domingo, 31 de janeiro de 2010

Cavaco visto por Vasco Pulido Valente

Vasco Pulido Valente merece-me escassa consideração, embora sejam de referência os seus trabalhos de historiador sobre as Revoluções Liberais do século XIX.
Mas, quando de Cavaco, ele diz na sua crónica do «Público», que «não entusiasma ninguém» com o seu estilo «formalista, presunçoso e rígido» e acrescenta: «para seu grande mal, não tem grande talento político», não se pode deixar de estar senão em total acordo.
Até, porque a farpa disparada mais adiante, não é menos certeira: «Cavaco, nos seus melancólicos roteiros, faz declarações de Estado, com ar de quem engoliu uma vassoura e, até quando o acham razoável, as pessoas não se aproximam dele».

Comemorar a República

Iniciaram-se, hoje, as comemorações do centenário da República.
Numa altura em que alguns saudosistas procuram fazer os ventos da História voltar para trás com argumentos falaciosos, mas servidos por um activismo mediaticamente bem sucedido, estas comemorações devem ser encaradas como relevantes para aprofundar os grandes ideais republicanos, os que presumem possibilidades  de se ir mais além nos conceitos de justiça, igualdade e solidariedade.
Até porque, recorda-o, a edição do «Público» de hoje, foi quase por mero acaso, que a vitória de 5 de Outubro de 1910 foi conseguida. Porque Miguel Bombarda, um dos seus responsáveis civis, seria assassinado na antevéspera por um dos seus doentes, e porque o seu chefe militar, o almirante Cândido dos Reis, se suicidara na véspera julgando precocemente derrotada a revolução.
Quando Machado dos Santos, e um punhado de valentes, está entrincheirado na  Rotunda, cercado pelas forças monárquicas, será determinante o equívoco de uma bandeira branca empunhada por um diplomata alemão, que vinha propor tréguas a fim de deixar sair de Lisboa os estrangeiros alvoraçados.
Bastou essa bandeira branca para uma imediata reacção popular de alegria pelo que julgava ser a rendição monárquica virar decisivamente o rumo dos acontecimentos.
Conclui-se, pois, que, a exemplo do 25 de Abril de 1974, foi o povo quem verdadeiramente fez a Revolução, apanhando a boleia de uma intentona militar.
Compreende-se que haja quem não aceite de ânimo leve este tipo de derrotas, que crê poderem vir a ser desforradas. Tanto mais que têm o precedente do salazarismo, que virou de pantanas a herança da Primeira República.
É o aviso deixado por Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, que alertam para o reaparecimento de uma corrente de «historiadores», conotados com o discurso monárquico e conservador, dispostos a divulgar o republicanismo como «pouco mais do que uma conspiração maçónica-radical de alguns intelectuais urbanos subversivos, sedentos de poder e carentes de escrúpulos».
Veja-se o que, sobre essa época, vai dizendo Rui Ramos, a estrela emergente de uma escola, que já passou à reforma esse inefável par constituído por Veríssimo Serrão e José Hermano Saraiva.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Efemérides




Coincidem os astros em comemorações com poucos dias de intervalo: Obama acaba de celebrar o 1º aniversário do seu mandato, enquanto Cavaco já celebra o 4º.
Nestas alturas fazem-se balanços e escutam-se opiniões difíceis de consensualizar. Mas se com Obama  há uma tendência para se considerarem as elevadas expectativas ligadas à sua eleição como longe de estarem cumpridas, no caso de Cavaco falam-se dos casos em que se tem envolvido e lhe ameaçam a reeleição.
Não há qualquer surpresa no facto de, tivesse podido, Oabama era eleito com o meu voto. E que, nunca por nunca, votaria em Cavaco Silva (salvo se a alternativa fosse um Le Pen, como chegou a suceder com Chirac!).
E, mais do que fazer balanços, prefiro olhar para o futuro: apesar das dificuldades presentes que a perda de um lugar no Senado implica, Obama tem a sagacidade e a competência para prosseguir um mandato histórico, tanto mais que os seus adversários só propõem uma política de terra queimada.
E quanto a Cavaco Silva, ele espelha o lado mais retrógrado, mais medíocre do País. Aquele que está a ser atirado para o caixote do lixo da História por quem aspira a um sítio moderno, com bons transportes e vias de comunicação e com energias limpas a substituírem-se rapidamente aos proscritos hidrocarbonetos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Lamento de um leitor insatisfeito

Já passaram algumas semanas desde a substituição na titularidade da direcção do «Público» e, infelizmente, o que se julgou constituir a oportunidade para devolver ao jornal, outrora fundado por Vicente Jorge Silva, o carácter de publicação de referência assumido nas suas origens parece perdida.
Pese embora se encontrem, aqui e ali, temas de interesse não despiciendo, demonstrativos de haver na sua redacção quem pudesse abalançar-se a esse nível superior de qualidade!
Enquanto leitor nem pediria muito: a objectividade equilibrada do «Le Monde» continua a servir-me de bitola, mesmo numa lógica de esquerda, que se não tem receio em escamotear.
Mas o que vemos no «Público» para pegarmos no exemplo do que surge numa edição precisa, a de domingo, dia 10 de Janeiro?
Três textos de interesse muito relevante: um sobre a mudança de paradigma que leva a transformar os chineses nos maiores compradores de carros em detrimento dos habituais lideres norte-americanos e que demonstra bem quão rápida está Pequim a impor-se na definição política e económica do futuro próximo. Outro texto sobre a geração perdida entre os 16 e os 25 anos, tão dotada de conhecimentos universitários, quanto marginalizada de um mercado de trabalho aonde só depara com a precariedade e o desemprego. E a tímida tentativa das autoridades brasileiras em ajustarem contas com a ditadura militar.
Muito embora qualquer desses textos pudessem ir além no que pressupõem sobre as mudanças sociológicas anunciadas e que não tardarão a resultar de grandes dissensões ideológicas de sinal contrário (não: a esquerda e a direita ainda se distinguem bem uma da outra!), eles são o exemplo do que gosto de ler no meu jornal de eleição.
Mas há o lado «Darth Vader» da redacção, aquele que continua a mostrar uma obsessão inusitada pelo primeiro-ministro, ora editorialmente o dando embaraçado com a anunciada campanha presidencial de Manuel Alegre, ora recolocando à mesa o mais que requentado caso Freeport, ora persistindo em dar primazia a uma única versão do caso Face Oculta, como se a verdade jurídica penda exclusivamente para um dos lados.
Num jornal que, lamentavelmente, mantém como colunista o antigo director, que tanto prejudicou a desejada imagem de equilíbrio entre quem, dialecticamente, se opõe no mundo onde vivemos, tardo em confessar-me um leitor satisfeito...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O anunciado fim de mais uma ilusão

É verdade que ficou para trás uma década da história dos homens, que deixa poucas saudades, se pensarmos nas diversas calamidades, que lhe estiveram associadas.

Os ataques às Torres Gémeas de Nova Iorque, o tsunami devastador para muitos povos do Índico, o Katrina e outros furacões destruidores de cidades caribenhas e do sul dos EUA, mas também toda a acção de políticos cujo verdadeiro destino deveria ser o de comparecerem perante réplicas de Nuremberga por quantos morticínios promoveram nas guerras para que arrastaram gerações de jovens como carne para canhão.
Mas, até para não destoar do que para trás deixara, a década despede-se com uma crise económica e financeira de trágicas consequências para quem ficou sem emprego e já não tem esperanças em o reencontrar.
O fracasso da cimeira de Copenhaga não deixa de estar relacionado com esse sobressalto padecido pelo capitalismo na sua versão mais odiosa  - a da sua vertente mais selvagem, pugnada pelos friedmanianos apostados em teimar quão «vantajoso» resulta deixar o mercado funcionar, já que o Estado só existe para atrapalhar a imparável acumulação de riqueza.
No início de um novo ciclo coincidente com o de uma outra década, esperar-se-ia a sagacidade dos nossos políticos no sentido de relegarem para o caixote do lixo da História um sistema económico, que só tem acentuado a brutal diferenciação entre os poucos que quase tudo têm e essa imensa maioria que, à conta de religião, de futebol e de telenovelas, vai-se distraindo de quanto importa acordar e exigir um mundo novo a sério.
Embora tenha resistido ao sobressalto dos últimos tempos, o capitalismo já vai criando as novas bolhas especulativas, que resultarão nas próximas crises. E, se por agora, só vozes marginais como a do recém-reeleito presidente boliviano, se apressam a anunciar a inevitável morte do moribundo, iremos assistir ainda por mais uns anos às ilusões a respeito da suposta bondade dos empresários privados, esses altruístas apenas preocupados em associar o lucro à criação de empregos e de boas condições de vida para os seus trabalhadores.
Um dia destes a crise atinge as dimensões de um terramoto e, entre enterrar os mortos e cuidar dos vivos já não sobrará quem, entre estes, encontre os axiomas por ora debitados  nos cursos de economia das nossas universidades...