terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Tankers en plein ciel 2/5 727 Transafrik / Air Gemini


Documentário:

TANQUES NO CÉU

de Bertrand Schmit (2003)

O filme já tem uns anos e perdeu alguma da sua actualidade, mas, para além de relatar as fases mais relevantes da história angolana nos últimos quarenta anos, mostra como surgiram companhias aéreas com aparelhos obsoletos, destinados a prover de alimentos e combustível as minas espelhadas pelo território.

Embora perigosa, essa actividade foi intensa durante a guerra civil por existirem muitas cidades e minas cercadas pelos inimigos da Unita e a via aérea constituir a única possível para tal logística. O comandante João Amaral, que protagoniza o documentário terá perdido, então, o seu idealismo militante pró-MPLA para trabalhar exclusivamente para o seu interesse...

A morte de Savimbi pôs fim a esse negócio extremamente rentável, logo reciclado em transporte de passageiros. Mas o documentário tem o interesse de ver quão precária é a segurança aérea em Angola com pistas cheias de buracos e aviões, que deveriam estar demolidos há muitos anos...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Uma estratégia intencional

Normalmente não costumo dar grande importância ao que diz o filósofo José Gil. Embora muito incensado por uma panóplia de admiradores, que chega a colocá-lo no mesmo patamar de um Eduardo Lourenço, raramente ele diz ou escreve algo de perdurável pela sua pertinência quanto à leitura da realidade.
Mas, porque não há regra sem excepção, até se pode aceitar como adequado o seu diagnóstico na revista «Visão» sobre o estado da Nação: Nunca, como agora, tão numerosas e grandes incertezas minaram a vida dos portugueses. Não controlamos o presente e o futuro - o nosso e o dos nossos filhos, a quem não sabemos se poderemos assegurar mais tarde a educação, uma carreira, um emprego. A cada momento pode surgir na vida de cada um o imprevisto com o rosto do desastre. A incerteza que invadiu todos os aspectos da vida dos portugueses tem este carácter surdo, que se não anuncia mas que se sabe que pode acontecer, imprevisível mas sempre possível.
O desemprego e a perda da qualidade de vida de quase todos nós tem assumido tal dimensão, que até Cavaco Silva veio demonstrar como o impensável se torna possível, com o caso concreto do queixume quanto às suas “exíguas” remunerações.
Querem-nos, porém, enganar com as mais falaciosas explicações - ora fomos uns gastadores viciados em consumo, ora fomos vitimas de um governo incapaz, ora devemos ajudar os accionistas da Banca a recuperarem os créditos perdidos em negócios ruinosos - que visam convencer-nos da inevitabilidade dos esforços, que nos são impostos por tenebrosas troikas.
Mas, na mesma revista, Áurea Sampaio, que tanto se distinguira em condenar as políticas de José Sócrates, já não encontra ponta por onde se pegue na governação de Passos Coelho identificando-lhe até uma intencionalidade orientada para ínvios objectivos: Eis o roteiro de uma governação cuja imagem de marca é, também, o discurso mais depressivo de que há memória. E o normal era que o não fosse, apesar da crise e das dificuldades. Esse discurso, que não é normal nem natural, não deve ser confundido com um discurso de verdade, porque obedece a uma estratégia.
Por agora ela parece surtir efeito: perante tantas vilanias, que lhes vêm fazendo, os portugueses acomodam-se num conformismo de quem já nada crê de diferente em relação ao que lhe vendem em mensagens milhentas vezes repetidas pelos corifeus da maioria. Daí que o Governo ainda mantenha sondagens favoráveis, que espantam os mais lúcidos por irem a contracorrente do que seria lícito imaginar. Fosse Sócrates a legislar uma pequena parcela do que este Governo tem publicado em desfavor de quem trabalha ou está reformado, e já teríamos uma insurreição imparável nas ruas.
Para Pedro Camacho existe, ainda, o benefício da dúvida quanto á possibilidade de o Governo não compreender tudo quanto está em jogo. E até reitera o que muitos já começam a constatar: não é só a esquerda a propor uma outra política baseada no crescimento e na criação de emprego, como forma de sair deste atoleiro. Nesta altura até a fundamentação da agência de rating, que mais recentemente atirou para a categoria de «lixo» a dívida portuguesa se confunde com o texto de um Daniel Oliveira:
O Governo não está apenas a esticar a  corda, parece apostado em parti-la. Ou então, ainda não percebeu o que está a acontecer. Ao contrário da Standard & Poors, que não só percebeu como já tirou também as devidas ilações. Aquelas de que Gaspar, não aceitando a substância, percebe muito bem a forma: o risco de desemprego generalizado e de conflito social, resultando de uma austeridade sem perspectivas de crescimento, colocam Portugal numa zona de alto risco, levando a nossa dívida pública para o nível do «lixo», do «investimento especulativo».
Foi Carvalho da Silva, em vias de se despedir da liderança da CGTP, quem indignou o Ministro da Solidariedade Social, quando o incitou a comparar a sua actuação com a dos colaboracionistas franceses entre 1940 e 1945. Ter-lhe-á dito: Páre um bocadinho e vá ler os discursos dos governantes do Governo de Vichy, do período de ocupação nazi. Noutro tempo, teríamos aqui uma ocupação militar.
Mas é o mesmo dirigente sindical quem reconhece a incapacidade da esquerda em encontrar um discurso público eficaz na apreensão pela grande maioria dos descontentes, lamentavelmente atraídos pelo populismo mais à direita:
A direita e a extrema-direita estão sempre em vantagem, porque não têm de esclarecer. Usam a manipulação para vender populismo. A esquerda não pode fazê-lo. Não há soluções à esquerda na base de slogans ou soundbytes. As soluções passam por imensa discussão, confronto e diálogo. As pessoas têm de ser ganhas para ouvir. Pensar dá trabalho…
Isso mesmo se constata na Hungria, aonde são os defensores de políticas fascistas quem mais estão a ganhar com as pressões democratizadoras da União Europeia contra as políticas autoritárias do presidente Orban, como o constata o sociólogo Antal Orkeny: A crise está a atingir em cheio a classe média e a deixar os pobres sem protecção social. A extrema-direita ganha cada vez mais apoios entre estas pessoas (, Visão)
E até em França Marine Le Pen ameaça imitar o progenitor na passagem à segunda volta das próximas presidenciais restando saber se levará consigo Sarkozy ou Hollande. Por agora a militância dos seus apoiantes vai-se fazendo à porta do Teatro do Rond Point aonde uma peça é vista como blasfemadora, e como tal passível de censura. Que no país da revolução emancipadora, que deu corpo à importância da liberdade de expressão do pensamento, estas manifestações são reveladoras de um aproveitamento inquietante das incertezas do presente por quem mais por elas deveria ser arrasado.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Prêt à jeter - 2011/02/15 - Arte


Dia 24/1 na arte às 19.35

PRÊT À JETER

de Cosima Dannoritzer (2010)

Nos países ocidentais, confrontamo-nos com os produtos de baixa qualidade cuja substituição se torna frequente. Pelo contrário no Gana cresce a exasperação com os resíduos informáticos desembarcados em contentores.

Este aberrante modelo de crescimento, que incita a produzir sempre mais e a deitar fora não data de agora: na década de vinte do século transacto, foi criado um conceito temível, o da obsolescência programada.

«Um produto que não se gaste é uma tragédia para os negócios», lia-se em 1928 numa revista especializada.

Pouco a pouco, os engenheiros foram coagidos a criar produtos de desgaste rápido para aumentar os níveis de consumo.

«Nessa época, o desenvolvimento sustentável não figurava como prioridade.» recorda Warner Phillips, bisneto dos fundadores da marca com o mesmo nome. Mas, numa altura em que se vão esgotando os recursos do planeta, ainda nada mudou. «A lógica continua a ser a de crescer por crescer!», anota Serge Latouche, professor de economia em Paris.

Rodado em França, na Alemanha, em Espanha, no Gana e nos EUA e contando com riquíssimas imagens de arquivo e entrevistas e tendo por fio condutor o teste de uma impressora, esta demonstração minuciosa busca diversos exemplos de obsolescência programada e as suas repercussões.

Em causa, igualmente, outros modelos económicos: do decrescimento defendido por Latouche até à reciclagem intensiva a nível industrial. temos, assim, uma investigação interessante, justificativa de aprofundada reflexão.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

UMA OPORTUNIDADE DE OURO PARA OS RICOS

O texto «Não tenha vergonha de querer a Lua» da autoria de Serge Halimi e publicado no Monde Diplomatique há já alguns meses, continua com pertinente actualidade e por isso vale a pena aqui recordá-lo.
Nele, Halimi escreve que as políticas adoptadas estão muito longe: são absolutamente racionais. E, no essencial, atingem o seu objectivo. Só que não se trata de pôr um fim à crise económica e financeira, mas de recolher os seus frutos, incrivelmente sumarentos.
Uma crise que permite suprimir centenas de milhares de postos de trabalho de funcionários públicos (…), cortar os seus salários e a duração das suas férias pagas, vender sectores inteiros da economia em proveito de interesses privados, pôr em causa o direito do trabalho, aumentar os impostos indirectos (…), aumentar as tarifas dos serviços públcios, reduzir as comparticipações das despesas de saúde, cumprir enfim o sonho de uma sociedade de mercado - uma tal crise constitui a providência dos liberais.
Em tempos normais, a mais ínfima destas medidas tê-los-ia obrigado a um combate incerto e feroz; aqui, tudo vem de uma vez só. Porque haveriam então de querer sair de um túnel que parece ser para eles uma auto-estrada para a terra prometida?
E, mais adiante, explica: Aparentemente a crise da dívida soberana decorre de mecanismos “complexos” cuja compreensão exige um domínio total das inovações permanentes da engenharia financeira: produtos derivados, prémios de incumprimento (os famosos CDS ou credit default swaps), etc.
Esta sofisticação dificulta a análise ou, melhor ainda, reserva-a ao pequeno cenáculo dos «compreendem», que são geralmente os que dela se aproveitam.
Eles ganham dinheiro com conhecimento de causa, enquanto que os «analfabetos» económicos pagam, imaginando talvez que se trata de um tributo devido ao destino.
Ou de uma modernidade que os ultrapassa, o que vai dar ao mesmo. Tentemos portanto concentrar-nos sobretudo na simplicidade, isto é, na política.

TRISTES FIGURAS

Não se esquecerá durante muito tempo a lamentável figura de João Proença a assinar o acordo com o Governo e com os patrões em sede de Concertação Social.
Se provas fossem necessárias para esclarecer qual o papel auto-imposto pela UGT relativamente à luta de classes em acelerada intensificação á sua volta, ficávamos de vez esclarecidos. A central conforma-se com o papel de voz do dono, que a História tem registado como matriz do seu comportamento político e social.
È a UGT nesta aceitação de ferramenta funcional da redução dos direitos e garantias dos trabalhadores  e do fortalecimento da posição dos patrões, que dá azo ao protagonismo da CGTP nas grandes acções reivindicativas, que se seguirão.
Porque não se iluda Passos Coelho: haverá um tempo em que esta abulia, que parece ter-se apossado do colectivo da Nação por obra e graça de uma imprensa alinhada com a sua propaganda, irá terminar e as ruas encher-se-ão com quem se sente farto de perder o direito a qualquer sonho numa vida melhor.
Bem podem as sondagens continuar a agraciar o Governo com bons resultados, que a paciência irá esgotar-se e a luta social ganhará novo fôlego. Em Junho eu estimara em um ano, o estado de graça e a estigmatização do período socrático, mas veremos decerto esse prazo abreviar-se a muito curto prazo com os efeitos deste acordo, com o agravamento das condições de vida suscitado pela austeridade imposta aos mais desfavorecidos e com as escandalosas nomeações para o tal pote a que Passos e os seus cúmplices tanto pretendiam chegar...
Ora quem poderia já estar a acelerar a degenerescência da base de apoio do PSD e do CDS deveria ser o Partido Socialista, que continua sem encontrar o tom certo para um discurso mobilizador dos seus actuais e futuros apoiantes. Infelizmente António José Seguro vai demonstrando as razões, porque não lhe confiei o voto nas eleições internas para o mais recente Congresso.
A sua tibieza perante a catadupa de acontecimentos, que vão aumentando a potencial indignação da causticada classe média, seu potencial suporte político, tem-no distanciado da relevância que deveria ser a sua nestas circunstâncias. Embora tenha sido tão criticado, este é o tempo para a veemência de Pedro Nuno Santos em Castelo de Paiva reivindicando o direito de discordância com tudo quanto prescreve a troika ou a dupla Merkozy.
Por agora esse protesto continua limitado aos partidos à sua esquerda e aos sindicatos, facilitando a mistificação de uma suposta grande maioria em torno da cedência total aos ditames da lógica neoliberal de quem nos credita dinheiro a custos incomportáveis.
Mas não se pode permitir que Passos Coelho ou Portas continuem a vender a ideia de estarem acolitados por 80% dos portugueses. Eles sabem que não o estão, mas é preciso comprovar com evidências indesmentíveis. Por isso importaria que Seguro acompanhasse os deputados, que já pediram a análise à constitucionalidade das medidas mais gravosas do Orçamento de Estado, em vez de os desaprovar com outra lamentável figura, a de Carlos Zorrinho.
A luta justifica-se, pois, dentro do próprio Partido Socialista, com o imperativo de, a partir das bases, se exigir uma outra resposta às bárbaras políticas do Governo. Recuperando a lógica de os portugueses não serem números, que possam distribuir-se entre os que são convidados a emigrarem, a trabalharem por salários de miséria ou, simplesmente, a suicidarem-se por já não terem qualquer solução para garantirem a sua sobrevivência.
Às tristes figuras de alguns dos seus militantes, deverá o Partido Socialista arvorar os seus mais insatisfeitos dirigentes e catapultá-los para a afirmação de uma outra forma de encarar o futuro do país.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Red by John Logan


Estas imagens dizem respeito à encenação da peça na cidade norte-americana de Albuquerque, há um par de meses. «Vermelho» está em cena no Teatro Aberto até daqui a duas semanas e vale a pena ser vista por quem gosta do exercício criativo e da obra de Rothko.
Os cenários não diferem muito de uma para outra encenação, só os actores são óbviamente diferentes...

sábado, 14 de janeiro de 2012

Um problema de dinheiro?

Um suplemento do «Jornal de Negócios» aborda a crise actual sob a óptica (da falta) do dinheiro, que ganhou estatuto de razão primordial de todas as inquietações. É que, di-lo Pedro S. Guerreiro, vivemos no paradoxo de haver dinheiro a menos nas carteiras e dinheiro a mais nas conversas.
A frase é espirituosa, mas Ricardo Araújo Pereira consegue ser ainda mais eficaz na ironia quando diz que os portugueses vivem hoje num país nórdico: pagamos impostos como no norte da Europa e temos a qualidade de vida do norte de África.
É evidente, que há quem tente lançar areia para os olhos , quando nos pretende convencer de culpas que não temos. Um dos principais responsáveis pelo Grupo Espírito Santo, José Maria Ricciardi, repete a ideia mil vezes repetida em como existe uma crise de valores na sociedade ocidental e uma pressão brutal para se ter tudo imediatamente, recorrendo ao crédito.
Como se não tivessem sido os próprios Bancos a criarem a pulsão consumista, agora tão criticada, ao bombardearem os clientes com cartões e facilidades de crédito, que pareciam inesgotáveis.
Não se pode afiançar que, por trás dessa universalização do acesso ao crédito existisse uma estratégia conspirativa agora chegada ao seu objectivo último, mas dá para equacionar se a actriz Monica Calle não terá efectiva razão, quando afirma que a crise está a permitir que se tomem uma série de medidas políticas pensadas há bastantes anos.
Planeada há muito tempo, ou surgida oportunistamente a cavalgar esta conjuntura, a verdade é que a sua tradução prática actual não deixa qualquer dúvida as escritor Baptista Bastos: o empreendimento político do Executivo de Passos Coelho tem como objectivo a demolição do Estado e do paradigma sob que temos vivido. Nunca é de mais repeti-lo. Este grupo tem como finalidade o exercício do poder pelo poder, e a circunstância, nada fortuita, de ser servil a uma troika de burocratas  está de acordo com a ideologia de que é afim.
O problema é que, privados de um mínimo de qualidade de vida, os portugueses vêem posta em causa toda a expectativa emancipadora suscitada pelo 25 de Abril. E é até um comentador de direita, Pedro Marques Lopes, quem reconhece que sem dinheiro, não temos liberdade, é a dura realidade dos factos.  
Resta a crença de que, parafraseando o escritor latino Horácio, a adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas. O que significa a possibilidade de um despertar colectivo para a urgência de uma outra forma de organização social, mais justa e capaz de garantir o direito de felicidade para a maioria.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A maior das cegueiras

Iniciou-se o ano de todos os perigos em que todos os cataclismos parecem ameaçar a nossa sobrevivência individual e colectiva, seja sob a forma do fim do euro e da  União Europeia ou, lá para o final, com o tal apocalipse anunciado pelo suposto calendário maia.
A verdade é que este estado das coisas já está muito complicado para tanta gente à nossa volta: sobram os que não têm emprego, os que recebem pensões de miséria, os que trabalham cada vez mais por cada vez menos dinheiro. Ou seja, sobram muitos motivos de desagrado perante este presente que Nuno Ramos de Almeida, no «i», diz resultar de  um regime que privatiza os lucros e socializa os prejuízos. Sem olhar a qualquer escrúpulo, como se verifica na acelerada partidarização de empresas e administração pública.
Tivesse Sócrates feito as nomeações assumidas por Passos Coelho para a Caixa Geral de Depósitos, para a EDP ou, agora, para a Águas de Portugal e já meio mundo estaria aí a berrar na praça pública.
Nesta altura poucos se parecem inquietar com a completa falta de valores éticos destes governantes e deputados para quem um comunista da Coreia do Norte é mau.(…)  Um comunista português não é bom nem mau, é irrelevante (…) Um comunista chinês, já é outra coisa. Principalmente se tiver 27 milhões de euros no bolso, então não é mau, é excelente. (Leonel Moura, Jornal de Negócios).
É claro que contrariar a lógica deste regime tem custos. Oh, se tem!
Paulo Varela Gomes, filho de um dos que tentaram derrubar o regime salazarista em 1961, recorda no «Público», que nada se consegue sem danos colaterais. Aprendemos também que a maioria das pessoas  não suporta esta ideia e quer somente paz e sossego. É a vida, mas felizmente haverá sempre aqueles que são maiores que a vida. Se os não houvera, a iniquidade venceria necessariamente.
Faltam, pois, esses que Brecht designou como os imprescindíveis, por não deixarem de lutar todos os dias. Aqueles que vêem na participação na política, nos partidos, nos sindicatos e noutras associações apostadas em transformar positivamente a sociedade, uma forma de vida. O veredicto que, no «Sol», Inês Pedrosa dá da presente arte de ser português: o mais grave défice de Portugal é o da participação cívica. O activismo social e político escoa-se em queixas de café.
Na maioria dos que nos cruzam na rua, nos transportes, no emprego, impera ainda a cegueira perante a realidade. Comprometeram-se tanto em derrubar o anterior primeiro-ministro em quem empolavam os defeitos, sem atender às suas muitas virtudes, que agora fingem que não vêem, como se fossem aqueles miúdos traquinas, que sabem ter feito uma grande bostada e não querem sequer olhar-lhe para as consequências.
No país em que Saramago imaginou o seu «Ensaio Sobre a Cegueira», ainda vivemos os tempos da maior delas de acordo com as palavras do Padre António Vieira:
A cegueira que cega cerrando os olhos, não é  a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas.


domingo, 8 de janeiro de 2012

Por quanto tempo ainda nos vamos entediar?

Passa-se pouca coisa no país, quando estão em discussão a fuga aos impostos da família Soares Santos ou as ligações maçónicas entre gente das secretas e a actual cúpula do PSD.
O que é verdadeiramente importante - o record atingido na taxa de desemprego da população activa ou a previsão de um número crescente de suicídios e de acidentes de trabalho num documento da Direcção Geral de Saúde - passa em notas de rodapé nas televisões e é abordado nas páginas interiores dos jornais.
O escândalo da gritante desigualdade de direitos entre a maioria dos cidadãos em relação aos mais abonados - que já quase tudo têm e ainda se apressam a mais querer - deveria criar um clima pré-insurrecional em que estivesse em causa o actual estado institucional. E, no entanto, os humilhados e ofendidos deste país e da generalidade deste Ocidente comprimido pelo garrote capitalista, estão claroformizados no seu medo, incapazes de reagir de encontro aos actuais Palácios de Inverno.
Bem sei que no inicio de Maio de 1968 a França entediava-se no dizer de um jornalista algo distraído das pressões em crescendo aí detectáveis. Mas as sobrepressões estão bem à vista e  só espanta como ainda não se começaram a traduzir em reacções bem mais incisivas, capazes de amedrontar quem ainda se julga com todos os trunfos na manga…
Falta muito para que debaixo das pedras das calçadas se descubra a praia?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Nos jornais de hoje saliento dois artigos merecedores de alguma atenção.
No «Público» a norte-americana Naomi Wolf evoca os movimentos de contestação, que vão ocupando ruas e praças de diversas latitudes, como contraponto ao poder mostrado pelo capital especulativo para semear o caos no seio da autoridade de governos democraticamente eleitos.
Embora obedeça a uma lógica própria de quem se isenta de qualquer escrúpulo, torna-se paradoxal a cada vez maior sintonia de interesses entre os lideres do poder capitalista com sociedades fechadas como a da China, conhecidas pelas limitações ao exercício da actividade de sindicatos, de entidades defensoras dos direitos humanos ou da liberdade de imprensa. Basta constatar o clima de enamoramento de muitos dos nossos colunistas conotados politicamente à direita com os novos donos da EDP para constatar como o suposto papão comunista foi atirado para o caixote do lixo da História em nome dos superiores interesses da ordem capitalista neoliberal.
Mas esta conjugação de interesses tem ainda outra vertente não menos inquietante: de Londres a Telavive, passando por Washington, as supostas democracias avançadas vão emitindo legislação repressiva destinada a combater a dissidência. Quem ouviu o recente discurso de um dos principais responsáveis pela PSP e a forma como surgiram provocadores infiltrados na manifestação dos indignados em frente à Assembleia da República, percebeu o tipo de estratégia que se está a desenvolver por parte de uma direita apostada em não deixar descurar a oportunidade histórica facultada pela presente crise para se tentar perpetuar no poder e assim defender com maior eficácia os interesses de quem representa. Aqueles que, por exemplo, transferem para a Holanda os seus capitais de forma a eximirem-se ao pagamento dos impostos que lhes deveriam caber...
Mas Naomi Wolf considera que a aparente força de quem agora parece comandar os destinos das nações, pode esconder uma tremenda fragilidade, que não resistirá à utilização exaustiva dos meios de comunicação não oficiais, através dos quais se consigam concentrações populares mais dinâmicas e coordenadas.
O recurso à Internet  permitirá contrariar os interesses do capital global e com os governos que se habituaram a actuar sem a supervisão dos cidadãos. E trata-se de um conflito com obrigatório desenvolvimento no corrente ano!
Pensando, igualmente, a situação presente à luz dos mesmos reflexos mediáticos, Mário Soares intitula o seu texto do «Diário de Notícias» de «O Tempo e a Memória», chamando a atenção para um ensaio do holandês Rob Riemen, intitulado "O Eterno Regresso do Fascismo".
Nesse livro ele considera que, sessenta e seis anos após o fim da II Grande Mundial, o fascismo constitui uma calamidade que pode voltar a contaminar a Europa, por via de eleições democráticas.
Tal como na época de ascensão dos totalitarismos, «estamos, na realidade, de novo, a viver uma crise, para além de financeira e económica, de civilização. Sem ideais que nos inspirem» (…) cria-se «nas camadas populares um sentimento de mal-estar, de frustração e de ressentimento, em que os valores democráticos da cidadania se perdem e os líderes políticos, cada vez mais desacreditados, procuram dirigir-nos, apostando no neoliberalismo e, consequentemente, no nacionalismo e no populismo».
O que se está a verificar actualmente na direita europeia nada tem a ver com os valores outrora professados pelo ideário democrata-cristão, que era o seu. Os dirigentes dessa maioritária área política estão completamente enfeudados à cupidez dos mercados especulativos e à sobre-exploração de quem trabalha.
E, tal como no artigo de Naomi Wolf, Mário Soares também está longe de se resignar à ideia de que «as coisas continuarão a ser como são». Pelo contrário, «por mais graves que sejam os tempos que se avizinham não devemos perder a esperança. Foi sempre alimentando a esperança num mundo melhor que as sociedades - e as pessoas - foram capazes de progredir. Lutando pelos grandes ideais, da paz, da liberdade, da solidariedade, da justiça social e dos Direitos Humanos. É por isso que em momentos de crise não podemos - nem devemos - prescindir das conquistas sociais.»

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

PELA EUROPA SOCIAL

Actualmente 97% dos povos da União Europeia são governados por governos de direita ou por tecnocratas designados para cumprirem a estratégia anti–Estado Social imposta por Merkel e Sarkozy.
Segundo Daniel Oliveira no Expresso Online este domínio avassalador da direita significa (…) usar a União para a construção de um falso consenso que trave qualquer solução de tipo keynesiano para sair desta crise. O que se traduz em  privatizar serviços públicos, transferir recursos públicos para o sector financeiro, desregular leis laborais, manter o desemprego alto como forma de pressão sobre os custos do trabalho e limitar ao mínimo o poder dos sindicatos e até do voto popular. Em suma um processo violento de engenharia social que demorará décadas a reverter.
A tentação é grande em esperar  pelos resultados desta política desastrosa, que se virão a traduzir em maiorias descontentes e preparadas para aceitar estratégias completamente opostas às seguidas até aqui: O que está em causa é um contrato social que deu à Europa meio século de desenvolvimento e paz. E é por ele e contra ele que todas as alianças políticas se devem fazer. Na Europa e em Portugal. Se a esquerda (e até alguma direita moderada) não o compreender a derrota será estrondosa. E serão precisas muitas décadas (e algumas tragédias) para se voltarem a repetir as circunstâncias que, nos anos 50, permitiram a construção do Estado Social em grande parte da Europa. É por esta aliança pela Europa Social que muitos cidadãos esperam. E é da sua possibilidade que depende a reconquista da credibilidade da esquerda europeia.