terça-feira, 30 de abril de 2013

POLíTICA: Será essa a secreta esperança do Presidente?


Já passaram cinco dias sobre o tristemente memorável discurso de cavaco silva na Assembleia da República e vão-se criando três tipos de reações a algo que deixou surpreendida muita gente, muito embora o atual inquilino de Belém já conte com tantas malfeitorias no seu vasto currículo.
Há os que consideram que a esquerda exagerou ao ler apenas uma vertente do que foi dito sem atentar nas críticas igualmente atribuíveis ao (des)governo. Esta é a posição dos indefetíveis cavaquistas que, mesmo perante todas as evidências, continuarão a considera-lo um homem íntegro, democrata e competente enquanto economista. Lembrarão Pangloss ou o mais recente exemplar desse tipo de gente (o inefável ministro de Saddam Hussein) que nem perante todas as evidências do contrário, continuarão sempre a apostar nas suas facciosas opiniões.
Há os que reconhecem a óbvia parcialidade das palavras de cavaco, mas atribuem-nas a uma outra causa: ele seria uma espécie de clarividente observador da nossa realidade e deteria por isso mesmo o conhecimento de ela ser ainda bem pior do que nos é mostrada diariamente nos indicadores de execução orçamental. E, por isso, temeroso de somar uma crise política à económica, pretenderia limitar os danos com o esforço de fazer perdurar o moribundo (des)governo na esperança de um milagre redentor.
E sobram todos os outros: os que sabem que, ainda mais gravosa do que a crise económica é a crise social, que tanto desespero e inquietação tem disseminado por todas as camadas sociais da população portuguesa. E se isto não é uma crise política, que exige um outro caminho, o que será então ela?
O lamentável presidente, que nos coube suportar neste período é a mais evidente demonstração do princípio de Peter. Muito embora devamos reconhecer, que ele ascendeu a escalões de responsabilidade política, que ficam muito acima do que aconselhariam as suas efetivas capacidades e competências.
O país levará muitos anos a reparar todos os danos, que cavaco silva suscitou na sua quase contínua atividade política de mais de três décadas. E é certeiro o veredito de Viriato Soromenho Marques numa pequena, mas incisiva, crónica no «Diário de Notícias» do transato sábado: a única maneira de a História ser benevolente para com Cavaco Silva, o político que deu rosto a todos os pecados e omissões da III República, é a de ela nunca ser escrita. Seria a benevolência do esquecimento, resultante do desaparecimento de Portugal como sujeito histórico, como lugar onde a aventura da vida comum se cristaliza em, memória. Será essa a secreta esperança do Presidente?

POLÍTICA: Maioria Absoluta, porque não?


O Congresso do Partido Socialista suscitou diversas reações nos mais variados comentadores, mas uma das que mais frequentemente foi vinculada foi a da reivindicação de António José Seguro por uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.
Os mais indignados confessaram o assombro de se formular tal pedido quando se está a mais de dois anos das próximas eleições. Os mais comedidos inquietaram-se com a impossibilidade de se manter esse objetivo na ordem do dia por tanto tempo.
Hoje é singular como a maior parte desses mesmos comentadores dá como provável a  possibilidade de passos coelho conseguir manter-se em São Bento até 2015.  Ricardo Costa, o diretor do “Expresso” é um dos mais convictos defensores dessa tese,  mesmo depois de a realidade já o ter recentemente desmentido a respeito de uma outra previsão: a de que José Sócrates nunca mais viria a regressar do seu exílio interior ou exterior tão danificada teria ficado a sua imagem junto dos portugueses.
Pessoalmente acredito que António José Seguro esteve bem em Santa Maria da Feira ao colocar esse objetivo como tangível no horizonte previsível das próximas eleições. E, ao contrário dos comentadores em causa, ele sente aquilo que qualquer pessoa sensata intui ao andar pelo país: que existe uma  saturação quase insuportável quanto às diatribes praticadas por este (des)governo. E que, mesmo contra o parecer de cavaco silva, a pressão social aliada á degenerescência da coesão interna entre os diversos titulares dos diferentes ministérios acabará por implodir a coligação PSD e CDS.
Faz, pois, todo o sentido que os socialistas se preparem para um novo ciclo político, que poderá surgir muito mais cedo do que se perspetivaria em junho de 2011.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

MÚSICA: Kaija Saarihao, "Stilleben"


Nascida em 1952, Kaija Saarihao é uma das principais compositoras contemporâneas. Finlandesa, começou por estudar no seu país (diplomou-se em composição na Academia Sibelius em 1980), mas radicou-se, entretanto, em Paris.
Premiada por variadas instituições internacionais ela está ligada à tradição da escola espectral, explorando o princípio do «eixo tímbrico»: uma textura granulosa e ruidosa pode ser ligada à dissonância, ao passo que uma textura suave e límpida pode corresponder a consonância.
Stilleben, peça de 1988, é uma boa demonstração do seu estilo, assente em sucessivas transformações progressivas do material acústico.
Um dos mais estimulantes quartetos em atividade - o Kronos Quartet - recorre muitas vezes a composições desta criadora, igualmente envolvida artisticamente com outros grandes nomes da música erudita do nosso tempo: Esa-Pekka Salonen, Karita Mattila ou Barbara Hannigan.
Em janeiro de 2013, a temporada da Gulbenkian contou com a apresentação da ópera «Émilie», baseada num libreto de Amin Maalouf e em que a Orquestra da Fundação foi dirigida por Ernest Martinez Izquierdo.
No papel principal esteve a referida Barbara Hannigan...


INDIE 2013: “LEONES” de Jazmín López


Para um quinquagenário, que viveu a juventude orientada para as lutas políticas do seu tempo, e ainda continua a fazer eco delas, é difícil aceitar este tipo de filmes («Lacrau» ou «Campo de Flamingos…» são outros exemplos), assinados pelos que andam hoje nos vintes ou nos trintas e andam em círculos ou aleatoriamente à procura de caminhos sem os encontrarem.
Numa época de agudização de crises tenho um respeito bastante maior pelos que se indignam, pelos que - mesmo sem as bases ideológicas da minha geração! - apostam num mundo bem diferente, mais justo!

FILME: «Amantes Passageiros» de Pedro Almodovar


Há semanas assim: numas os espetáculos excedem as nossas expectativas, noutras acumulam-se as deceções. A anterior teve essa última característica com alguns filmes do Festival Indie, que não se equipararam em qualidade aos vislumbrados noutros anos, e a este «Amantes Passageiros» do Pedro Almodovar.
Fomos ao engano, porque nos era prometido divertimento inteligente com o regresso aos anos da movida madrilena, quando Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos constituía a súmula de um estado de alma irreverente, prenunciador de um tipo de sociedade em vias de se dissociar de uns quantos valores caducos.
O que encontrámos no novo filme do realizador foi um incómodo exagero nos estereótipos de um certo tipo de comportamento homossexual.
Será que o nosso desagrado teve a ver com preconceitos homofóbicos, que não consigamos iludir?
Não creio. É que até para a comunidade gay, que ainda se encontra a enfrentar tantos combates pela sua aceitação (vide as manifestações francesas contra o casamento e a adoção aprovados pelos governo de François Hollande ou as afirmações ainda recentes do troglodita Lech Walesa!), desconfio nada ajudar este tipo de filmes apostados em alimentar uma imagem tão ridícula dos homossexuais!
Ficamos à espera do regresso de Almodovar a tempos de maior qualidade, como os que nos ofereceu com Tudo Sobre a Minha Mãe ou Fala com Ela, os filmes que mais nos ficam gratamente na memória.


DOCUMENTÁRIO: «China, O Novo Império» de Jean-Michel Carré


Amanhã, 30 de abril, a emissão do canal ARTE contará com um documentário extremamente aliciante sobre a China atual. Trata-se de um fresco em três episódios de uma hora cada, sobre a história desse imenso país no último século e meio para permitir-nos entender como é que ela está em vias de se transformar numa poderosa superpotência.
Em 2008 e em 2010, os Jogos Olímpicos e a Exposição Universal de Xangai permitiram testemunhar, com grande pompa, uma ascensão sem precedentes na História Universal: como o país mais povoado do mundo recuperou de um considerável atraso económico e em pouco menos de trinta anos consegue alcandorar-se à condição de grande potência mundial.
Para retratar este extraordinário sucesso, que o Ocidente encara com uma desconfiança proporcional ao seu desconhecimento da China e dos chineses, o realizador Jean-Michel Carré condensou este século e meio de História. Graças a documentos de arquivos muito ricos e, em muitos casos, inéditos, e às entrevistas com dezenas de interlocutores de todas as camadas sociais - investigadores, membros do Partido, operários, camponeses, intelectuais, artistas - ele permite-nos abordar a complexidade chinesa na sua globalidade, da economia à cultura, da política à geoestratégia.
Trata-se de uma viagem de longo curso, densa e apaixonante, às mentalidades e às memórias chinesas, das guerras do Ópio à subida ao poder da quinta geração de dirigentes comunistas na pessoa de Xi Jinping, o seu novo presidente.
O primeiro episódio intitula-se «A China desperta». Da revolta republicana de Sun Yat-sen em 1911 à morte de Mao Zedong em 1976, a China libertou-se das potências ocidentais, que a haviam ocupado durante as guerras do Ópio. Veremos, assim, a proclamação da República Popular da China em 1949, os erros e as vitórias de um Partido Comunista liderado pelo omnipotente Mao Zedong e as complicadas relações com os EUA e a URSS, que permitem prever as transformações geoestratégicas subsequentes.
O segundo episódio intitula-se «A China afirma-se». A abertura liberal preconizada por Deng Xiaoping, sucessor de Mao, permitiu implementar um vendaval de reformas económicas. Dez anos depois, a perversidade do capitalismo na sua versão chinesa (ultraliberalismo económico e autoritarismo político) conduz à revolta de Tian’anmen, que se salda por um banho de sangue em 1989.
Ao isolar Deng Xiaoping, acusado de ter levado para a rua o debate político, o Partido Comunista retoma a condução dos acontecimentos e do aparelho do Estado.
Mas a China vê-se isolada na sequência da implosão do Bloco de Leste e da URSS e tem de aceitar uma nova aceitação das ideias de Deng Xiaoping, mesmo que sem abandonar o controlo absoluto do Partido sobre o desenvolvimento económico, criando a estrutura monolítica ainda hoje dominante na política chinesa.
Chegaremos, então, à terceira parte - «A China Domina» com a China a entrar na Organização Mundial do Comércio, que irá alterar as relações económicas a nível planetário, já que ela transforma-se na fábrica do mundo.
A presidência de Hu Jintao, que promete ao povo a “sociedade harmoniosa”, utiliza o sucesso dos Jogos Olímpicos e da Exposição Universal para encenar a importância recuperada: em dez anos, a China vai passar do 6º lugar para o 2º da economia mundial - e não tardará a chegar ao 1º.
O frenesim do desenvolvimento exacerba os disfuncionamentos da sociedade: as disferenças cada vez maiores entre ricos e pobres, a corrupção generalizada, os desastres ecológicos num contexto de um Estado cada vez mais contestado por uma nova geração de dissidentes.
Saberá a nova superpotência gerir as suas contradições internas sem pôr em causa a supremacia absoluta do Partido?

LIVRO: «Um Escritor Confessa-se» de Aquilino Ribeiro (6)


Daqui a menos de um mês comemoram-se cinquenta anos sobre o desaparecimento do grande mestre, que foi Aquilino Ribeiro.
Na sequência de cinco textos anteriores, aqui no blogue, vamos prosseguir a abordagem dos seus anos de juventude recorrendo ao seu livro de memórias «Um Escritor Confessa-se», que havíamos deixado, quando, com dezanove anos, ele se sentia cada vez menos vocacionado para a vida religiosa tal qual a vinha a preparar no Seminário de Beja:
Que ando eu aqui a fazer? — surgia ao meu espírito ao acordar altas horas da noite, quando vêm cometer-nos os demónios azedos da existência, porque adormeceram os silfos bons e descuidosos que agitam asas à nossa volta nada mais que para erguer brisas prazenteiras e misericordiosas, com pena de nós em estado febril. E na lousa escura da noite fosforejavam estas palavras candentes: — Mas que há-de ser de ti?
E ia-me abandonando à torva torrente dos dias, ao passo que apelava todas as faculdades da alma à conformação. Mas a cada passo, porque eu não era hipócrita nem dobrava a cerviz até onde a miséria e estupidez humana entendem que devemos submeter-nos à autoridade, estalavam os conflitos debaixo dos meus pés. (pág. 101)
Estamos a basear-nos na edição da Bertrand em 1974, embora o livro tivesse sido escrito em 1960.  E elas são bem reveladoras do estilo do escritor, com um vocabulário riquíssimo e uma fluidez na descrição dos acontecimentos, que tornam a sua leitura muito agradável.
Mas chegamos, pouco depois, ao momento da rutura com a instituição: um pequeno episódio, porventura até menos gravoso do que outros anteriores, que levaram os responsáveis pelo Seminário a pretenderem castigar o cada vez mais revoltado Aquilino. E ele decide rescindir de vez o vínculo com a cada vez mais odiosa prisão em que se sentia coartado.
Por natureza o carácter fizera-o sociável por natureza pelo que não foi difícil transformar essa decisão de rebeldia num gesto logo acarinhado por quantos se iam imbuíndo dos valores republicanos, que não tardariam e impôr-se à cada vez mais decadente monarquia. Na revolta do jovem seminarista, muitos bejenses viram o sintoma de um virar de página em relação a um tipo de organização social em torno de instituições cada vez mais anacrónicas. E quiseram a ele associar-se numa festa de despedida bastante animada:
Os padres não me chamaram a contas, porque pretendessem fazê-las com meu pai, ou as considerassem feitas. Tinha-lhes sido enviada a importância do trimestre naqueles mesmos dias, de modo que não sei se a diferença, que excedia de mais de três vezes o meu débito, foi restituída ou se deve lançar-se ao registo, tão a carácter desta feita, das almas que caem ao inferno.
Despedi-me para nunca mais.
Quando voltei ao hotel, o Mira havia passado palavra e tinha à espera meio mundo, pequenos funcionários públicos, professores do Liceu, empregados do comércio, em geral rapazes da minha idade. Moveria a uns a curiosidade, outros o interesse ou simpatia humana em conhecer o rebelde que lançara ao mar a canga da servilidade milenária. Outros teriam em mente prestar-me o seu apoio moral, pois que a vaga republicana e de ideias novas alastrava impetuosamente de Norte a Sul do País. Confraternizámos e discorremos acerca deste mundo e do outro a perder de vista até tarde. (pág. 113)

Indie 2013: «Campo de Flamingos sem Flamingos» de André Príncipe

Uma viagem de “circum-navegação” pelas fronteiras territoriais portuguesas – marítima e raia – e algumas ilhas.
Uma viagem pelas fronteiras continentais, pontuada por encontros com pessoas e animais, assim como um levantamento da paisagem natural e construída.
Utilizando o próprio mapa de Portugal como guião, o filme começa no local onde vai acabar. Retratos de pessoas, topografias da paisagem, cenas de viagem e estrada, encontros com algumas das espécies de animais em vias de extinção. 
Imagens nocturnas e diurnas, urbanas e rurais realizadas durante um período dum ano, cobrindo as quatros estações, vão tentar mapear a ideia do Portugal Real, na era pós-internet.
Uma ficção ancorada no documentário.
***
O que conheço melhor é a sensação de não conhecer realmente as coisas e gostaria de fazer um filme sobre o que conheço melhor.
O filme será um travelogue que descreve uma viagem de “circum-navegação” pelas fronteiras territoriais portuguesas – marítima e raia – e algumas ilhas.
Durante um período dum ano, em diferentes estações, seguir o desenho descrito pelas fronteiras portuguesas e fazer um levantamento da paisagem, pessoas e animais que nela habitam e comparar os resultados dessa amostra com a ideia que temos do país.
O facto de Portugal ter as mesmas fronteiras há, mais ou menos, oitocentos anos, acentua a ideia do território nacional como algo de definitivo, imutável e intemporal como o vento ou o mar.
Na verdade quando não está a seguir o curso dum rio, a raia é aleatória e ás vezes até absurda, sem qualquer determinação geográfica ou geológica, apenas razões culturais e políticas, uma sucessão de marcos fronteiriços que pontuam um paisagem única e uniforme.
A ideia dum país a partir da definição territorial desse país; se a fronteira não faz sentido, o país faz sentido? Qual?
Gostaria de fazer um levantamento o mais completo possível do território, numa atitude similar ás dos exploradores do séc. XIX que se aventuravam por territórios desconhecidos.
Ferramentas como o Google Earth, etc ajudam-nos a ter uma ideia precisa e completa do mundo enquanto espaço físico.
O mundo é cada vez mais curto em termos de distâncias, mas cada vez mais vasto em termos psicológicos.
O filme seria uma tentativa de mapear essa paisagem psicológica e emocional dentro dum dado limite - as fronteiras portuguesas. Como ir ao sótão de casa e descobrir um velho álbum de fotografias de família, cheio de pessoas conhecidas em locais estranhos, e pessoas desconhecidas em locais familiares.
Uma sensação simultânea de familiaridade e estranheza, que nos leva a repensar as ideias que temos sobre aquilo que julgamos conhecer – o nosso país. - Os cinco elementos Japoneses são, por ordem de importância - Terra, Água, Fogo, Vento e Vazio.
Pessoas e animais estão lado a lado num jogo muito antigo. Há o dia e a noite. Tudo existe simultaneamente. Uma viagem pela fronteiras portuguesas. “Ordenar segredos do mundo visível”. [André Príncipe]
***
Precisei dos textos acima - colhidos no site «Cinema Português» - para tentar encontrar alguma justificação para gostar do filme do André Príncipe exibido por duas vezes no Indie deste ano e já depois de ter saído frustrado da conferência pós-exibição em que não consegui tal estímulo.
Pode ser muito discutível a minha posição, mas não gostei nada deste filme. Achei-o profundamente entediante e sem um fio condutor, que explicitasse um conceito coerente.
No registo das intenções sobre o que pretendia fazer, André Príncipe explicita uma ideia de fronteiras e de cinco elementos da natureza segundo a cultura japonesa.
Infelizmente só ficou para mim o quinto elemento dessa cosmogonia: o vazio!

domingo, 28 de abril de 2013

LIVRO: «La Chute du Président Caillaux» de Dominique Jamet


Comecemos por imaginar um jornal de grande circulação, que multiplica títulos de primeira página para caluniar um político, pretendendo vê-lo impossibilitado de voltar ao exercício do poder. E suponhamos que a conspiração tinha origem ao mais alto nível, ou seja, a partir do palácio presidencial.
O que é que isto sugere? Decerto esse exemplo de «jornalismo de sarjeta», que continua a ser o «Correio da Manhã», com as suas torpes campanhas contra José Sócrates. E também esse personagem menor, chamado aníbal cavaco silva, com tanto de perfídia, quanto de sonsa manha.
Mas a História tende a repetir-se noutras épocas e cenários. Porque, no livro de Dominique Jamet, o que está em causa é o «Figaro» e a sua campanha de calúnias contra o presidente do Partido Radical Joseph Caillaux, e o então inquilino do Palácio presidencial, Poincaré. E a gravidade dessa conjura chegou a tal nível de consequências que, se se tivesse frustrado, talvez até nem se houvessem verificado as condições para a deflagração da Primeira nem da Segunda Guerra Mundiais.
O romance histórico de Jamet vem, afinal, demonstrar como a cabala mediática contra uma só pessoa pode acarretar a morte de muitos milhões nos anos, se não mesmo nas décadas seguintes.
Mas quem era esse Joseph Caillaux, tão detestado pelos setores mais reacionários da direita francesa do seu tempo?
Homem forte do Partido Radical, várias vezes ministro, incluindo das Finanças, e até primeiro-ministro entre 1911 e 1912, Joseph Caillaux, foi um dos mais brilhantes políticos do seu tempo, sendo uma enorme injustiça o esquecimento a que foi votado. Porque, quando é recordado, deve-o ao assassinato do diretor do «Figaro» Gaston Calmette, a quem a sua segunda mulher crivou de balas.  Com alguma razão, convenhamos: não só esse paladino do «jornalismo de sarjeta» prometera abater, ele próprio, o líder radical, como fizera publicar sobre ele, e em apenas dois meses - de 4 de janeiro a 13 de março de 1914 -, cento e trinta e oito artigos em que se misturavam alguns factos com mentiras descaradas e caluniosas sem jamais aceitar os desmentidos do visado.
No seu livro, agora publicado, o antigo diretor da Biblioteca Nacional francesa, contextualiza tal intriga vergonhosa com a concomitante exacerbação dos ódios nacionalistas, que iriam redundar no conflito mundial.
Ora Cailloux era um aliado do líder socialista Jaurés no propósito de aliviar as tensões internacionais de então, contrariando a pressa com que a Inglaterra e a Rússia czarista pretendiam iniciar o ataque à Alemanha.
Já na Primavera de 1911, quando liderara o governo, Cailloux evitara o recurso às armas durante a crise de Agadir e obstara à ampliação do serviço militar obrigatório para três anos, que era um requisito dos belicistas para conseguirem mobilizar setecentos mil homens capazes de se equipararem aos oitocentos mil fardados ao serviço do kaiser. Argumento inabalável por ele, então, brandido: as imperiosas questões orçamentais.
Foram essas decisões, que lhe valeram o ódio visceral da direita: no pasquim «Action Française» o protofascista Léon Daudet apodava-o de traidor, de vendido, de ignóbil vende-pátrias e outros mimos que tais. Também não o ajudou a recusa em integrar a maçonaria, que era maioritária no seu próprio partido.
Temos, então, formada uma aliança entre o Presidente da República Raymond Poincaré e Clémenceau, que não conseguiam conter a vontade de enviarem milhares de soldados para as trincheiras. E que se sentiam ameaçados pela aproximação das eleições legislativas, que deveriam garantir a vitória à aliança entre radicais e socialistas.
A campanha contra Calmette no «Figaro» destina-se a impedir esse previsível desiderato.
Mas se Caillaux vai resistindo à ofensiva caluniosa contra si, Henriette não suporta ver exposta em público a sua vida privada, sobretudo quando vê publicadas as cartas íntimas facultadas ao jornal pelo irmão da primeira mulher do político. É ciente de estar a proteger o esposo, que ela vai à sede do «Figaro» e dispara quatro balas contra o aparente líder da conjura mediática.
Encarcerada só será libertada pelo tribunal em 28 de julho de 1914. Mas, apesar de nova vitória eleitoral, a coligação de esquerda está ferida de morte porque, Caillaux fica fragilizado com o caso, e Jaurés também é assassinado a 25 de julho. O atentado de Sarajevo, que mata o herdeiro do Império Austro-Húngaro, dá o ensejo almejado pelos belicistas para iniciarem a guerra no início do mês de agosto.
Acaba assim um período de fulgor da história europeia, que impunha a paz a nível mundial e servia de exemplo pelo seu brilho civilizacional. Em apenas alguns dias o suicídio coletivo de todo um continente tornava-se incontornável.
Caillaux passará anos difíceis, porque a falsa acusação de traição é levada muito a sério: aprisionado e quase executado, só em 1924 se verá amnistiado pelo Senado.
O livro de Jamet constitui assim um meritório esforço de redenção de um homem a quem a História não prestou a devida justiça.

POLÍTICA: E não é que o velho Karl ainda é capaz de ter razão?



Algo está a mudar a sério nos bastidores dos corredores políticos europeus defensores da austeridade a qualquer preço, quando um jornalista tão influente do Financial Times, quanto o é Wolfgang Munchau escreve na sua crónica semanal: a frase que John Kenneth Galbraith usou para humilhar o seu colega economista Milton Friedman reza assim: "Para infelicidade de Milton, as suas teorias foram testadas". A mesma observação poderia ser feita sobre Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff.
Nesta altura haverá muita gente, que acreditou nestes dois teóricos como se fossem a inquestionável Bíblia do seu conhecimento, a darem voltas à cabeça para evitarem a conclusão, que procuram evitar: hoje, em pleno século XXI, muito do que Karl Marx escreveu mantém total atualidade!


POLÍTICA: até quando é que o tempo vai voltar para trás na educação?


Por um destes dias o Sérgio Lavos produzia um texto delicioso sobre a reforma educativa agora empreendida pelo ministro nuno crato e que tem no regresso do ensino baseado na memorização, em vez do exercício do raciocínio, a sua fundamentação:
Nuno Crato  tem um problema com a realidade (e nisto limita-se a ser igual aos seus comparsas de Governo). Ele acha, sinceramente acredita, que a melhor maneira de aprender matemática é através da memorização. (…) Agora, é o regresso às tabuadas e a uma aposta na memorização como método. Não surpreende. Não queremos que as crianças de hoje tenham espírito crítico e compreendam aquilo que lhes estão a ensinar. Se isto acontecesse, onde poderia Miguel Gonçalves recrutar o novo Homem, pronto a embarcar no maravilhoso mundo do empreendedorismo?
Só nos podemos surpreender como foi possível que nuno crato tivesse criado uma auréola de respeitabilidade até entrar no (des)governo, muito embora se lhe conhecessem reparos às reformas modernizadoras das ministras de José Sócrates. Nesse aspeto só poderemos lamentar a tribuna fornecida pelo “Expresso” durante anos e a sólida amizade com esse exemplo de impoluta prática dos exercícios públicos, que foi o encarcerado Isaltino.
A exemplo do que será a pesada herança nos demais setores da vida nacional, podemos prever que a educação ficará em estado de catástrofe depois de uma tão grotesca tentativa de fazer o tempo voltar para trás ao retomar as práticas antipedagógicas do fascismo. Muito terá de trabalhar o próximo governo para recuperar os danos causados por esta visão retrógrada do que deve ser o exercício da pedagogia no século XXI.

POLÍTICA: O propósito decidido e inclemente de nos tornarem infelizes


Esta semana no “Diário de Notícias», o escritor Baptista Bastos fazia um curioso exercício de comparação dos rostos destes governantes com o dos governados, não encontrando qualquer similitude entre uns e outros. Porque existe nos primeiros uma aparência de maldade, que contrasta com a tristeza consolidada nos segundos que era referida também pelo encenador Jorge Silva Melo numa entrevista televisiva em que confessava essa ilação a partir do ponto de observação situado numa conhecida confeitaria da Para da Figueira.
Fiquemo-nos, então, com a prosa sempre superlativa do autor de «O Secreto Adeus»: Olho para os rostos destes que nos têm governado e não reconheço neles qualquer semelhança com os nossos rostos comuns. Observem bem: abreviados, ausentes. As sombras que neles poisaram são repintadas de vigílias tétricas em que se arredaram o bater comovido do coração humano e o pulsar da mais escassa ternura. Como conseguem viver nesta miséria de fazer mal, de nos fazer mal? Têm-nos extorquido tudo e ainda querem mais, numa obscura vingança, cujo propósito decidido e inclemente é o de nos tornar infelizes.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

FILME: «Quinze Pontos na Alma» de Vicente Alves do Ó


Uma mulher, aparentemente bem sucedida na conjugalidade e no emprego de vendedora imobiliária, vive uma situação excecional: vê um homem prestes a atirar-se do Viaduto Duarte Pacheco e tenta salvá-lo com um beijo nos lábios. Em vão, já que ele leva por diante o seu propósito, deixando-a a contas com uma paixão arrebatadora, capaz de tudo pôr em causa. 
Todas as referências, que tinham até então garantido a estabilidade do seu quotidiano, desaparecem. Porque ela vai viver a obsessão de tentar compreender quem era esse Guilherme, nem que para tal se insinue na respetiva família como seua amante. E descobrirá assim essa prestigiada escritora, demasiado enamorada de si mesma e do seu sucesso mediático, para dar a atenção exigida pelos filhos.
Na sua primeira longa-metragem Vicente Alves do Ó quis transformar Rita Loureiro numa Kim Novak enleada num clima misterioso ao jeito de um «Vertigo». A cinefilia é uma evidência, que entra pelos olhos adentro, mas não basta para suprir as fragilidades de um argumento e de uma direção de atores a carecerem de melhor talento.
Mas o filme não deixa de ser estimável dentro de uma cinematografia, que também deve conter este tipo de produções medianas e bem intencionadas.

LITERATURA: Memórias Equivocadas


No quase sempre interessante “Inferno” do canal Q (http://videos.sapo.pt/E6SjLg7nzcZMl1EKuUZW), Pedro Vieira entrevistou o escritor Mário de Carvalho e questionou-o quanto ao facto de ele ver os seus recém-editados livros a partilharem os escaparates das livrarias com muitos outros com salazar na capa.
Carvalho revelou não estranhar este interesse singular pela mitificação de tal período da História portuguesa, com leitores num tipo de portugueses com aquilo que designou como «memória equivocada». Porque vêem-no como uma espécie de idade do ouro, quando, afinal, quem efetivamente o viveu, o sabe caracterizado sobretudo pela miséria e pela degradação. E o paradoxal é saber-se que os saudosistas desse passado são aqueles que, se então vivessem, mais facilmente acabariam na mitra ou em hospitais sem condições. Hoje são eles os que mais facilmente dão o voto aos que acabam por se revelar os seus predadores.
Mas a entrevista não vale apenas por esse momento: vale a pena ouvir o escritor discorrer sobre a sua surpresa pela veneração com que são ouvidos merceeiros bem sucedidos, que, em vez de discorrerem sobre a qualidade dos seus produtos ou a higiene das suas prateleiras de hipermercados, se julgam com legitimidade para perorarem sobre os destinos do país!

POLÍTICA: A queda dos cravos


Não é que o discurso de cavaco silva na cerimónia do 25 de abril na Assembleia da República tenha sido uma surpresa. Nós já conhecemos bem a espécie de homem que ele é: mesquinho, vingativo, preconceituoso, ou seja a antítese lapidar do que os militares da estirpe de um Salgueiro Maia sonhavam para perfil do político pós-Revolução.
Mas convenhamos, que também não teria estranhado um tipo de discurso mais comedido em que a sua lengalenga nada adiantasse, mas também nada inquietasse.
É que ainda estava fresca a vaia monumental dos manifestantes do 2 de março no Terreiro do Povo (como lhe chamou o Nuno Ramos de Almeida) e os efeitos subsequentes nas sondagens.
Ora, como esses indicadores da opinião já começavam a infletir, até seria crível que, cobardemente, o verme de Belém se mantivesse acoitado na sua toca.
Só que o seu instinto manda mais do que a razão como se viu recentemente no vergonhoso esquecimento de Saramago na Feira do Livro de Bogotá, quando se celebrava a Literatura Portuguesa. E teve de ser o homólogo colombiano a corrigir essa leviana falta de inteligência.
Agora cavaco deixou esse mesmo mau instinto voltar à emergir em todo o seu esplendor neste discurso inqualificável!
Não imagino como poderá o Partido Socialista esquecê-lo - como aliás também já não lhe poderia desculpar a sanha conspiratória contra o anterior governo até o conseguir derrubar. O que coloca uma questão óbvia: tendo em conta que a crise irá acentuar-se já este fim de semana - se, acabada a reunião do conselho de ministros de hoje, passos coelho ou um dos seus cúmplices vier a anunciar todos os cortes já combinados com a troika! - a clarificação da relação de forças só poderá advir de eleições.
É que surgindo uma alternativa à esquerda capaz de forçar a troika a negociar as novas condições para levar por diante a recuperação da destruída economia portuguesa, como poderá haver alguma forma de coexistência com um tão óbvio inimigo ainda pendurado na mais alta magistratura do Estado?
Porque não duvidemos: o filho do gasolineiro de Boliqueime continua a alimentar um ódio visceral à esquerda em geral e a defender os interesses dos seus amigos do costume, que tanto dano causaram ao país com o BPN e todos os negócios similares em que andaram a sugar o Estado e os contribuintes.
Dizia Mário Soares que, por muito menos que isto, tinha D. Carlos levado os tiros mortais na Rua do Arsenal. Ou, acrescentaria eu, finara-se Sidónio Pais na Estação do Rossio…
Como não é essa a alternativa exequível para resolver o problema, a esquerda liderada pelos socialistas, que substituir este (des)governo de má memória terá de considerar o que irá fazer com este «presidente» na sua equação do problema subsequente à mudança de ciclo político, Sabendo-se, à partida, que é só dar-lhe a oportunidade e lá voltará a tentação para largar a sua peçonha. Afinal aquela que foi tão forte no discurso, que até fez tombar a floreira com cravos postada à sua frente no tal discurso.
Cravos, que - não duvidemos! - irão reerguer-se a cobrir com o seu odor forte tão nefasta pestilência!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Livro: «Um Escritor Confessa-se» de Aquilino Ribeiro (5)


No próximo mês passam cinquenta anos sobre a morte de Aquilino Ribeiro, que ocorreu em 27 de maio de 1963. Razão bastante para revisitarmos a sua biografia com a ajuda da autobiografia «Um Escritor Confessa-se» de que se segue aqui a quinta abordagem.

Na página 89 da edição da Bertrand de junho de 1974, que nos vem servindo de guião para esta evocação do grande mestre beirão, encontramos a descrição do seu progressivo afastamento da religião, quando ainda frequentava o seminário de Beja.
Homem de princípios, o escritor via os valores bíblicos continuamente desrespeitados por quem mais responsabilidades tinha enquanto seus supostos guardiões. Ademais sobrava uma postura hedonista, que não se ajustava com o internato numa instituição tão lúgubre quanto aquela aonde se via enclausurado:
Ao fim e ao cabo, a minha descristianização como se operava ? Em verdade era obra lenta e gradativa, de que me seria impossível estabelecer hoje a sucessão de pequenos fenómenos de consciência. O facto de ter sido sempre um tíbio e ralaço praticante dos mandamentos da Igreja não significava que fosse menos profundamente católico. Eu, como toda a gente - e suponho que ainda hoje muita gente boa - , nunca submetera a revisão, por uma questão de respeito, se não era apenas de inércia, esta espécie de feudo subjectivo a que nos encontramos subordinados por herança ou tradição.
Não existe, pois, nenhuma drama íntimo nessa opção pela vida laica. O que se passava fora das paredes do seminário era demasiado estimulante para que Aquilino se conformasse com o seu alheamento. E está pronto para partir á descoberta de um mundo, que estava em tão acelerada transformação: o novo século acabara de começar, mas prometia mexer com todos os conceitos, que só os padres e os monárquicos quereriam cristalizar nas suas toscas certezas.
Não tardaremos a ver Aquilino envolvido nas grandes lutas pela mudança de todo esse cadaveroso reino!