sábado, 9 de março de 2013

FILME: «Monsieur M, 1968» de Isabelle Berteletti e Laurent Cibien


Em 1975, quando um homem solitário morre num bairro periférico de Paris, descobre-se em sua casa um labirinto de papéis guardados metodicamente em caixas, reveladores da sua estranha personalidade: cartógrafo de profissão, ele costumava anotar todos os acontecimentos diários em agendas, mesmo tratando-se de ocorrências perfeitamente rotineiras como ir às compras com a mãe ou deslocar-se a pé, ou de transportes públicos, entre casa e o emprego.
Os realizadores escolheram pegar na agenda de 1968 para acompanharem a leitura em off do que ele anotara, com imagens de arquivo ou atuais, a preto-e-branco e a cores, sobre os espaços em que ele se movia por essa altura. E a escolha não é inocente: sendo o senhor M parisiense, claro que não lhe passaria ao lado a intensa conflitualidade ocorrida na capital francesa nos meses de maio de junho desse ano.
Por exemplo a 10 de fevereiro ele regista ter tomado o segundo banho do ano e regressado a casa na companhia, quase até à porta, da sua colega Joelle. Dias depois conta detalhadamente a compra de um frigorífico para substituição do anterior, já com quinze anos de utilização, acrescentando minuciosamente os respetivos modelos e custos.
Em maio, enquanto Paris está a arder M «adoece» convenientemente para se escusar à greve no IGN e assiste na Tv a um elucidativo  filme de Dreyer («A Paixão de Joana d’Arc»). Por esses dias, enquanto as praias se revelavam por baixo das pedras da calçada, ele regista em que nádega vai levando as injeções destinadas a curar-se da crise de fígado.
Num filme dotado de um conceito bastante interessante e esteticamente bastante belo, o ritmo das estações e das suas pequenas rotinas pontuarão as sucessivas cenas, não escapando a M a invasão de Praga pelos tanques soviéticos...

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