

FILME: «Esposas e Concubinas» de Zhang Yimou

Filho de um oficial do Kuomintang, Zhang tinha um fardo pesado dentro da China comunista: «reeducado» no campo durante a Revolução Cultural, só aos 27 anos é que pôde frequentar a Escola de Cinema de Pequim, após estudos autodidatas na área da fotografia.
Recebeu o diploma em 1982, quando despontava a «quinta geração», a nova vaga chinesa, que coincide com a ambígua liberalização do regime.
Apesar dos seus sucessos (75 milhões de espectadores para «Sorgo Vermelho» de 1987), os seus primeiros filmes, incluindo «Esposas e Concubinas» foram vistos com desconfiança pela censura, que comentou a sua perspetiva demasiado negativa da sociedade chinesa e um erotismo subjacente (ademais o seu divórcio para se ligar afetivamente a Gong Li causou escândalo).
Os prémios internacionais em Berlim e Veneza e uma maior prudência com o filme «Qiu Ju, da guansi» de 1992, permitiram-lhe a continuação da carreira de realizador.
Durante toda a primeira metade dos anos 90 ele constitui o exemplo do artista revoltado, unanimemente apreciado no estrangeiro. A partir de «A Tríade de Xangai» (1995), ele passou a contar com coproduções com estúdios europeus.
«Esposas e Concubinas» é passado nos anos 20 do século XX na província de Shanxi. Após a morte do pai, a jovem Songlian tem de renunciar aos estudos e tornar-se na quarta esposa do cinquentão Chen Zuoqian, que lidera uma família poderosa.
Cada uma das mulheres habita uma das casas no pátio de um vasto palácio. A competição entre elas é dura, de forma a assegurarem a visita quotidiana do patrão e o que isso representa em termos de poder.
Songlian, a mais jovem, recebe então a atenção privilegiada e é para ela que se iluminam as lanternas vermelhas. Mas tão ingénua quanto orgulhosa, não pressente o perigo oriundo da segunda esposa, de inaudita crueldade por trás da máscara de simpatia e bondade.
Para recuperar os favores do esposo, Songlian finge engravidar, mas a esperteza é desmascarada. Ostracizada por aquela pequena comunidade, ela ainda mais se afunda ao denunciar uma criada por ter acendido as lanternas e, depois, a terceira esposa pelo seu adultério, suscitando a morte de ambas.
Incapaz de suportar essa responsabilidade e a sua posição desesperada, ela acaba por enlouquecer.
Mais do que um melodrama, e apesar da cantora de ópera (a terceira e infortunada esposa), devemos falar de tragédia. O final já quase é determinado á partida e nunca o filme cria empatia com a protagonista de que jamais dá uma perspetiva simpática.
Desajeitada no seu deslocado orgulho, execrável estratega, raramente uma protagonista causou tal distanciamento do espectador.
No fundo Songlian é uma espécie de Bovary com o azar de se entediar em circunstâncias sem escapatória possível. Impossíveis os encontros com homens, inviáveis as saídas do palácio, os espetáculos ou os sonhos. E, pelo contrário, a sórdida concorrência das outras esposas, mais prosaicas e adaptadas à respetiva prisão.
Quem pode ser madame Bovary em tais circunstãncias? Só resta a loucura, evidentemente.
Gong Li suonou os espectadores chineses com a sua  sensualidade, mas aos olhos ocidentais a sua beleza frigida ajusta-se bem ao desiderato dramático.
Este filme e o anterior de Zhang, «Amor e Sedução» estrearam-se logo após o massacre da Praça Tiananmen (1989) e são sintomáticos de uma sociedade onde o nível de censura era tão excecionalmente elevado que se pretendeu ver nessas histórias de mulheres casadas contra a sua vontade, alegorias à situação chinesa. Os homens ruins representariam a ordem antiga, mas também o governo; e, quando no final, Songlian grita “Assassinos!” ao ver o cadáver enforcado a terceira esposa e lhe respondem “Não viste nada, nem nada aconteceu!” volta-se a pensar decerto em Tiananmen.
No entanto, à distância, parece evidente o fascínio do cineasta por esse mundo fechado, pelas suas formas cruéis mas sofisticadas. O cenário - um autêntico palácio do Shanxi, miraculosamente poupado pela Revolução Cultural está magnificamente presente. A experiência de Zhang como fotógrafo (chegando a trabalhar nessa função para o seu condiscípulo Chen Kaige) realça a matéria de que são feitas a neve ou as pedras num colorido, que sobressai dessa cinzentude circundante.
É admirável a forma como ele transforma o vermelho - cor de celebração e de alegria - em algo de sombrio e sinistro, recorrendo a todo o potencial do technicolor adquirido aos americanos.
Tal como a história, o estilo não em qualquer condescendência. Frontalidade, simetria, insistência sobre as linhas de fuga desse universo donde ninguém consegue escapar, fazem do filme uma abstração profunda perfeitamente adaptada à abstração da história. O rosto do senhor - sempre captado em plano geral e muitas vezes de costas - está ausente. O mal não tem rosto, mas é essa ausência que fundamenta o seu poder...



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