terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Defender Portugal!

Uma das coisas mais irritantes com que nos confrontamos há muito tempo, é com a persistência com que os portugueses gostam de maldizer o seu país.
- Isto só cá! - vociferam uns.
- Se fosse lá fora não era assim! - acrescentam outros.
E o que se constata é que só a ignorância pode levar esses insatisfeitos a porem-se em bicos de pés perante as câmaras televisivas ou a telefonarem para os intragáveis fóruns mediáticos a convencerem-se de que vivem num inferno rodeados de verdadeiros paraísos à volta.
São no fundo os mesmos que aparecem a reclamar médicos para postos de saúde aonde ninguém aparece a queixar-se à noite ou que exigem escola ao virar da esquina da sua casa, fique ela na cidade ou na mais desértica aldeia. E que, de passagem, não deixam de se queixar dos impostos pagos para esse Estado cheio de parasitas.
Às vezes dá para nos questionarmos se muitos portugueses não terão sido submetidos a irremediável lobotomia e repetem incessantemente frases feitas inculcadas nos seus cérebros. Só assim se explica a teimosia em considerar como merecedor de confiança um arrivista de Boliqueime vindo do nada e hoje com apreciável fortuna em casas e acções...
A esses escapa-lhes o quanto de maravilhoso nós, portugueses, somos capazes de produzir. Seja na indústria ou no comércio, na ciência ou nas artes. Para já não falar no desporto, aonde isso é tão óbvia evidência...
Um exemplo? Aqui no blogue acabo de linkar a forma de ficar acessível o belíssimo concerto para cravo e cordas, que Carlos Seixas compôs no apogeu do nosso barroco.
Quem ouvir este allegro inicial dirá porventura estar perante uma notável composição de J.S. Bach ou de algum italiano contemporâneo de Vivaldi. E, no entanto, o compositor de tão fascinante movimento era português. Como o eram Pessoa, Vieira da Silva ou Saramago, ou o são Paula Rego, Emanuel Nunes ou António Damásio.
Tão lestos a admirarmos o que vem de fora, quantas vezes valorizamos o que surgiu da criatividade e do engenho dos melhores de nós?
Precisamos de quem acredite nas forças vivas do país. E que não ande por televisões e jornais a ansiar por sebastiânicos efémis.
Porque, errem tantas vezes quantas as que tentem, mas são os Sócrates deste país quem nunca desistem de dele fazer emergir o que de melhor ele tem. Porque só não erra quem nem sequer chega a tentar. E o que importa é manter a determinação para avançar até às prometidas lonjuras aonde se afirmem as nossas melhores qualidades.

Conc. p/ Cravo: Carlos Seixas / Gare do Oriente: Calatrava

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Os intelectuais e as revoluções no Norte de África

Uma das questões que se está a colocar em França em relação às revoluções tunisina ou egípcia é a de se saber porque é que os intelectuais, habitualmente tão entusiasmados com movimentos desse tipo no Leste Europeu ou na China, manifestam tão pouco interesse pelo que se passa no Norte de África.
É claro que o conceito de intelectual em França mudou muito desde os tempos de Sartre, quando essa condição implicava o envolvimento em todas as causas progressistas então em curso. Hoje os intelectuais enquanto tal reconhecidos - de Lévy a Gluckmann - fizeram o longo trajecto ideológico da esquerda convencional para a extrema-esquerda e dessa, directamente, para a direita mais fundamentalista quanto à bondade dos mercados livres e desregulados.
Por isso o entusiasmo passou a ser neles crescente à medida, que as supostas revoluções (na China, na Birmânia, na Ucrânia ou na Geórgia) se orientavam contra governos ou regimes conotados com o execrado comunismo.
As revoluções em curso nos países árabes não possuem esse ingrediente fundamental para os ver babarem-se em gozo reverencial das suas tardias opções ideológicas. E, mais, perante os riscos do aproveitamento islamista de tais movimentos, eles sempre tinham considerado Ben Ali ou Mubarak males menores.
Demasiado primários nas suas teses esses intelectuais estão a ver sucessivos mitos a tombarem fragorosamente sem se darem conta de como isso os põe em causa: já tinham perdido uma parte das suas confortáveis certezas, quando as ideias de Fujiama sobre o «fim da História» tinham ruído nos fracassos da intervenção no Iraque. Agora é a vez de verem ruir a tese cristalizada de Huntington sobre o «choque das civilizações»: afinal os povos árabes até podem não ser associados aos fanáticos islâmicos, com que têm sido abusivamente conotados...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pensar no que se seguirá a Sócrates...

É verdade que o Governo de José Sócrates parece exausto, limitando-se a uma gestão dos problemas numa lógica de navegação à vista. Nesse sentido nada de novo parece surgir, precisamente quando todas as circunstâncias envolventes parecem mudar: uma Europa mais consciente de se tornar irrelevante ao reflectir exclusivamente as linhas estratégicas de dois políticos tão pouco visionários quanto o são Merckel  ou Sarkozy. Um Norte de África a demonstrar como nem os poderes autocráticos podem resistir ao descontentamento dos seus cidadãos desesperados. Uma transferência para as redes sociais dos modelos de agitação e propaganda, outrora considerados para espalhar as palavras de ordem revolucionárias.
A realidade está em processo de transformação, mas os actores políticos em Portugal continuam a não se mostrarem à altura de tal dinâmica.
Pedro Passos Coelho surgiu com o ar jovem de trazer algo de novo consigo, mas cada vez mais se denota a sua incapacidade para credibilizar um discurso próprio, que corresponda a uma aparente solução para os impasses do país. Resultado: sondagem a sondagem o PSD e ele próprio vão caindo arriscando o sucesso anunciado para as próximas legislativas.
O que leva Miguel Sousa Tavares a reiterar o que tenho escrito neste mesmo blogue: são extremamente exageradas as notícias sobre a morte política de Sócrates. Porque nada tendo de consistente para apresentar como alternativa os seus detractores acabam por tombar, um a um, exaustos, perante a determinação de se perpetuar no poder, que Sócrates tem sido exímio em se afirmar.
E, no entanto, até os seus mais fiéis apoiantes, entre os quais me incluo, são obrigados a reconhecer a importância de começar a preparar o ciclo seguinte. Porque, após tantos anos de sucessivos confrontos com a mais difícil das realidades, até o próprio Sócrates encarará como libertador o momento em que passará o testemunho a um novo secretário-geral do Partido Socialista. Que, desejavelmente, seja o novo primeiro-ministro de Portugal...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O estado das coisas

Uma das questões que as revoluções tunisisna e egípcia colocam é o papel dos jovens na contestação a regimes mais do que caducos. Sobretudo, quando por essa Europa a mesma classe etária vai reagindo com descontentamento crescente à sua condição de precária no emprego mal pago, que vai arranjando, ou na incapacidade para se autonomizar da dependência dos progenitores. E, no entanto, o director do Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro, até constata que estão à frente dos dois principais partidos nacionais políticos oriundos das juventudes partidárias. O que os  tenderia a uma maior consonância com essa juventude de que, afinal, tanto divergem.
Na contestação ao José Sócrates tem-se distinguido ultimamente Manuel Maria Carrilho que numa crónica do DN e perante os acontecimentos do Cairo, não deixa de cobrar o facto de ter sido saneado do cargo de embaixador na UNESCO por se ter escusado a respeitar a ordem de Luís Amado para votar num dos protegidos de Mubarak para um importante cargo na instituição internacional.
Ainda assim, quem aposta na queda de José Sócrates poderá ter de esperar muito mais tempo, mesmo que o PCP se mostre decidido a avançar para a batalha decisiva. Na sondagem da Aximagem, que costuma ser das mais desfavoráveis para o PS, este sobe 2,4% no último mês, enquanto o PSD desce 0,5%.
Sabendo-se como o eleitorado penaliza quem desestabiliza um determinado status o resultado de eventuais eleições antecipadas poderá não conter o sucesso pretendido pelas diversas oposições.
Saindo da política partidária para a que transversaliza esta época não deixam de ser curiosos, embora não propriamente surpreendentes, dois estudos abordados pelos jornais dos últimos dias: um demonstra que a violência doméstica, embora ainda sem sinais de diminuir no número de vítimas mortais, já começa a ser encarado como um crime público, muito distante da lógica do «entre marido e mulher não metas a colher». No outro estudo fica confirmado que os ricos vivem muitos mais anos do que os pobres  - dez segundo esse documento - havendo uma correlação directa entre o nível de escolaridade e a esperança de vida.
E, num tempo em que se discutem as virtudes das escolas públicas e privadas bem como o respectivo financiamento, faz sentido a pergunta de Fernanda Câncio no DN: alguém me explica como é possível que a rede de escolas contratualizadas por um Estado laico inclua estabelecimentos religiosos?
Uma referência final para o que se está a passar nas margens do Nilo: se a liberdade - de expressão, política e religiosa - parece ser o único ponto comum nas reivindicações dos egípcios, estranha-se a forma como esta revolução sem líderes aparentes parece tão bem organizada. Quem se perfilará para suceder ao ditador actual?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quando os comunistas se aliam à direita...

A notícia, ao contrário do que dizem os jornais, até não espanta: Jerónimo de Sousa promete coligar-se com o CDS e com o PSD no derrube ao governo de José Sócrates.
Triste condão este dos comunistas portugueses, que apreciam mais a companhia da direita do que dos socialistas.
É claro que invocarão sempre as aleivosias cometidas pelo governo contra os direitos dos trabalhadores. Mas terão alguma ilusão quanto à bondade com que Passos Coelho e Paulo Portas tratarão esses mesmos trabalhadores quando, e se, forem Governo?
Sobra alguma dúvida, que os poucos direitos ainda conservados pelos trabalhadores portugueses dependem sobretudo de uma Europa aonde importa derrotar os governos de Merkel, de Sarkozy, de Cameron e de Berlusconi, que impõem a exportação das suas políticas apenas orientadas para o benefício de quem os guindou ao poder?
A derrota da direita europeia exige uma esquerda estrategicamente orientada para a conquista de um futuro diferente em que se salvaguardem os direitos essenciais de quem é mais explorado pela visão capitalista dos governos e se avance e recue em função de objectivos para cuja realização o esforço conjunto de todos nisso empenhados ainda é insuficiente.