segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

POLÍTICA: Quer-se maior mundo que o da nossa Língua?


Constitui uma das características típicas dos períodos de crise: quando os governos se sentem acossados por crescente contestação acedem a tomar medidas populistas, que sabem ter algum eco nas populações mais manipuláveis para as fazerem crer  quanto à sua capacidade em mudarem algo na sua reprovada dinâmica. Tal tipo de comportamento significa mudar o acessório para manter imutável o principal.
Sabendo isso o grupo, que se tem mobilizado contra o Acordo Ortográfico em vigor acelerou a sua atividade, ciente de poder cavalgar oportunisticamente uma conjuntura difícil de se repetir com um ulterior Governo.
Não me surpreenderia, assim, que o relvas apareça muito em breve a buscar redenção na bombástica decisão pela qual se suspenderá sine diae  o cumprimento dos calendários aprovados na legislação da República.
Os que reprovam o Acordo Ortográfico verão, assim, satisfeita uma estratégia de manifesta desonestidade intelectual e para a qual vêm utilizando os métodos do fundamentalismo salafita mais radical. Chegando a utilizar exemplos manifestamente falsos quanto à absurdidade de algumas supostas opções previstas no acordo (espetador em vez de espectador, Egito em vez de Egipto, etc)
O que os opositores ao Acordo pretendem é uma falácia: a manutenção da língua tal qual ela se escreve hoje, como se ela não reproduzisse um processo dinâmico, que o tempo vai burilando. Se os conservadores do português dos dias de hoje tivessem prevalecido desde há setecentos anos, ainda estaríamos na grafia e na sintaxe dos tempos de Fernão Lopes o que se revelaria, isso sim, um manifesto absurdo.
Existe também o argumento nacionalista: nós que criámos a língua, vê-la-íamos mudar em função da preponderância do que os brasileiros ou os países africanos de expressão portuguesa proporiam. O carácter reacionário deste argumento deveria fazer corar de vergonha quem os emite, já que a interligação entre povos pressupõe isso mesmo e se, por exemplo, as telenovelas brasileiras vieram trazer para o português falado um conjunto de expressões novas, cada vez mais massificadas, tal facto só pode ser tido como um enriquecimento a uma língua disposta a manter um potencial de adaptação à modernidade, que se deverá prezar.
Os argumentos da pureza da língua, invocada por alguns, nada mais são do que um sintoma dessa mesma sharia intelectual, que se pretende impor a quem vê a mudança sem temor.
O que os opositores ao Acordo Ortográfico fazem é, no fundo, retirar legitimidade ao nosso maior poeta, quando ele  escrevia  que todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.
Quer-se maior mundo que o da nossa Língua?

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