domingo, 9 de setembro de 2012

LIVRO: «No Bosque do Espelho» de Alberto Manguel (1)


Ainda recordo o sentimento de excitação, que se apossou de mim, quando visitei a feira do livro pela primeira vez! Naquela quase centena de pavilhões acumulavam-se tesouros sob a forma de palavras escritas, que desejaria a todas atender. Mesmo que, como era ainda o caso, sobrassem muitas a que a censura fascista impedia de sequer se aproximarem dos seus leitores de então.
Tenho, pois, uma enorme paixão pelo livro, não tanto enquanto objeto em si, mas enquanto portador de histórias, ideias  e conhecimentos acessíveis à intenção de me aproximar tanto quanto possível  do conceito de homem universal a quem tudo quanto é humano interessa.
O livro de Alberto Manguel é, precisamente, sobre esse tipo de paixão. Para o escritor canadiano de origens argentinas, ela iniciou-se com a descoberta do universo mágico de Alice no país das maravilhas ou atrás do espelho. Uma leitura, que se foi repetindo amiúde ao longo dos anos, e que nunca se revelou igual. Tal como a água de um rio nunca passa duas vezes por debaixo da mesma ponte, também as páginas de um livro - mesmo parecendo rigorosamente as mesmas! - nunca serão sentidas da mesma maneira pelo seu leitor que, mudando, passa a ver  tudo de forma diferenciada. Mas existe uma ética, que justifica a importância da leitura: Creio  que há uma ética  de leitura, uma responsabilidade no modo como lemos, um compromisso que é tão político quanto privado no ato de virar as páginas e de seguir as linhas. E creio que por vezes, para além das intenções do autor e para além das esperanças do leitor, um livro pode tornar-nos melhores e mais sensatos. (pág. 16)
Atravessando as histórias contadas pelos livros com a ignorância de quem tudo quer aprender, o leitor depressa vê nomeado em palavras aquilo de que nem sequer suspeitava a existência: O mundo da experiência (como o bosque da Alice) não tem nome e nós vagueamos por ele num estado de maravilhamento, com a cabeça cheia dos murmúrios  da aprendizagem e da intuição. Os livros que lemos ajudam-nos a nomear uma pedra ou uma árvore, um momento de alegria ou de desespero, o suspiro de um ente querido ou o assobio de um pássaro, projetando uma luz sobre um objeto, um sentimento, um reconhecimento, e dizendo-nos que este aqui é o nosso coração depois de um sacrifício demasiado longo. (pág. 25)
Mas, tendo ainda bem presentes as listas sugeridas por alguns enquanto livros mais importantes de sempre, Manguel aposta na escolha anárquica do que deveremos e quereremos ler: Os melhores guias, creio, são os caprichos do leitor - confiança no prazer e fé no acaso - que por vezes nos levam a um estado de graça transitório, deixando-nos com ouro ao fiar linho. (pág. 26)
Além de companheiro, amigo e professor o livro pode também constituir um porto de abrigo contra todas as agressões exteriores. É com essa conclusão, que se concluem as primeiras quinze páginas do ensaio: No meio da incerteza e de muitos tipos de medo, ameaçados pela perda, pela mudança e pelo jorro de dor interior e exterior ao qual não consegue dar conforto, os leitores sabem que pelo menos há, aqui e ali, uma meia-dúzia de esconderijos, tão reais como o papel e tão estimulantes como a tinta, que nos oferecem um teto  e nos embarcam na nossa travessia pelo bosque escuro e sem nome. (pág. 29)

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