quarta-feira, 31 de março de 2010

Lutas justas ou injustas?

A memória contra o esquecimento, assim caracteriza Kundera a luta interminável do Homem contra o Poder.
Se considerarmos as gestas heróicas dos milhões, que não se conformaram com o sofrimento das injustiças e procuraram diferentes formas de utopia na sua determinação em dizer não às instituições, poderemos encontrar profundidade na interpretação do escritor checo.
Mas será sempre assim? Generalizar como justas todas as contestações aos poderes pode revelar-se trágico. Como ocorreu no Chile com a contestação criminosa ao governo de Salvador Allende, que resultou na longa ditadura de Pinochet. Ou quando revoluções inicialmente saudadas como libertadoras pelas esquerdas redundaram em formas de fascismo ainda mais revoltantes do que os regimes por elas derrubados. Exemplo maior de tal regra o sucedido com o Irão dos ayatollahs.
Então é o esquecimento a sobrepor-se à memória, porque nenhuma forma de poder assente na iniquidade pode pretender o indulto da História. Se os seus títeres ficam registados nas suas páginas não é de forma engrandecida. Passam a constituir os piores exemplos da espécie humana, aqueles de quem de bom grado os seus contemporâneos bem gostariam ter dispensado...
Mas, a uma dimensão mais específica, constata-se no nosso dia-a-dia a demonstração da falta de justeza de certas lutas. As dos pilotos da TAP, por exemplo, que sabem a empresa exangue, à beira da falência e ameaçam paralisá-la em nome de reivindicações salariais exageradas. Ou os enfermeiros da função pública, que exigem um mínimo de 1200 euros para se estrearem em funções quando acabam os cursos, e aceitam de bom grado ordenados de 900 euros nas entidades privadas.
As lutas contra o poder deixam, então, de ter como premissa a justiça e a evolução social, mas a corresponderem a tácticas de terrorismo político por parte de forças incapazes de revelarem a sua influência no grande teste das eleições.

sábado, 20 de março de 2010

Oposição sem visão para o país

Faltam uns dias para o maior partido da oposição nomear o seu novo presidente, mas o que se ouve dos seus quatro candidatos não abre grandes expectativas quanto à sua capacidade de se constituírem em potenciais soluções para as necessidades de um país assumidamente em crise. Como dizia Ferreira Fernandes numa das suas crónicas no «Diário de Notícias», «o PSD ficou órfão de Sá Carneiro de forma abrupta e trágica. Daí os sociais-democratas andarem sempre à procura de mais do que um chefe».
É de um Sebastião o que o PSD anda sempre a procurar. Como se encontrado o homem, também assim vislumbrasse o caminho para um futuro por ora invisível na névoa em que se encontra mergulhado.
Ora, nem Passos Coelho, nem Rangel, nem Aguiar Branco, nem Castanheira têm uma ideia para o país. Os seus únicos argumentos serão os de pretenderem usufruir das prebendas do poder e oporem-se a um detestado Sócrates, que sobre eles tem uma notória vantagem: pelo menos sabe para onde quer conduzir o país, afastando-o do abismo tão próximo.
Mas a falta de ideias dos candidatos do PSD tem a ver com o impasse a que chegaram os defensores do neoliberalismo. Como lembra Mário Soares «foi o neoliberalismo como ideologia que originou a crise global do capitalismo financeiro-especulativo, dito de casino, com os "paraísos fiscais" e a economia virtual, que facilitou as grandes negociatas sem regras, para não dizer ilegais. Começando nos Estados Unidos, contaminou a União Europeia e, depois, o mundo.»
Agora que a festa acabou e o capitalismo está dividido entre quem defende a continuação do vale tudo e quem a ele pretende estabelecer regras reguladoras, o PSD é o exemplo de um partido de poder incapaz de se situar nesse debate.
Ora o futuro imediato passa por opções políticas, que antecipem as medidas fundamentais para evitar as tempestades inevitáveis se desse debate saírem vencedores os primeiros - os que querem voltar aos vícios mais recentes. Os que nos trouxeram até este actual desastre...

terça-feira, 9 de março de 2010

Caça às Bruxas

«Caça às Bruxas» foi o termo designado por Henrique Granadeiro na audição parlamentar de hoje, quando se dirigia à Comissão de Ética da Assembleia da República  que, nas últimas semanas, se tem arvorado em arma de arremesso contra o primeiro-ministro.
O termo em si recorda a nefanda Comissão do senador McCarthy que, nos anos cinquenta do século transacto, procurou identificar e criminalizar todos os simpatizantes de ideologias esquerdistas numa América a contas com o medo da Guerra Nuclear.
Essa designação poderá ser vista, de facto, como excessiva, mas o que está em causa é uma coligação de forças aparentemente antagónicas, mas unidas por um cimento demasiado forte: o ódio de  estimação a um político fora do comum, que tem visão de futuro e determinação para a ele aceder, em vez de se perder na estéril oratória de muitos dos seus antecessores.
José Sócrates já conseguiu recuperar o país de um défice excessivo herdado de Durão Barroso, Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite e promete agora repetir a façanha com a colaboração preciosa do competente ministro das Finanças, Teixeira dos Santos.
O que mais custa à oposição é a existência de um projecto concreto para o país e para os portugueses, quando, em contraponto, ela nada tem para apresentar de mais sedutor enquanto modelo alternativo.
Tem sido confrangedor constatar como a esquerda parlamentar representada pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda prossegue uma estratégia de terra queimada como se, mais importante do que descobrir caminhos convergentes com os socialistas, valerá apostar numa lógica contestatária, que possibilite o regresso da direita ao poder.
Nesta última o PSD está convertido num saco de gatos engalfinhados em que não se tem por onde escolher: Pedro Passos Coelho é aparentemente novo no aspecto, mas velho caduco no seu liberalismo fundamentalista, posto em xeque pela recente crise financeira internacional.
Aguiar Branco revela uma faceta bipolar: ora com tendências de convergência com o Governo em prol do país, ora ameaçando-o com uma moção de censura.
Quanto a Paulo Rangel tudo nele é mesquinho, desde não se lembrar da sua recente militância no partido da extrema-direita parlamentar até ao oportunismo tosco de se servir do Parlamento Europeu para a guerrilha interna.
Resta o CDS-PP populista, sempre pronto a abraçar as causas mais retrógradas na posição obsessivamente anti (gay, aborto, etc) e com um líder insuportável de ser visto ou ouvido na televisão. Um daqueles casos em que apetece ir logo vomitar à sanita, quando ele entra sem aviso pelas nossas portas adentro via um electrodoméstico que, a exemplo, dos computadores com acesso à net, deveria ter uma função de bloqueio do que de mais intragável somos obrigados a suportar a nível político e ideológico.