sábado, 30 de março de 2013

PORTUGAL: Quem tem a temer com o regresso de José Sócrates?


Nos debates televisivos destes dias o tema tem estado sempre no fulcro da discussão: quem tem mais a perder com o regresso em força do ex-primeiro-ministro ao combate político do país? Para já existem uns quantos figurões da nossa praça, que têm de tomar doses reforçadas de guronsans, seja porque tinham apostado em como Sócrates nunca conseguiria vencer a condição de cadáver político, seja porque o transformaram em demónio causador de todos os males da Pátria e vêem o seu pior pesadelo de regresso sem dele encontrarem artes de conseguirem despertar!
Há quem, como Martim Silva hoje no «Expresso da Meia-Noite» da SIC Notícias, considere ser António José Seguro quem terá mais a perder, porque a comparação do seu estilo mole com o da determinação férrea do antecessor, só o poderá prejudicar. E, nesse sentido, o que será mau para Seguro, constituirá um bálsamo para este (des)governo à deriva, compreendendo-se assim a lógica de quem avente tratar-se de estratégia maquiavélica de miguel relvas.
Não sabemos se o duvidoso licenciado da Lusófona teria imaginação para tanto, mas a confirmar-se tal tese, só virá a repetir-se o que é seu timbre: tornar desastrosa qualquer ideia que, à partida, pareceria de inquestionável potencial para os seus interesses.
Na entrevista de quarta-feira sentiu-se que Sócrates não virá apenas ajustar contas com a múmia embalsamada em Belém, já que, passado este fulminante KO, não justificará que se continue a gastar cera com tão ruim defunto. Tão pouco o moverá a cobrança da duvidosa lealdade da atual direção do Partido Socialista para com o seu legado. Nunca se viu no passado de Sócrates qualquer exemplo de marginalização ou de falta de probidade para com os seus camaradas socialistas.
Muito mais inteligente e comunicativo do que qualquer dos demais comentadores políticos dos diversos canais (deixando a léguas as velhacarias mentais de marques mendes ou a senilidade cristalizada de marcelo), Sócrates virá decerto fazer aquilo que melhor o caracteriza: abrir pistas para o que poderá vir a ser o futuro dos portugueses, quando se virem libertos do inferno dantesco em que a austeridade de passos e de gaspar os mergulharam.
Assim, ao contrário do que prevêem os defensores da tese de uma iminente liderança do Partido Socialista a duas vozes, não duvido quanto estarão enganados daqui a poucas semanas: Sócrates veio clarificar uma divisão de águas muito clara entre a direita e a esquerda. Excluiu soluções com esta direita no poder e não estigmatizou nenhuma das esquerdas, que o derrotou durante a discussão do PEV IV. O que significa a sua utilidade para possibilitar pontes futuras, já ensaiadas por António José Seguro para as autárquicas, mas ainda tornadas inviáveis pelo sectarismo das direções do PCP e do Bloco.
Seria natural que Sócrates condenasse essas esquerdas em função de se terem tornado suas inimigas, quando pretendeu evitar a todo o custo a vinda da troika. Mas, pior do que esses «idiotas úteis» da direita e dos oligarcas lusos, que têm continuado a enriquecer obscenamente enquanto a maioria dos portugueses empobrece, Sócrates sabe bem serem estes últimos os seus verdadeiros inimigos. Nos seis anos de governação ainda se iludiu com a possibilidade de contar com a sua complacência se não mesmo apoio. E, durante algum tempo, até se viu bafejado de elogios por muitos dos seus ulteriores inimigos, que então lhe reconheciam o fulgor reformista.
Os dois anos em Paris deverão tê-lo feito refletir sobre os seus erros e disse-o expressamente: nunca deveria ter aceite governar sem maioria absoluta. Não esclareceu foi com quem deveria ter criado convergências para tornear essa dificuldade. E todos terão pensado que teria em mente o PSD de manuela ferreira leite ou o CDS de  paulo portas. Mas … e se afinal o seu discurso persistente antidireita escondeu uma outra perspetiva de futuro, aquela que foi a necessária para que Hollande chegasse  ao Eliseu e Bersani quase ao Palácio Chisi?
Esta evolução pode ser tanto mais relevante quanto não lhe terá passado despercebida a pasokização dos partidos da Internacional Socialista, que aceitaram meter na gaveta os seus princípios e se dispuseram ao papel de marionetes daqueles que, mais objetivamente se apresentam contra tal ideário.
Estando a esquerda europeia confrontada com a urgência de muito rapidamente se reinventar, Sócrates poderá vir a ser peça fundamental dessa transformação, que também não deixará de passar por este cantinho à beira mar plantado.


sexta-feira, 29 de março de 2013

BANDA SONORA: a música de Maurice Jarre para Lawrence da Arábia


Maurice Jarre morreu exatamente há quatro anos atrás. Na sua carreira de compositor de filmes existem êxitos marcantes do cinema do século XX. Fica aqui a recordação da banda sonora de «Lawrence da Arábia», mas também podia escolher muitas outras como «Doutor Zivago» ou «Passagem para a Índia», que lhe valeram os respetivos Óscares.
O seu estilo era tonitruante muito por força do recurso à percussão, ou não tivesse tocado tímbalos, no início da sua carreira musical, na qual chegaria a fazer parelha com o conhecido Pierre Boulez. Mas as suas composições também se caracterizam pela utilização de instrumentos étnicos, que lhe garantissem uma identificação da música com o ambiente, que seria suposto ilustrar.
Quando morreu, em 29 de março de 2009, contava 84 anos.



LEITURAS: Ciclo Lawrence Durrell (11) - «Mountolive»


Em Mountolive, Darley apaga-se enquanto narrador em proveito do romancista omnisciente naquilo que é, segundo Durrell, um romance objetivo, naturalista onde o narrador de Justine  e de Balthazar torna-se objeto, ou seja, personagem.
Mountolive não fornece, porém, a chave para o conjunto da tetralogia, mas tão só uma terceira perspetiva sobre os acontecimentos anteriormente descritos.
O romance inicia-se com a chegada do jovem Mountolive ao Egipto … num passado mais recuado do que o dos seus dois predecessores.. Torna-se amigo de Hosnani, o amante da sua mãe, Leila, que lhe ensina o que a educação britânica negligencia e faz dele um homem.
A carreira diplomática leva-o para longe de Alexandria antes de aí voltar como embaixador.
Personagem edipiano, Mountolive encarna a «morte einglesa do Caderno Negro: perde, pouco a pouco, as ilusões ao descobrir a verdadeira personalidade dos amigos. Justine espia-o, trama-se uma conspiração. Pursewarden, o seu adjunto, suicida-se. Mountolive denuncia Nessim cujo irmão Narouz, vitima das intrigas alexandrinas, morre assassinado.
Através das reviravoltas induzidas pelas novas versões de factos antigos, o leitor consegue compreender finalmente as intenções de Durrell: mesmo tendo sido necessárias centenas de páginas para entender a futilidade das testemunhas, o leitor terá participado na criação do romance.
Se os três primeiros volumes do Quarteto são «irmãos de sangue» e não propriamente continuações uns dos outros, o espectador fica ansioso por ler o último volume, que representará o Tempo e será uma verdadeira sequela.

POLÍTICA: E o Astérix é … José Sócrates!


A melhor reação que colhi do texto publicado esta tarde no blogue foi do Licínio Nunes, que anotou o seguinte comentário: Já o disse e não tenho qualquer problema em dar a mão à palmatória, o "Regresso do Animal Feroz" mostrou que, enquanto político, José Sócrates está várias ordens de magnitude acima da norma ranh..., digamos, de nariz incontinente, dos actuais, incluindo "o outro". Mas agora fiquei perplexo: se aceitarmos a analogia do Júlio César, "O Animal" passa a ser quem? O Astérix ou o Obélix? Ah! Desde que não seja o bardo, que acaba sempre amarrado e amordaçado, no ramo duma árvore, a mim tanto me faz..., hehehehe
Prosseguindo, pois, com a lógica dessa comparação não duvido que Sócrates faz nela o papel de Astérix: inteligente e determinado, basta-lhe tomar a poção mágica do estudo rigoroso dos dossiers para transformar quaisquer interlocutores, que o entrevistem ou com quem debata, em gente sem qualidades. Como reconheceu Baptista Bastos no «Diário de Notícias» ele regressou em grande forma.
Nesse sentido um dos mais ignóbeis comentadores da entrevista, e elucidativo exemplo desse tipo de homem sem qualidades de que falava Musil, é o  lamentável manuel maria carrilho, quando incorreu na abjeta associação de Sócrates com relvas como se se pudesse comparar o estudo, a reflexão e o sentido de estratégia de que se revela imbuído, com a superficialidade meio idiota ostentada, sem sequer consciência disso, pelo ainda ministro dos assuntos par(a)lamentares!
Nesse sentido carrilho lembra aquele espião romano enviado para a aldeia gaulesa para aí semear a confusão e que acaba estraçalhado pelo triste papel para que aceitou ser confiado. Se chegou a fazer algo de positivo na cultura em tempos idos, o envelhecimento está a fazer-lhe extremamente mal.
A direita, que Sócrates tanto causticou na entrevista, assemelha-se a essas legiões romanas, que passos coelho anunciara com trombetas como estando pretensamente dotadas das melhores armas e a mais preparada para combater a crise de 2011 e agora estilhaçadas pela conjugação da sua mais que evidente incompetência para tirar o país da crise e, a partir de agora, com as palavras disparadas a partir da catapulta do antigo primeiro-ministro.
É claro que ainda fica por esclarecer quem ficará no papel de Obélix ou do esganiçado bardo!
Se alargarmos a aldeia gaulesa a toda a esquerda não é difícil entregar a Heloísa Apolónia este último papel. Quanto ao gordo meio ingénuo e guloso da poção mágica, apostaria em entregar tal desempenho ao PCP e ao BE por terem servido há dois anos atrás de idiotas úteis da estratégia da direita e precisarem, de facto, desse preparo druídico para abandonarem o sectarismo e se disporem a viabilizar um governo de esquerda capaz de alterar este percurso acelerado do país para a catástrofe.
Na realidade comprova-se que não existe qualquer semelhança possível entre um governo socialista e um de direita. Agora só é preciso um esforço conjunto dos três partidos da Oposição para encontrarem o máximo denominador comum e serem capazes de se mostrarem mais inteligentes que a esquerda italiana aonde a possibilidade de Bersani aumentar a contenção dos estragos de Merckel na União Europeia se viu posta em causa pela demagogia tonta e extremamente perigosa dos apreciadores do estilo do palhaço-grilo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

POLÍTICA: Retórica inflamada e vazia de conteúdo?


A entrevista a José Sócrates deverá ter feito assemelhar cavaco silva ao Júlio César de Uderzo e de Goscinny, quando o imperador romano se viu sucessivamente derrotado pela irredutível aldeia gaulesa. Quantos de nós teríamos desejado espreitar gulosamente a fúria com que o filho do gasolineiro de Boliqueime terá ouvido o seu nome e começado a sentir doses súbitas de aguda otite.
Como dizia Pedro Santos Guerreiro, o que resultou da abordagem do comportamento presidencial durante a crise de 2011 foi uma sova do caixão à cova. Que a reação de hoje, vinda de Belém, seja uma breve nota no facebook em que classifica de retórica inflamada e vazia de conteúdo, diz bem da pobreza argumentativa de um protagonista maior da situação em que o país caiu e justificativa das ruidosas vaias a que se sujeita nas manifestações populares.
É que foi decerto uma das grandes clarificações, que a entrevista de José Sócrates trouxe: para além da conjuntura internacional, que deitou a perder os esforços de resolução dos défices estruturais da economia portuguesa operados entre 2005 e 2009, Portugal viu agravados os seus principais indicadores da qualidade de vida da sua população pela convergência de esforços de cavaco silva com passos coelho para cumprirem o velho sonho de sá carneiro de contar com uma maioria, um governo e um presidente.
Com todo poder em si concentrado, a direita julgou deter as condições bastantes para operar a inversão do PREC e prolongar-se indefinidamente no poder. É que, sem um setor empresarial do Estado capaz de gerar receitas, e com as televisões a imitarem o papel das de Berlusconi na estupidificação dos espectadores e na repetição indefinida da mensagem de não existir outra alternativa à dos que propõem uma sociedade apenas caracterizada pela liberdade de ação de quem domina os mercados, nunca a esquerda deveria poder demonstrar a exequibilidade de uma outra alternativa.
Azar o de passos, relvas, cavaco e companhia: a ganância em retirarem o mais urgentemente a riqueza da maioria dos cidadãos para a transferir para o pequeno núcleo de oligarcas a quem servem de marionetas, deitou o esforço a perder. E hoje vêem-se condenados a desempenharem o papel de miguel de vasconcelos, que acabou atirado da varanda, ao escolher a defesa dos que exploravam a maioria dos portugueses.
É neste contexto, que a retoma da palavra por Sócrates acaba por ser muito importante. Porque se há silêncios que pesam, as palavras assumem ainda maior sentido, quando orientadas para a exaltação do que de melhor existe em quem o ouve e vê recuperado o sonho de um futuro muito diferente do inferno prometido por esta gente de passagem…
Hoje, nas ruas e nos fóruns das televisões e das rádios viu-se já a transformação em marcha: a entrevista representou uma pedrada num charco que só a direita julgava convenientemente estagnado. As ondas de choque das palavras de Sócrates só vêm somar-se às de uma dinâmica, que têm tido nas manifestações de rua o sentido de um fim de ciclo a anunciar-se…
E, como se interrogava Miguel Abrantes no blogue «Câmara Corporativa», que terão pensado os 1,6 milhões de espectadores (1, 845 milhões, às 21.19) que assistiram à entrevista de José Sócrates perante as manobras para tentar impedir o ex-primeiro-ministro de ter acesso à televisão?
Quase apostaria que a grande maioria terá saído da experiência com um oportuno questionamento sobre a narrativa com que terão sido bombardeados nestes dois anos...

terça-feira, 26 de março de 2013

TEATRO: «Faz Escuro nos Olhos» pelo GRIOT no Teatro Meridional

A primeira vez, que contactei com a teatralidade do universo do encenador Rogério de Carvalho foi antes do 25 de abril quando, conjuntamente com alunos da Escola Emídio Navarro, em Almada, levou à cena o espetáculo «Morte e Vida de Severina».
Curiosamente, mais de quatro décadas depois, pode-se dizer que as preocupações e alguns dos modelos de representação continuam presentes nesta peça interpretada pela GRIOT e apresentada no fim de semana transato no Teatro Meridional.
Admito algum desconcerto ao longo dos cinquenta minutos de duração da peça, porque as fronteiras desaparecem e um homem pode representar um papel feminino e vice-versa e as preocupações vão passando de personagens para personagens. Existe a violência, a luta pela sobrevivência, a dificuldade de comunicação dentro do casal e fora dele. E muitos sons. De vozes e não só. Que falam a sós ou em coro. E fica a perceção de um mundo de sofrimento coletivo donde parece erradicada a esperança…
Faz escuro nos olhos e a luz parece tão mortiça, tão distante...


LEITURAS: «Terra e Cinzas» de Atiq Rahimi


A passagem do Exército Soviético pelo Afeganistão poderia ter sido a oportunidade para que um dos mais retrógrados países da Ásia Central saísse do seu acervo de preconceitos e entrasse decididamente nos valores da modernidade.
Má sorte a dos comunistas afegãos, que se viram joguete de uma Guerra Fria chegada à sua fase final com Ronald Reagan a apostar na derrota do cristalizado regime de Breznev. Mesmo que armando até aos dentes aqueles que, anos depois, viriam a derrubar as Torres Gémeas de Nova Iorque.
Passados dez anos sobre a chegada dos talibãs a Cabul, Atiq Rahimi escreveu uma pequena novela sobre os dilemas, que se colocavam nesse passado já então distante, quando o romance foi publicado em França (2000). O protagonista é um velho, que viu a sua aldeia destruída pelos soldados russos e vai com o neto Yassin - o único sobrevivente da família - à procura do filho, Mourad, que trabalha numa mina de carvão.
Deixando a mente alternar entre a dolorosa vigília e os delírios mais ou menos favorecidos pelo alucinogénio que vai mascando, ele tem a esperança de ver o pai do miúdo sair da mina e ir vingar a família assassinada. Mas a deceção é grande, quando descobre que a notícia do massacre chegara à mina e que Mourad até se julgara derradeiro sobrevivente da família. Apesar de continuar a trabalhar a soldo dos agressores.
Muito embora esse desiderato não seja assim tão explícito, o romance demonstra a existência de um conflito de gerações em que os mais velhos rejeitam o regime pró-soviético, mas os filhos até não enjeitam esse comprometimento.

LEITURAS: Aquilino Ribeiro, «Um Escritor Confessa-se» (1)


Volto à leitura de Aquilino após um hiato de muitos anos e à boleia do cinquentenário da sua morte, que se cumprirá a 27 de maio. Motivo, convenhamos que pouco justificável, porque o autor do «Malhadinhas» merece uma atenção bem mais contínua atendendo à sua escrita rica em estilo e em vocabulário e, sobretudo, pela sua personalidade ímpar, capaz de influenciar gerações sucessivas de grandes intelectuais do século XX. Como o reconhece José Gomes Ferreira num preâmbulo encomiástico em relação ao escritor, que sempre conheceu como seu Mestre. E como continuam a referenciar Baptista Bastos ou Mário Carvalho, quando sobre ele se pronunciam.
Porque, além da qualidade da sua escrita, Aquilino foi um antissalazarista indefetível, que sempre demonstrou a coragem de enfrentar a besta hedionda da repressão e da ignorância, depois de ganhar tirocínio muitos anos antes, quando militara ativamente na Carbonária para derrubar a falida Monarquia.
Como alinharei aqui sucessivos apontamentos em função da evolução da leitura, fico-me por ora pelas primeiras páginas, quando Aquilino está nos dezasseis ou dezassete anos e o século XX nos seus primórdios e os pais o querem prior de uma das cinco mil paróquias então existentes no país. Porque ser padre na altura corresponderia a chegar a pé e apenas com o breviário na mão ao local de peroração e, passados anos, já aí ser tido como um dos principais proprietários rurais.
Ora o jovem Aquilino, embora ainda virgem nas experiências libidinosas, sabe que não quer ficar solteiro e foge desse devir como Maomé do toucinho. Mas os pais são persistentes e movem influências junto de amigos e conhecidos para que falem com o irreverente rebento e o convençam das vantagens da sotaina. Até o histriónico Albino, versado nas artes cénicas, é comprado para tal missão à conta de um escabeche com que ilude o apetite.
Fechei o livro, deixando-lhe a respetiva marca, quando Aquilino ainda não está decidido a partir para o internato no seminário de Beja.

MALÁSIA: portugueses nos confins do mundo


Numa vida profissional, que me levou a todos os continentes e a navegar por todos os oceanos (exceto o Antártico), uma das constatações mais curiosas por que passei foi a presença de compatriotas nossos nas mais longínquas paragens.
Ouvir falar português num qualquer lugarejo europeu não admira, tendo em conta essa vocação lusa por, desde sempre, procurar melhores expectativas de vida, passando a fronteira a salto. Mas acolher outras alternativas mais distantes, às quais só se chega de barco ou de avião, já se revela mais singular. Daí que sempre me tenha espantado quando ao cirandar pela Patagónia encontrei um português como dono de um hotel em Puerto Madryn, do mesmo modo que dei com outro como padeiro na ilha caribenha de Antígua ou com um grupo animado a expressar-se na nossa língua enquanto palmilhava a imensa Rua Nanjing de Xangai. Mas a melhor história sobre encontros improváveis de portugueses ocorreu com dois colegas de curso da Escola Náutica, o Henrique e o Anacleto, que, um dia, encontraram-se nos céus do Alaska, já que ambos estavam no mesmo voo entre Anchorage e Tóquio, um de regresso a casa depois de um embarque, e outro daqui saído para um período de navegação pelos mares asiáticos.
Não foi, pois, necessário que passos coelho propusesse a emigração como alternativa para que os portugueses optassem por essa alternativa, quando viram a sua terra natal tomada de assalto por gente indigna, mais preocupada com o bem estar dos seus titereiros do que com os compatriotas para cujo bem estar de felicidade deveriam encontrar soluções.
Foi isso mesmo que sucedeu a Rui, um antigo trabalhador numa fábrica nortenha a quem o desemprego levou para paragens recônditas da Ásia, aonde o autor de uma reportagem para o suplemento «Fugas» do «Público» o foi encontrar nas ilhas Perhentian pertencentes à Malásia.
Eis como Irineu Teixeira descreve esse encontro na edição do último sábado: e ali, postado no cândido areal, estava o portuguesíssimo Rui, da Madalena (Vila Nova de Gaia), qual Vasco da Gama dos tempos modernos, sem bússola nem nau, mas com a mesma vontade de enveredar por terras nunca antes calcorreadas. Com as trouxas às costas e um punhado de vinténs na algibeira, resultantes da saída “forçada” e desejada, da gigante vila-condense Quimonda, partiu sem data nem bilhete de regresso. Índia e Nepal foram longos, remotos e inolvidáveis apeadeiros antes de enveredar a sul, rumo à “estação paraíso”: as ilhas Perhentian.
Solícito, o jovem lusitano auxiliava Faizul na manutenção do seu despretensioso resort, ancorado na ponta sul da baía de coral, sobranceiro às pedras graníticas e cinematográficas, que ali foram cuidadosamente distribuídas, por um Deus pintor, no claro propósito de quebrar a intensidade das águas azuis e verdes, que se abraçam como um casal de namorados. Como moeda de pagamento, Rui recebe alimento e um lugar para o corpo descansar, após um dia entre o alisar as areias imaculadas, finas e farinhentas, a raiar a transparência, arrancar ervas daninhas, fazer recados ou a entreter os convivas em animados e descontraídos jogos de volei na praia. Uma canseira.

BANDA SONORA: Hiromi Uehara interpreta "I've Got Rhythm" de George Gershwin

Não será porventura uma interpretação particularmente canónica da peça de Gershwin, mas vale a pena ver a energia e a alegria com que Hiromi Uehara toca "I`ve got rhythm".

FILME. «O Acompanhante» de Paul Schrader

Ainda estamos a ver desfilar as letras do genérico de abertura e já, em voz off, começa a ser dado o tom do filme: algumas mulheres e um homem vão trocando diálogos maledicentes. Após um longo travelling da câmara chegamos ao quarteto em causa, que joga à canasta e integra quatro competentíssimos atores de diversas gerações do cinema norte-americano. Surgem assim Lauren Bacall, Lily Tomlin, Kristin Scott Thomas e Woody Harrelson. Elas são ou foram casadas com políticos da elite de Washington, enquanto ele é o «acompanhante» que lhes serve de motorista, parceiro de tardes de lazer ou de consultor para as questões de guarda-roupa ou de decoração de interiores. Sem suscitar complicações com os maridos já que é tão pública a sua condição de homossexual, como constituir o derradeiro espécime de uma linhagem de importantes políticos do passado, de quem só herdou o gosto pelo «lobbying».
Cena reveladora de como estamos num ambiente de máscaras acontece quase logo a seguir quando, depois dessa sessão semanal em casa de Natalie Van Miter (Lauren Bacall), Carter Page III chega a casa e, em frente ao espelho, tira a peruca para revelar a sua pouco glamourosa condição de calvo.
Mas, de entre essas mulheres influentes, de quem Carter está mais próximo é de Lyn Lickner (Kristin Scott Thomas), a quem chega a levar aos encontros clandestinos com o amante, um consultor financeiro em cujas opiniões Carter acreditara e graças ao qual perdera uma verdadeira fortuna. Mas os seus problemas ainda estão longe de se ficarem por aí: uma tarde, Lyn regressa rapidamente ao carro, transtornada por ter encontrado o amante assassinado com umas quantas facadas.
Para evitar o escândalo à amiga, Carter leva-a rapidamente a casa e regressa ao local do crime para dele dar conta à polícia. Ainda nos julgávamos a entrar no ambiente geral do filme e já ele nos coloca perante o seu tema fundamental: como a Polícia e a Justiça se conluiem para tirar dividendos políticos de um caso, que bem pode aproveitar à Administração Bush, já que o marido de Lyn é um dos principais senadores democratas e lidera um processo de investigação a negócios comprometedores dos republicanos.
Schrader nem sempre consegue tornar explicita toda a trama de chantagem, de intriga, de corrupção, em que Carter se torna modesto peão, mas se arrisca a tornar-se numa das suas mais indefesas vítimas. Até porque as suas antigas amigas, a começar por Lyn, fogem dele como da peste.
Carter vive o pesadelo das ilusões perdidas: num país aonde as próprias eleições terão sido sujeitas muito provavelmente a uma engenhosa fraude, ele confessa: “tive algumas ilusões destruídas… Pensei que não éramos uma nação agressora. Pensei que havia uma separação entre a Igreja e o Estado. Diabo, eu até pensei que era o povo quem escolhia o presidente”.
No final, depois de quase arriscar a o couro e o cabelo (mesmo que postiço!), Carter sai incólume das suspeitas, que um atiçado Procurador tenta fazer recair sobre ele. Perdidas as ilusões, inclusivamente as amorosas, Carter liberta-se dos problemas penais, mas fica inevitavelmente muito mais só.    
  






segunda-feira, 25 de março de 2013

BANDA SONORA: «Clair de Lune» de Debussy


No aniversário da morte de Claude Debussy evoco aqui o seu «Claire de Lune» na interpretação canónica de Claudio Arrau.

CHINA: os dilemas de uma incerta evolução


A fotografia mais elucidativa do dia vem da agência Reuters e foi colhida em Xinjiang Uyghur, na China. Ela reflete o paradoxo de ver uma autoestrada ocupada por rebanhos de ovelhas em sentido contrário como se impusessem um retrocesso numa dinâmica aonde imperam os automóveis e o seu sentido de velocidade. Nesse sentido ela permite perspetivar os desafios de identidade reveladores das imensas contradições: de um país dividido entre a sua natureza agrícola - que esteve na base da sua revolução maoísta - e a vontade de modernização assente em todos os símbolos do progresso ocidental.
Sem o parecer temos aqui a dialética entre um sistema, que comportou tantas esperanças de justiça e de igualdade para milhões de seres de todo o mundo, mas cuja recuperação obriga a fazer marcha atrás e a retomar caminhos onde eles se perderam por efeito dos seus terríveis erros, e um outro, que se fundamentou na ganância de uns quantos, capazes de prometerem bem estar para a imensa maioria dos que exploravam, mas agora a demonstrar os seus limites e a confrontar os antigos iludidos com a tenebrosa realidade de um empobrecimento coletivo.
A fotografia da Reuters é, pois, daquelas que permite confirmar como, às vezes, uma só imagem substitui milhentas palavras...


domingo, 24 de março de 2013

LITERATURA: Ciclo Lawrence Durrell (10) - «Balthazar»


No segundo volume do «Quarteto de Alexandria», retoma-se a história de «Justine», mas numa perspetiva diferente. Darley conserva a função de comentador, a sua ligação com Justine mantem-se central, assim como as mesmas personagens satélites.
Mas se as personagens e os acontecimentos de «Justine» são os mesmos, suscitam por seu lado novas interpretações: a morte de Melissa, a loucura de Nessim ou a fuga de Justine perdem relevância em proveito da amizade de Justine com Cléa ou o encadeamento de factos para conduzirem ao casamento de Nessim e de Justine. Persiste, por seu lado, a importância de Alexandria enquanto espírito do lugar, bem como a importância da criação artística: Cléa, Pursewarden, Darley e Balthazar são artistas.
Balthazar vem sublinhar a instabilidade dos factos e a necessidade - para quem o desejar! - de reajustar o seu ponto de vista como se o primeiro romance tivesse desviado o leitor para pistas secundárias. Assim, Melissa, que detinha então um papel fundamental, é aqui reduzida a um ser por quem se sente apenas compaixão, enquanto Arnauti e Pursewarden vêm os seus papéis trocarem-se de um para o outro romance.
Balthazar parece operar um restabelecimento salutar da verdade: cada personagem torna-se na origem de acontecimentos que afetam outras personagens, o que se traduz pela constatação de não existirem aqui papéis secundários.
Ainda está por concluir a educação de Darley, mas ele já começa a expressar-se de acordo com o artista moderno definido por Pursewarden como o ser humano inteiramente vivo.
A exemplo de Justine, Balthazar conclui-se pela visão passiva e solitária de Darley, que não permite imaginar como evoluirá o futuro.

BANDA SONORA: Deolinda - 'Seja Agora' (2013)


FILME: «Free Angela» de Shola Lynch

Infelizmente não temos em Portugal uma cultura de assistir a documentários nas salas de cinema. Títulos como os de Michael Moore ou a experiência de Gonçalo Tocha na Ilha do Corvo funcionam mais como exceções como regra. Daí que um documentário como Free Angela, que se estreará em França no início de abril, terá poucas possibilidades de ser visto nos nossos ecrãs, salvo de um DocLisboa o trouxer para uma ou duas sessões. Mas trata-se de um filme fundamental para compreender muitas das lutas dos anos 70 e do papel nelas de uma mulher inteligente para quem a luta contra o capitalismo continua a fazer tanto sentido como a que personifica contra o racismo ou a opressão das mulheres.
Free Angela conta a história de uma jovem professora de filosofia do Alabama, oriunda de uma família de intelectuais afro-americanos, e politicamente bastante empenhada nas lutas do momento.
Durante a juventude, Angela Davis foi profundamente marcada pela sua experiência do racismo, concretizada nas humilhações da segregação racial e do clima de violência tão óbvio à sua volta.
Feminista, comunista, militante do movimento dos direitos cívicos, e companheira de luta dos Panteras Negras, Angela Davis alistou-se no apoio aos Irmãos de Soledad, três prisioneiros negros acusados de terem assassinado um guarda prisional como represália pelo assassinato de um dos seus companheiros. Dirigia então o departamento de estudos feministas da universidade da Califórnia.
Em 1970 Angela é acusada de ter organizado uma tentativa de evasão com recurso a reféns, que se saldou pela morte de um juiz californiano e de quatro presos e torna-se na mulher mais procurada dos Estados Unidos. Capturada, encarcerada, julgada, condenada à morte, será libertada, em 1972, por falta de provas e sob a pressão dos comités internacionais de apoio cujo slogan era «Free Angela». Entre as personalidades internacionais, que mais se destacaram nessa exigência de justiça figurara Jean Paul Sartre.
Transformada num símbolo da luta contra todas as formas de opressão - racial, política, social e sexual - Angela Davis encarna nos anos 70 o «Power to People». Com o seu penteado característico e uma silhueta soberba ela lançará involuntariamente a moda afro, então adotada por milhões de jovens.
Quarenta anos depois, por ocasião do aniversário da sua libertação, Shola Lynch regressa com este filme a um período crucial da segunda metade do século XX. E ainda que a verdadeira Angela Davis apareça nele, é a atriz Eisa Davis, sua sobrinha, quem assume a representação do seu papel nessa época.
Free Angela é o segundo documentário realizado por Shola Lynch, que, em 2004, rodara um filme sobre outra figura determinante da política norte-americana: Shirley Chisholm. E constitui uma nova abordagem de uma temática que, em 1972, ainda no calor dos acontecimentos, já levara Yolande DuLuart a rodar Angela Davis: Portrait of a Revolutionary.
Shola Lynch pretendeu traçar o percurso incomum de uma mulher admirável: Queria compreender como é que uma jovem intelectual negra, de 26 anos, já então tida como brilhante professora de literatura, se vira colocada no topo da lista das dez pessoas mais procuradas pelo FBI. Com Free Angela cumpre-se também o dever de memória para com muitos prisioneiros políticos desse período histórico. Daí que o filme esteja preenchido por muitas imagens de arquivo, resultantes de um rigoroso trabalho de pesquisa e de restauro.

FILME: «As Neves do Kilimanjaro» de Robert Guediguian


Como pode Michel operar a catarse da difícil situação em que cai ao ficar desempregado à beira da reforma e depois de toda uma vida sindical ao serviço dos seus colegas de trabalho? À partida existe a tristeza relacionada com a falta de objetivos, mas que procura superar com a construção de uma pérgula para um dos filhos ou com os pratos cozinhados para a família.
Tudo aponta para um futuro plácido, sem grandes sobressaltos, quando sofre um assalto á mão armada, numa noite em que jogava às cartas com a mulher e os cunhados. À dor física logo se associa outra ainda maior, quando descobre num dos autores mascarados da agressão um dos jovens colegas com ele despedidos no mesmo dia em que se vira desempregado.
Se a reação imediata é denunciar o delinquente à polícia, que rapidamente o prende e o faz confessar, quase se segue com a mesma rapidez o arrependimento e a vontade de desistência, que a Justiça já não acolhe.
Aonde o filme ganha asas é quando as personagens fogem aos estereótipos e se dissociam do maniqueísmo primário tão frequente no cinema mais convencional, quando aborda dilemas deste tipo. Assim, o jovem delinquente era o único a cuidar dos jovens irmãos, já que os três tinham sido abandonados quer pelos pais, (que nunca tinham conhecido), quer pela mãe, ela própria mais apostada em encontrar novo elo afetivo do que atender às necessidades dos seus rebentos deixados para trás. Raoul, o cunhado sindicalista de Michel, não se consegue eximir de um discurso justicialista sem complacência para com o delinquente, que lhe dera cabo dos frágeis nervos da esposa, sem cuidar dos argumentos de um desempregado sem alternativa para as suas carências mais imediatas quanto ao pagamento da renda ou da compra dos bens de primeira necessidade para si e para os irmãos.
Michel e Marie-Claire acabam por se responsabilizar pelas crianças abandonadas, mesmo contrariando os desejos egoístas dos próprios filhos, pouco dispostos a perderem o estatuto de focos das suas preocupações.
A projetada viagem ao Kilimanjaro, que chegara a estar nos planos do casal é abandonada até porque as gazelas, as girafas e os hipopótamos até estão ali mesmo à sua frente, quando contemplam a praia com uma cumplicidade recuperada...

sábado, 23 de março de 2013

ÓPERA: «Émilie» de Kaija Saariaho (3)


Prosseguindo com a abordagem da ópera compostaem 2008 por Kaija Saariaho sobre a figura de Émilie du Chatelet, vale a pena aqui colocar uma citação da própria personagem e que é bem elucidativa da sua personalidade: o amor é muitas vezes focado mais pelos infortúnios que causa do que pela indistinta felicidade que espalha na vida das pessoas. Afirmo no entanto que estas paixões são ainda assim desejáveis, mesmo se assumirmos que criam mais pessoas infelizes do que felizes, porque tal é uma condição necessária para a existência de grandes prazeres. No entanto não faz sentido viver apenas para experimentar sensações agradáveis e sentimentos; mais ainda, quanto mais intensas forem as sensações de prazer, mais felizes nos tornamos. É portanto desejável experimentar as paixões , mas reitero que isto não é igual para todos.
Emilie du Chatelet teve uma vida tumultuosa com paixões intensas por homens, por joalharia e pelo jogo, para além de uma inabalável atração pelo conhecimento científico.

MUSEUS: uma pequena diferença de tamanho e de ambição


Esta manhã, depois de  vários anos sem ali nos deslocarmos, regressámos ao Museu de Etnologia no Alto do Restelo.
Em tempos idos víramos ali exposições curiosas sobre instrumentos musicais ou artefactos rurais. E tínhamos agora o estímulo de algumas notícias encomiásticas a respeito de uma nova opção museológica para a amostragem da sua coleção permanente.
A deceção foi inevitável: não é que as diversas peças em exposição não estejam adequadamente dispostas ou com falta de explicações sobre o seu significado, mas basta uma hora para ver detalhadamente a pequena área disponibilizada ao público. Incompreensivelmente as coleções sobre a Amazónia ou os artefactos rurais só são acessíveis mediante uma ou duas visitas guiadas por dia.
Foi inevitável a comparação com o mais recente dos museus de etnologia mundiais descobertos pela nossa curiosidade.
No caso do Troppen de Amesterdão a surpresa foi totalmente contrária: situado ao lado do hotel aonde nos alojáramos em Amesterdão para quinze dias de férias, correspondera a uma enésima escolha depois das visitas obrigatórias aos museus mais conhecidos da cidade (o Rembrandt, o Van Gogh, o da Marinha).
Deixáramo-lo para a manhã do último dia, antes de partirmos ao começo da tarde para o embarque aéreo em Schipol. E o que então encontrámos foi um enorme edifício com objetos e filmes referentes a todas as áreas geográficas por onde os holandeses passaram desde as ilhas indonésias até à costa do nordeste brasileiro, sem esquecer outras vertentes estimulantes da etnologia como o são a evolução da música ao longo dos séculos ou as diversas manifestações da religiosidade dos povos.  Até o restaurante apresentava um cardápio com gastronomia de várias latitudes e longitudes geográficas por preços assaz interessantes.
Tivéssemos um dia inteiro para ali estar e seria escasso para dedicar a mesma atenção hoje atribuída a cada uma das peças e filmes do museu de Belém.
E, no entanto, o império colonial português foi mais vasto e duradouro do que o holandês, pelo que tivesse havido o mesmo cuidado de conservação de objetos dignos de figurarem numa exposição etnológica e não deixariam de configurar uma coleção digna de elogio.
Assim fica esta sensação de ficarmos devedores a uns quantos colecionadores, que ofereceram as peças em causa ao Museu - Francisco Capelo, Ernesto de Sousa - para ainda restar algo digno de ser visto porque o Estado, com os seus sucessivos titulares da Cultura, sempre terá menosprezado o investimento e a atenção para uma área tão potencialmente interessante do ponto de vista turístico como o são os museus.
A lógica miserabilista herdada do salazarismo ainda continua a fazer escola nas instituições culturais do país.

POLÍTICA: opções orçamentais nos Estados Unidos


O Daily Show de Jon Stewart vale a pena ser visto enquanto forma de conhecermos o que se passa na política norte-americana por via do humor sarcástico do apresentador. Ora, numa das emissões desta semana, ficávamos mais uma vez esclarecidos sobre o nunca por demais surpreendente trogloditismo dos republicanos, que são a melhor demonstração de como a cegueira ideológica atinge patamares de estupidez sempre mais elevados.
Vimos, assim, que parlamentares do partido de Bush, Romney e de McCain  consideram desnecessário o investimento no ensino pré-primário nas escolas públicas, porque não existe dinheiro para tal luxo. E, no entanto, apesar de já hoje o orçamento militar dos Estados Unidos exceder o somatório do dos doze países seguintes na graduação dos maiores despesistas nesse campo (Rússia e China incluídas), mostram inquietação perante o alegado enfraquecimento da segurança nacional. E querem o respetivo reforço federal...
Sabemos o poder de lobbying da indústria militar em Washington, e até a importância dos empregos por ela criados em muitos Estados da União, mas é preciso, de facto, uma total falta de escrúpulos para preterir o investimento na educação em proveito da área militar…