sexta-feira, 19 de abril de 2013

TEATRO: «Negócio Fechado» no Teatro Municipal de Almada


Que grande elenco tinha «Sucesso a Qualquer Preço», o filme de James Foley rodado em 1992 e baseado na peça de David Mamet, Glengarry Glen Ross. Imaginem Al Pacino, Kevin Spacey, Alec Baldwin, Ed Harris, Jonathan Pryce, Alan Arkin e, sobretudo, Jack Lemmon, que terá tido então um dos papéis maiores do seu longo percurso cinematográfico. Sete atores de exceção para um drama, que justificava a apreciação entusiástica que David Mamet então merecia enquanto dramaturgo capaz de traduzir os sinais da luta de classes nos palcos de teatro, tal qual podia ser apreendida nos Estados Unidos de então.
Será porventura um dos grandes mistérios intelectuais do nosso tempo o de tentar compreender como foi possível que um tão arguto analista da realidade social do seu tempo tivesse vindo, posteriormente, a engalanar com o seu nome o lado mais sinistro da direita norte-americana, apoiando sarah palin e a associação defensora da utilização de armas sem quaisquer limitações. Da mesma forma como outro dos grandes dramaturgos do nosso tempo, o nobel Dario Fo, abandonou o alinhamento com a esquerda italiana para colar-se às palhaçadas de Beppe Grillo.
É, pois essa peça que está em cena no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, até ao próximo dia 28 de abril, permitindo ao elenco da respetiva companhia um desempenho memorável. Nomeadamente Marques Arede vê-se incumbido de defender o papel de um vendedor imobiliário em fim de carreira, desesperado por já não conseguir ganhar comissões nem provavelmente manter o emprego e por isso coagido a atos desesperados. Um desempenho em que se alia a sua megalomania patética com o desespero de se sentir à beira do precipício.
Na noite em que fomos ver a peça tivemos o azar de partilhá-lo com uma assistência inadequada, porque incapaz de se aperceber como, para além do vernáculo que a levava a rir-se nervosamente, estava ali um drama justificativo de uma postura totalmente contrária à que assumia. Porque trata-se de uma peça, que deveria ser apreciada no silêncio respeitoso de quem está perante uma tragédia plena de humanidade.
Mas, helas, se há associações municipais, que promovem excursões para que pessoas pouco habituadas a espetáculos os vão ver, e só temos de respeitar esse esforço para compreender as limitações consequentes. E esta ilação vem a talhe de foice, porque os sete atores mostraram um profissionalismo irrepreensível nunca se deixando distrair do tom em que deveriam prosseguir a atuação apesar das tonitruantes gargalhadas desses incómodos espectadores!
O que a peça revela é o capitalismo na sua versão mais selvagem, e como tal perfeitamente atual quanto à sua expressão nos dias de hoje. Um sistema económico, que promove a concorrência mais feroz nos locais de trabalho e marginaliza todos quantos não lhe assegurarem a devida rentabilidade. E em que o pequeno roubo ilude o esbulho de grandes dimensões em que todo a organização social se fundamenta.
Uma palavra final para o admirável trabalho desta companhia teatral com as escolas locais, proporcionando a alguns dos seus alunos o primeiro contacto com a arte de representar! Apesar de desaparecido, o legado de Joaquim Benite parece bem entregue aos seus sucessores…


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